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Ícone do rock brasileiro, Raul Seixas completará 30 anos de morte em 2019. Espetáculo que revive sua trajetória chega ao Teatro Rival

Marcos Tristão -
Bomtempo vendeu um carro e raspou a poupança para viabilizar a primeira montagem do espetáculo, que já foi encenado em ginásios, circos, lonas culturais e até em rodeio
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Quando decidiu encenar um monólogo, em 1999, o ator Roberto Bomtempo, jamais imaginou que estaria prestes a se fundir com uma das personalidades mais marcantes do rock brasileiro, quer dizer da Música Popular Brasileira. Vinte anos depois, o espetáculo “Raul fora da lei – A história de Raul Seixas” foi encenado em dezenas de cidades, recebendo público estimado de 300 mil pessoas e gerou uma empatia cada vez maior entre personagem e intérprete. A partir de janeiro, a peça inicia um giro pelo Brasil mas pode ser vista amanhã, em apresentação única no Teatro Rival Petrobras - só volta ao Rio em fevereiro. Pelo país, dezenas de fã-clubes já iniciam os eventos relativos aos 30 anos da morte do Maluco Beleza.

O ator, que produz os próprios projetos desde o início da carreira, desejava montar um monólogo, mas não se interessava pelos textos que caíam em suas mãos. “Nada servia. Então, conclui que precisava ser algo que tivesse a ver comigo, algo de que eu gostasse, me identificasse”, lembra. Neste momento, percebeu que a vida de Raul Seixas seria uma boa alternativa. “Ouço Raul desde os 15, 16 anos. Sempre ouvi ao longo da vida. Depois, descobri que havia uns livros sobre ele e fui pesquisando as entrevistas dele, que sempre me tocaram muito. Seu jeito de falar das coisas, sua personalidade forte, libertária”, explica. No mesmo instante, descobriu o personagem e o autor ideais.

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Bomtempo vendeu um carro e raspou a poupança para viabilizar a primeira montagem do espetáculo, que já foi encenado em ginásios, circos, lonas culturais e até em rodeio (Foto: Marcos Tristão)

Com textos de autoria do próprio Raul Seixas, direção de José Jofilly e direção musical de Igor Eça, Bomtempo é acompanhado pela Banda M743 - formada por Igor Eça (baixo), Lipe Rodrigues (guitarra), Elcio Caforo (bateria) e pelos cantores Leandro Baungratz e Tamara Trindade, para mostrar a vida e o legado de Raul Seixas para a música e cultura brasileira. O espetáculo se detém mais sobre o pensamento de Raul do que as 22 canções apresentadas, revela o ator e produtor que vendeu um carro e raspou a poupança para viabilizar a primeira montagem. “Me desfiz de um Corsa e saquei os oito mil reais que tinha guardados na época. E a coisa estourou. Convites vinham de todo país”. A peça vem sendo reencenada com o passar dos anos. Houve uma montagem há dez anos e, agora, neste final de 2018, Bomtempo achou o instante de retomar o espetáculo adequado. “Não é só pelos 30 anos da morte dele, mas porque a alma libertária do Raul tem algo a nos dizer nesses tempos tão estranhos”, comenta.

Das inúmeras encenações do espetáculo pelo Brasil, Bomtempo guarda uma recordação especial. “Em 2002, me apresentei em Salvador e Dona Maria Eugênia, a mãe do Raul, estava doente, nunca saía de casa, mas fez questão de ir na peça. No dia seguinte, fui convidado para ir à sua casa e ganhei dela um presente muito especial. O pai de Raul era engenheiro e pintor por hobby. Raulzito não pintava, mas houve uma vez em que entrou no atelier do pai e pintou uma tela. Ela me deu embrulhado e nem me deixou abrir. Só fui ver em casa: era um autorretrato em que aparecia de cigarro na boca com uma noiva bem surrealista”.

Raul deixou um farto material, entre fitas, escritos, fotos e composições, guardados no seu famoso baú, mantido por Kika, sua última companheira. O roqueiro tinha mania de registrar tudo para a posteridade, na esperança de manter-se vivo na memória do seu público. Parte deste material serviu de fonte de pesquisa para Bomtempo, que hoje é amigo da família, de antigos colaboradores e de (muitos) fãs.

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Entre a loucura e a lucidez, o libertário Raul era apaixonado pelas três filhas (Foto: Reprodução)

Ao mergulhar no baú do compositor de “Gita”, “Sociedade Alternativa” e outros hits libertários e pró-amor livre, Bomtempo surpreendeu-se com o Raul pai de família. “Me chamou a atenção a paixão, o amor profundo do Raul pelas filhas, algo que ele não falava nos shows ou entrevistas. Mas, ao mesmo tempo, aquela loucura afastava ele da relação de pai” – o roqueiro teve três filhas, Scarlet, Simone Andrea e Vivian, com três mulheres. “Esse é um lado delicado dele que coloco na peça, através de cartas e poemas para a Vivi”, diz, lembrando que todo mundo tem sua loucura e sua lucidez.

Em “Raul fora da lei”, o público encara um Raul Seixas aberto, em carne viva, inteiro, exposto, que fala de sua relação com o sucesso, as mulheres, além de sua espiritualidade, anseios, sonhos e frustrações. “Não há um autor que escrevendo sobre ele. São seus pensamentos, um lado que nem todos os apreciadores da sua música conhecem”, diz o ator, confessando que, na primeira montagem, temia pela reação dos fãs tradicionais. “Tem aqueles caras que mitificam o Raul, chegavam perguntando ‘o que esse cara vai fazer com o meu Raul?’. Mas, no meio da peça, cantavam e dançavam. O público é que fez a peça ser tão longeva”, acredita.

Um ingrediente a mais no espetáculo é o encontro de diferentes gerações, do contemporâneo do compositor aos que nasceram depois de sua morte. “Não é comum um jovem de 18 anos ir ao teatro com o pai. Esse mérito não é da peça, mas do Raul”, diz o ator e produtor.

Ao longo dos anos, a peça foi montada também em ginásios, circos, lonas culturais e espaços abertos, inclusive rodeios. “Para montagens fora do teatro, costumo tirar 20% do texto e colocar mais música, para mexer com a dinâmica. Mas faço questão de lembrar que este não é um show, não sou cantor. A única vez que cantei num palco em toda a vida foi nesta peça”, diverte-se Bomtempo, que arranha um violão de vez em quando.

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SERVIÇO

RAUL FORA DA LEI – 20 ANOS DE SUCESSO

Teatro Rival Petrobras (Rua Álvaro Alvim, 33 – Cinelândia; Tel: 2240-4469) - Amanhã - 19h30. Ingressos: R$70 e R$ 35. Promoção: R$ 55 (primeiros cem pagantes)

Reprodução - Entre a loucura e a lucidez, o libertário Raul era apaixonado pelas três filhas