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Dicas do Aquiles: Um compositor maior

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Vitor Ramil, com apoio parcial de recursos obtidos através de financiamento coletivo na internet, lançou “Campos neutrais” (selo Satolep – Pelotas, sua terra natal, escrito de trás para frente). O CD, que traz quinze composições inéditas e um songbook homônimo (lançamento simultâneo), foi todo produzido por ele. Do repertório, oito músicas são só de Vitor; as outras sete ou são fruto de parceria ou de poetas de quem ele musicou os versos.

Vitor canta e toca violões; Santiago Vazquez, percussão e batera. Com arranjos de Vagner Cunha, o Quinteto Porto Alegre de sopros, destaque em todas as quinze faixas do álbum, conta com Elieser Fernandes Ribeiro e Tiago Linck (trompete), Nadabe Tomás (trompa), José Milton Vieira (trombone) e Wilthon Matos (tuba). E mais as participações especiais de Gutcha (sobrinha de Vitor), Zeca Baleiro e Chico César, além do guitarrista Felipe Zancanaro e do violonista Carlos Moscardini.

No álbum, sente-se a evolução da estética musical de Vitor, aquela que ele nomeou “Estética do frio” – quando, na gelada Pelotas do Rio Grande do Sul, ele forjava o som que embutia inusuais belezas harmônicas e poéticas. Sempre mutante, ali ele já desdenhava da resignação, prima-irmã da caretice.

A voz de Vitor se parece com a de Caetano Veloso. Nunca o ouvi dizer que tem algum grilo com essa parecença. Até porque, penso eu, cantar parecido com Caetano é como ostentar uma medalha de ouro no peito.

Contudo, no CD atual essa semelhança aumentou. E isso se nota desde a primeira faixa, “Campos neutrais” (VR), que nomeia o CD. Ali Vitor expõe agudos e falsetes com a finura de um corte na pele com papel. Desde a intro, com um berimbau tocado com arco, as percussões criam o clima para deixar claro que Vitor e seu violão não estão para brincadeira. O quinteto de sopros toca um arranjo arrasador, com destaque para a tuba e para um intermezzo de arrepiar.

“Satolep fields forever” (VR) tem o quinteto de sopros desde a intro, em nova e brilhante participação. A percussão varia sons. Vitor canta firme.

“Labirinto” (VR e Zeca Baleiro) tem levada lenta, com acordes dos sopros marcando o tempo nos finais de alguns compassos.

“Se eu fosse alguém (Cantiga)”, poema de António Botto, musicado por Vitor, tem Gutcha (sua sobrinha) cantando a bela melodia à capella.

“Isabel”, feita para sua filha, tem apenas Vitor cantando repetidamente o trecho, “Livre, Isabel é livre”. Amoroso.

Outra declaração de amor vem em “Ana”, de Bob Dylan, que na versão de Vitor, virou Sara, sua mulher. Sensibilidade.

“Hermenegildo” (VR) fecha a tampa. A letra justifica o arranjo com repetições da harmonia e a força da percussão.

Hoje, melodias e harmonias de Vitor intensificam referências às músicas árabe, ibérica e nordestina, numa enriquecedora confraternização musical. Água e fogo seguem vestindo e lambendo suas crias, enquanto os versos, corrompendo linguagens estereotipadas, desaguam em frescor singular.

Eis Vitor Ramil, um compositor maior!