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Escritora Raquel Stivelman abre feridas pessoais em sua terceira obra

José Peres -
Raquel escreve seus textos no papel, geralmente na parte da noite
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Depois de publicar dois livros sobre o antissemitismo e suas origens, a professora Raquel Stivelman está lançando seu mais novo trabalho. “O abraço que não tive” (Imago Editora), com lançamento amanhã, na Livraria da Travessa do Shopping Leblon, é uma compilação de artigos que escreve para o JORNAL DO BRASIL desde 2004 acrescido de reflexões pessoais e correspondências com a família e amigos de toda uma vida. Aos 85 anos, ela sente a necessidade de abrir coração e alma e dividir suas angústias pessoais com os leitores. “Fazer esta compilação foi como passar minha vida a limpo, como realizar um retrospecto existencial e registrar o que foi marcante e definitivo para mim”, define a autora, que espalha pela 252 páginas da obra generosas doses de humanismo, valor que parece estar em falta nos dias de hoje.

Apesar de uma vida profissional e familiar bem-sucedida, Raquel vai ao fundo da alma resgatar talvez a experiência mais sofrida de sua vida: a perda da filha Elaine Kátia, aos sete meses de vida, em 1959. “Com a energia e vitalidade da juventude, tentei compatibilizar e harmonizar as minhas mais diversas funções de esposa, amante, mãe, filha, nora, professora e amiga quando, de repente, meu mundo ruiu. Foi muito brusco, duro e difícil”, desabafa.

Macaque in the trees
Raquel escreve seus textos no papel, geralmente na parte da noite (Foto: José Peres)

Não faz parte da natureza humana os pais perderem os filhos e Raquel seguiu em frente – já tinha um filho mais velho, Cláudio, e viria a ter outro, Eduardo, anos mais tarde. Os dois se casaram e lhe deram muitos netos e bisnetos, certamente uma compensação com juros e correção de perda tão dramática. A doença da pequena Eliane Kátia a vitimou em uma semana, tudo tão rápido que a maior cicatriz aberta na alma de Raquel talvez sejam as lembranças do que não foi vivido, sentido e amado. “O que poderia restar de lembrança de um lindo bebezinho de sete meses? Seu rostinho de anjo, seus bracinhos e perninhas roliças, o brilho mágico de seus olhos azuis e aquela risada cristalina”, especula. “Tenho lembranças incompletas dos primeiros passinhos que não vi, dos muitos vestidinhos e bonecas que não tive tempo de lhe comprar e o abraço que nunca recebi”, completa.

De coração e alma escancarados, Raquel acredita que a leitura de seus escritos leve muitos leitores, e principalmente leitoras, a descobrir afinidades com ela. “Os seres humanos são para mim como ilhas isoladas, por vezes ansiando combater esse isolamento. Escrever é uma forma de estabelecer pontes imaginárias entre essas ilhas. Se eu conseguir emocionar alguns leitores, ou conseguir dar linguagem, forma ou expressão ao que marcou meus dias, talvez tenha podido construir algumas pontes”, pontua.

Além de dividir experiências pessoais intensas, Raquel Stivelman brinda seus leitores com reflexões sobre o mundo de hoje. E chega credenciada pelos prefácios da antropóloga Miriam Goldenberg e do escritor e tradutor Paulo Geiger, e orelhas assinadas pelo jornalista e professor Arnaldo Niskier e pelo jornalista Zuenir Ventura. A autora selecionou 37 dos muitos artigos publica quinzenalmente nas páginas de Opinião do JB nos quais trata de política, relações internacionais, especulações existenciais e questões do cotidiano dos brasileiros. Textos, normalmente escritos à mão de madrugada. “Durmo apenas duas horas por noite. Durante o dia, a rotina de uma casa de família, não traz o sossego e a concentração necessária para escrever”, admite.

Duas preocupações a perseguem nos últimos tempos. O recrudescimento do antissemitismo e as questões relativas à participação da mulher na sociedade. “Acontecimentos como o atentado recente numa sinagoga de Pittsburgh mostram que este sentimento de ódio ao povo judeu está sendo reinventado através de um novo mecanismo. “O antissemitismo de hoje é diferente daquele encontrado na Espanha e em Portugal nos tempos da Inquisição, ou na Alemanha de Hitler, transformando-se em um movimento que atribui aos judeus de todas as partes do mundo a responsabilidade pelas políticas militares do governo do Estado de Israel. A moderna tecnologia de comunicação permite que mentiras sejam divulgadas como verdade, fazendo os judeus de hoje enfrentarem dois mil anos de racismo reciclado”, defende.

Macaque in the trees
O abraço que não tive (Foto: Divulgação)

Esta temática é encontrada nos livros “O ódio entre os homens”, de sua autoria, e a “A marcha do genocídio”, escrito a quatro mãos com o marido, o empresário romeno naturalizado Michael Stivelman, que sobreviveu ao Holocausto.

“Os seres humanos, ao nascerem, não sabem o que é preconceito, discriminação ou corrupção. São males adquiridos e que precisam ser combatidos. É preciso reagir a este perigo, revelar cada vez mais e, principalmente, educar as gerações vindouras”, defende a escritora.

A indignação de Raquel aplica-se também à condição feminina, mesmo estando nós no século 21. “O homem possui o diabo e Deus dentro de si, que se entrechocam, se enfrentam na decisão sobre qual atitude deve assumir. É uma lástima que em tantos países, alguns do Primeiro Mundo, a mulher seja tão discriminada, desrespeitada e maltratada”, denuncia.

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SERVIÇO

O ABRAÇO QUE NÃO TIVE

Autora: Raquel Stivelman

Imago Editora - Págs: 252

Preço: R$ 50

Lançamento: amanhã, às 19h - Livraria da Travessa (Av. Afrânio de Mello Franco, 290 – Leblon; Tel.: 3138-9600 )

Divulgação - O abraço que não tive