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Vik Muniz enaltece arte sacra, menosprezada pelos contemporâneos, em Imaginária

Divulgação -
A obra "A crucificação", de Thomas Eakins, original
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No ano em que o brasileiro visitou Céu e Inferno, travou batalhas virtuais e guerreou por ideologias, a arte contemporânea oferece, a partir de amanhã, na Capela Santa Ignez (Rua Mary Pessoa 91 - Gávea), a oportunidade de mergulhar em várias experiências do Sagrado sob o olhar de Vik Muniz. É a inauguração da exposição “Imaginária”, da série Repro, com 14 telas - 13 delas inéditas, baseadas em grandes mestres como Caravaggio, Gustave Moreau e Guido Reni.

“Houve uma revolução política no Brasil este ano. Venho pensando muito nessa demonização da cultura e percebo uma distância entre a classe artística e as pessoas. Venho conversando com muita gente e me sinto culpado quando percebo que não se sentem parte da produção cultural. A cultura é vista como algo supérfluo por boa parte da população porque nós não a distribuímos como deveríamos. Temos que ouvir essas pessoas”, explica o artista.

Embora não concorde com a visão do futuro presidente Jair Bolsonaro sobre a produção cultural, Vik considera fundamental alimentar o diálogo com seus eleitores. E vem se empenhando, no cotidiano, em criar essas pontes. “Temos de resistir à tentação de odiar quem pensa diferente. Estava atrás do Mano Brown no comício (do candidato Fernando Haddad, na Lapa) e ele falou algo certo. Eu sou de esquerda, mas temos que refazer esse projeto. Nasci pobre e isso molda minha consciência política. Se as pessoas não se sentem parte da cultura, a culpa é nossa. E há um componente cristão, da culpa, nesse meu sentimento”.

Alimentar o assombro de público e crítica diante de uma exposição inspirada no sagrado, tema sempre condenado à fogueira pela arte contemporânea, também agrada ao artista. Para ele, nudez e pornografia são recursos usados à exaustão, e portanto esgotados, no nosso tempo.

“É muito mais interessante se aventurar por essas veredas do que provocar com nudez. Vejo gente pelada o tempo todo, não há choque algum. Agora, a pessoa entra numa galeria, vê um crucifixo e pensa: ‘Que diabo é esse?’”, provoca, bem-humorado.

Apaixonado por textos sagrados, o artista se tornou leitor voraz da Bíblia, do Alcorão e de histórias consideradas divinas pelos mais diferentes povos. É capaz de se lembrar, em meio a uma reflexão sobre Arte e Ecologia, de uma passagem de São Tomás de Aquino, pesquisar e retomar sua fala. Citações como “A verdade é a adequação entre a coisa e o intelecto”, do “Doutor Angélico Tommaso d’Aquino”, inspiram o Vik, nascido em uma família com raízes na fé cristã.

“Todos os seres têm consciência, por isso estão vivos e evoluem. O que nos difere como humanos é a fé. Acreditar é o que nos faz diferentes. E a imagem do santo traz a força daquele que crê além de sua própria vida”, define Vik, que confessa ainda pedir umas orações à mãe, Maria Celeste: “Se eu estou precisando de algo, peço a ela que reze. Pessoas com fé são amplificadores”.

Através de “Imaginária”, o paulista que correu o mundo com suas obras, faz uma viagem no tempo. Para ele, ao abdicar do mistério e do dogma e se aproximar do materialismo e pragmatismo da alma burguesa, a arte abdicou da “promessa divina que a arte sacra produz”.

“Eu tenho um roteiro em Paris de pinturas perdidas em igrejas. Eu adoro igreja. Ia à missa sempre com minha avó. Não existe apreço pela história da arte sem lidar com essa iconografia sacra. Sem contar que o brasileiro tem esse apego à religião. Quem precisa muito reza mais”, afirma o artista, feliz em expor na Capela, a 300 metros de casa: “É onde eu me casei e batizei minha filha. Ano passado, pediram uma doação para seu trabalho social porque a situação estava difícil. Pensei em algo além”. 

Parte da renda obtida com a venda das obras será revertida para o trabalho social mantido pela Fundação Casa Santa Ignez, que oferece serviços como creche, oficinas culturais e alimentação para crianças, a maioria moradora da Rocinha. A matéria-prima das telas são milhares de fragmentos e recortes de catálogos. Para Vik, os mosaicos “caóticos” simbolizam as distrações e as dificuldades de um tempo disperso e “plural”.

“Uma senhora me encomendou um quadro sobre São Jorge. Eu não trabalho por encomenda, mas achei tão mágica aquela imagem, o homem sobre um cavalo matando um dragão. É uma narrativa muito poderosa”. Aos poucos, o formato de “Imaginária” foi se moldando também como uma homenagem afetiva aos seus mestres clássicos da pintura. Fã de Caravaggio e Velázquez, Vik é um pesquisador das fantásticas narrativas das vidas dos mártires cristãos. “A Bíblia é um livro fantástico. Não é à toa que se tornou popular”.

O pendor pela democratização do acesso à obra de arte torna o artista plástico pouco palatável para muitos críticos. Para ele, o uso de materiais do cotidiano, nada sacralizados, facilita o acesso das pessoas ao seu trabalho. Até as crianças são suas fãs.

“Eu já fui muito condenado por ser um artista acessível. Vivo gravando vídeos para escolas e muitas crianças me procuram dizendo que fizeram suas obras de arte no colégio inspiradas no meu trabalho. Adoro quando o vigia do museu diz: “Você é o artista? Adorei”. É importante saber que você está falando com todo mundo”, defende Vik.

Um dos momentos mais incríveis vividos em suas travessias pelo mundo foi a atendente de uma empresa aérea. Enquanto fazia o check-in para embarcar para Nova York, ela perguntou se era mesmo o brasileiro famoso. Diante da assertiva, a moça se emocionou.

“Ela tinha sido aeromoça, o que tumultuou muito a vida pessoal. Havia se separado do marido e não tinha nenhum diálogo com a filha. Uma vez, foram juntas a uma exposição minha e, diante de uma obra, conseguiram conversar. Ela me contou chorando e eu chorei também. Voltaram cinco vezes àquela mostra juntas. A arte cria esse espaço de diálogo”.

Essa defesa é também parte da militância política de Vik, que quer fazer diferença no mundo além da virtualidade.

“Melhorar o mundo não é compartilhar um texto inteligente no Facebook. É preciso voltar e agir no seu local”.

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SERVIÇO

Capela Santa Ignez R. Mary Pessoa, 91 - Gávea; Tel.: 2274-2402. Abertura amanhã, às 18h. De 30/11 a 9/12, de 12h às 19h. Entrada franca.