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Quando o cão não ladra e morde: confira crítica da peça 'Dogville'

Divulgação -
Mel Lisboa e Fábio Assunção estão no elenco da peça "Dogville", adaptada do filme de Lars von Trier
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Dogville, o cenário do filme de Lars von Trier com o mesmo nome, é uma cidade pequena e obscura nas Montanhas Rochosas do Colorado. A população adulta é de cerca de 15 pessoas e, durante a Grande Depressão, quando se passa a ação, a vida dessas pessoas é, apesar de agitada nos atos cotidianos, sem alegria e dura. Um lugar onde a vida parece ter sido reduzida ao mínimo. Signatário do movimento Dogma 95, que prega um cinema raiz, o filme constrói uma nova lógica. Não há locações ou cenário. A tela aparece como se fosse um enorme palco, no qual estão marcados no chão os possíveis locais como casa, igreja, pomar.

Em sua primeira adaptação teatral brasileira, Dogville mantém a estrutura original no trabalho do premiadíssimo diretor paulistano Zé Henrique de Paula (vencedor dos prêmios Shell, APCA, Reverência, Aplauso Brasil e Arte Qualidade Brasil) elimina qualquer ideia de que a cidade seja uma roça, um local de limitações e consegue transmitir de forma clara e direta os principais temas do original: é impossível se conviver com o diverso, com qualquer coisa que nos seja estranha.

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Mel Lisboa e Fábio Assunção estão no elenco da peça "Dogville", adaptada do filme de Lars von Trier (Foto: Divulgação)

É no jogo da presença e da ausência, do que se vê e do que não se presentifica – é a cidade do cachorro, mas só se ouve seu latido e ele jamais é visto - que se constrói a tipificação do maior conflito aparente: como se relaciona com os habitantes a forasteira Grace, que aparece do nada, mas como a se integrar com a generosidade dos moradores. A partir de um momento, tudo vira, pois de forma aparentemente piedosa, Grace passa ser praticamente escrava, humilhada por todos, também é seviciada sexualmente sexual.

O elenco é formado por Mel Lisboa (Grace), Eric Lenate, Fábio Assunção, Bianca Byington, Marcelo Villas Boas, Anna Toledo, Rodrigo Caetano, Gustavo Trestini, Fernanda Thurann, Thalles Cabral, Chris Couto, Blota Filho, Munir Pedrosa, Selma Egrei, Dudu Ejchel e Fernanda Couto. O narrador, o personagem do jovem inocente Tom Junior (Rodrigo Caetano), conduz a ação e também a dicotomia: enquanto ele quer despertar os bons valores, o resto das pessoas vai em um crescendo de perversidade física, verbal.

A montagem idealizada pelo produtor Felipe Lima faz uma opção interessante, que traz um novo status ao espetáculo. Ao ter como cerne a inclusão da linguagem cinematográfica, utilizando não somente projeções e videomapping, mas também projetando cenas filmadas ao vivo, passadas, teatro de sombras, ressalta-se ainda o conjunto da interpretação bem azeitada como apoio à força dos diálogos.

A movimentação dos atores de forma pausada é um forte acerto para que o clima sombrio se exerça como o grande pano de fundo. Os figurinos atemporais, também sombrios, transformam os personagens em figuras fantasmagóricas, gente quase que entre a vida e a morte. Em Dogville, a vida se faz no limbo, nas sombras, no desvão, nos espaços sem qualquer limite, como é sem limite a maldade, o atingir o outro, o ferir. É encenação emblemática eficiente para se assistir e se perceber que a vida é um morder sem parar. Pequenas mordidas até o abocanhar final.

*Professora do Depto de Comunicação da PUC-Rio e doutora em Letras

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SERVIÇO

DOGVILLE

Teatro Clara Nunes (R. Marquês de São Vicente, 52 - Gávea; Tel.: 2274-9696). Sex. e sáb., às 21h; dom, às 20h. Ingressos a partir de R$ 50. Classificação: 16 anos