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Forrest Gump à brasileira

Viver com índios, escoltar mafiosos e frustar atentado são faces de múltipla biografia

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A caminho do Sambódromo, um policial federal pergunta “quem são esses caras aí”, ao amigo que lhe pedira para escoltar um grupo de japoneses hospedados no Caesar Park, no Carnaval. Então chefe da segurança do luxuoso hotel em frente à Praia de Ipanema, Gilberto Gama respondeu que seriam empresários importantes e que “todo mundo” ia “ganhar um dinheirinho aí”. Sem saber, o agente da PF e um policial militar escoltavam alguns dos integrantes mais procurados da Yakuza, a máfia japonesa, como relata o jornalista e escritor Marcos Eduardo Neves. Nesta quinta-feira, ele lança “Gilberto, Gama de histórias” (Rotativa, R$ 50), e se prepara para fechar 218 chegando a dez livros – este, uma biografia sobre um personagem desconhecido, mas “cheio de histórias, quase um Forrest Gump brasileiro, que já fez de tudo”.
Se sua biografia “Nunca Houve um Homem como Heleno”, sobre o jogador de futebol Heleno de Freitas, virou filme, dessa vez ele considera que um longa-metragem não seria suficiente. “Tem assunto para uma minissérie”, afirma o jornalista, colaborador do JB, que foi apresentado pelo lendário fotógrafo Evandro Teixeira, amigo em comum dos dois, a Gilberto Gama, que, aos 82 anos, já viveu com índios na selva, vendeu de Coca-Cola a armas para ditaduras de diversos países – Brasil incluído –, foi ator de comédia e hoje, aos 82 anos, trabalha com dedetização para restaurantes.
Nascido em 1936, Leopoldina (MG), Gilberto Gama veio com os pais para o Rio, onde aos 16 anos, fingiu que era órfão para forjar que já tinha 18 e, assim, se alistar na Brigada de Infantaria Paraquedista do Exército, como conta o biógrafo. “É tudo documentado. Contando, assim, você custa a crer mesmo”.
Do paraquedismo, Gama vai para Mato Grosso e, dali, para a Amazônia. “Na campanha Plínio Salgado à Presidência em 1955, xinga Filinto Müller, chefe da polícia de Getúlio Vargas, na cidade natal dele, Cuiabá.Ele conta que o pai dele, integralista, foi torturado pelo Filinto, de quem tinha muita raiva”.
Do Mato Grosso, é contratado por seringalistas para fazer medições de terra na Amazônia. “Ele se apaixona pela questão indígena e vive em muitas tribos, inclusive antropofágicas. Viu mãe abrir a cabeça da filha de nove meses, que havia morrido e comer o cérebro dela”.
Entre dois períodos na Amazônia, Gama atua no humorístico “Praça da alegria”, com Manoel da Nóbrega, antes de sua experiência na selva lhe tornar executivo de vendas, da Coca-Cola e, depois, de biscoito, e do Jardim da Saudade, então um novo conceito em cemitérios no Rio, com área verde.
O passo seguinte foi vender armas, da indústria americana Smith Wesson. “Ele vende em vários países. No Paraguai, conhece o [ditador Alfredo] Stroessner [1912-2006] e apresenta um gás lacrimogêneo, a um chefe da polícia, que testa o produto nos presidiários. Aí, o Gilberto ficou bem chocado”, conta Neves. No Brasil, seus conhecimentos o levaram “conseguir soltar uns 15 presos políticos, peixes pequenos, na época”.
Contratado em 1979 para chefiar a segurança do Caesar Park, ganhou a gratidão do futuro governador do Rio Leonel Brizola [1923-2004]. “Com o que conhecia de explosivos, desconfiou de um pacote entregue ao Brizola, que ia se hospedar lá, recém-anistiado. Levou-o para a praia, onde chamou a polícia e o desarmou – para a revolta de outros policiais”, ressalta Neves.
Anos depois, teve que voltar a usar seus contatos para reter, no Galeão, os passaportes dos 26 integrantes da Yakuza, que escoltou pelo Rio. “Os proprietários do Caesar Park eram do Japão, onde esses caras mandam”, conta o biógrafo. “Acabou que os caras da Yakuza ficaram super agradecidos por se sentirem em segurança e bancaram viagem do Gilberto para o Japão. Cada caso desses dá, fácil, um episódio de minissérie”.