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Astro de Infiltrado na Klan, John David Washington, filho de Denzel, herda dele a parceria com Spike Lee num thriller sobre o policial negro que enganou a KKK

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Forte concorrente ao Oscar, filme protagonizado por John David reproduz uma história absurda, porém verdadeira, que aconteceu nos EUA nos anos 1970
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Desde a sua passagem pelo Festival de Cannes, onde conquistou o Grande Prêmio do Júri à força de uma devastadora denúncia ao racismo, “Infiltrado na Klan”, o novo longa-metragem de Spike Lee, em cartaz no Brasil, causa espanto e risadas nervosas na cena em que seu protagonista - o primeiro policial negro do Colorado, Ron Stalworth, vivido por John David Washington – despeja ofensas contra afro-americanos ao telefone.

Do outro lado da linha há um alto figurão da Ku Klux Klan, o grupo supremacista branco dos EUA, sem a menor noção de que está falando com alguém orgulhoso de suas raízes africanas do outro lado da linha. O impacto da sequência se deve ao talento de John David, um ator de 34 anos, mais conhecido pelo seriado “Ballers”, que tem uma ligação antiga com Spike. Em 1992, quando o cineasta filmou “Malcolm X”, o pequeno John David, lá pelos seus oito aninhos, fez uma participação naquela filmagem. Um dos motivos de estar ali: o pai dele era o protagonista, no caso, Denzel Washington.

Mas o nepotismo não se faz presente na relação do jovem astro com Spike e com o cinema em geral. John David não usa o nome do pai como cartão de visitas. Para isso, tem seu talento, que faz dele um dos potenciais concorrentes ao Oscar 2019. “A história de ‘Infiltrado na Klan’ aconteceu, mas, mesmo depois de repeti-la dezenas de vezes, você duvida de que ela seja verdade, pelo absurdo que parece ser e pelo heroísmo singular do verdadeiro Stalworth. Ao fim do nosso processo de imersão nesse universo de intolerância, eu o procurei para agradecer pelo fato de um sujeito como ele existir”, disse John David, em resposta ao JORNAL DO BRASIL em Cannes, na projeção do longa, que se firma como um dos mais rentáveis do ano nas bilheterias internacionais: custou US$ 15 milhões e já arrecadou cerca de US$ 90 milhões. “A gente aprendeu muito nesse processo sobre a brutalidade que é institucionalizada”.

Além de “Malcolm X”, Denzel e Spike brilharam juntos em cults como “Mais e melhores blues” (1990), “Jogada decisiva” (um fenômeno de bilheteria de 1998, lançado aqui só na TV) e “O plano perfeito” (2006). “Spike já é da família”, brincou John David numa entrevista à web.

Batizado em inglês de “BlackKklansman”, o longa é o maior sucesso de Spike Lee em mais de uma década: vale lembrar que seu trabalho mais ousado feito anteriormente, “Chi-Raq” (2016), só chegou em solo brasileiro pela TV. Laureado em Cannes também com uma menção honrosa do Júri Ecumênico e coroado com o voto de melhor filme pelo Júri Popular do Festival de Locarno em solo suíço, “Infiltrado na Klan” é encarado como um ímã de troféus como o Globo de Ouro e ao Oscar.

De acordo com o portal Awards Daily, especialista nas premiações do cinema, este thriller policial deve concorrer em nove categorias, a começar pela de melhor filme, seguindo as de direção, roteiro adaptado, ator (para John David), ator coadjuvante (para Adam Driver, neto de Darth Vader na atual fase da franquia “Star Wars”), fotografia, figurinos, direção de arte e maquiagem.

E tudo começou com uma dica que o cineasta Jordan Peele (de “Corra!”) deu a Spike, num telefonema: “Você já ouviu falar da história do policial negro que se infiltrou na KKK?”. “Só Spike poderia contar essa história, por tudo o que ele representa”, disse John David em Cannes, sem comentar muito do pai, a quem se refere sempre com enorme orgulho, assim como fala de seu diretor.

“Cresci ouvindo histórias de meu pai com Spike, que é um sujeito que encara a História americana de frente para entender o que está por trás do Poder. E isso é feito com a língua das ruas”.

Ao longo de 128 minutos frenéticos minutos, embalados por canções de The Temptations, Looking Glass e Prince, “Infiltrado na Klan” revive fatos reais ocorridos em 1979, nos EUA, quando Stallworth, recém-chegado à força policial do Colorado, misturou-se a uma facção da Ku-Klux-Klan usando sua lábia. Na hora de aparecer nas reuniões, ele enviava seu parceiro, Flip (Driver, em memorável atuação), cujo desafio é disfarçar sua origem judaica.

“O que faz desse plano de Stalworth algo digno de um herói foi a inteligência dele para decifrar o léxico do ódio que está por trás do discurso da KKK”, diz John David, que fez carreira como jogador de futebol americano antes de se firmar como ator e hoje está associado a outros filmes inéditos cheios de requinte como “The old man & the gun”, com Robert Redford. “A vida de Stalworth seguiu normal depois do que ele fez. O problema é que o ódio que ele combateu ainda está por aí”.

*Roteirista e crítico de cinema