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Um abajur cor de lilás

Conflito em prostíbulo marca violenta peça de Plínio Marcos em cartaz com mais quatro apresentações em Copacabana

Cláudia Ribeiro/Divulgação -
Prostitutas se atacam fisicamente, observadas pelo cafetão, dono da "zona", na nova montagem da peça escrita em 1969 por Plínio
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Escrita há quase 50 anos e deixada na geladeira da censura por mais de uma década, a peça de Plínio Marcos (1935-1999) que se passa em um prostíbulo tem curta temporada no Teatro Gláucio Gill, em Copacabana, até a próxima semana, com a plateia posicionada em cima do palco, no mesmo plano dos atores. São mais quatro apresentações, às quartas e quintas de “O abajur lilás”, trama que se tentou encenar, sem sucesso, em 1969 e em 1975, até ela finalmente ser liberada em 1980.

A primeira tentativa foi feita no ano seguinte à decretação do AI-5, instrumento com o qual a ditadura militar endureceu as proibições na área artística, censurando previamente obras da música, cinema, teatro e televisão, inclusive por motivos vagos, como a subversão da moral. Assim, impedia o público de assistir a encenações de textos como os do dramaturgo nascido em Santos, que trabalhou como estivador e usou o ambiente portuário, repleto de marginais, prostitutas e aproveitadores baratos, como inspiração.

Em “O abajur lilás”, os personagens são três prostitutas, um cafetão e seu violento capataz, que, na primeira montagem frustrada de 1969, tinha, no elenco, o casal Paulo Goulart e Nicete Bruno, além de Walderez de Barros, então casada com Plínio Marcos, com quem viveu de 1963 a 1985.

Antes da estreia, a peça recebeu um selo de proibição por um período de cinco anos. Em 1975, passados os cincos, foi feita nova tentativa, sob a direção de Antônio Abujamra e novamente com Walderez de Barros, além de Cacilda Lanuza, Ariclê Perez e Lima Duarte no elenco: nova interdição, dessa vez no dia do ensaio geral.

Já no início da abertura do regime, a segunda proibição motivou um manifesto contra a censura prévia, que passou a ser lido em teatros por todo o país, citando as censuras à peça de Plínio Marcos e a ”Rasga coração”, de Oduvaldo Viana Filho, o Vianinha, além do grande número de cortes imposto a “Um elefante no caos”, de Millôr Fernandes.

Finalmente, em 1980, já sem o peso do AI-5, que fora revogado dois anos antes, “O abajur lilás” pôde estrear, novamente com Walderez de Barros, sob a direção de Fauzi Arap.

Na montagem em cartaz no Gláucio Gill, o diretor Nello Marreze leva o público para junto do núcleo onde três prostitutas se digladiam, sob o domínio de Giro (Alexandre Pinheiro), um cafetão gay e autoritário, que impõe sua autoridade com base na força do truculento capataz Osvaldo (Nil Neves).

“Resolvi colocar o público, que é pequeno, com 50 pessoas, todas sentadas em cima do palco. A cena é minimalista, fechada, com uma cama no meio, representando esse pardieiro”, resume Nello Marreze, que também elaborou o cenário – com apoio de Roberto da Rocha – e os figurinos.

Daniela Sanchez assina a iluminação, enquanto João Mello e Gabriel Reis compõem a trilha sonora, com “ambientação de som tentando retratar um cais do porto”.

Dentro do tal pardieiro, Célia (Anna Paula Borges) deseja derrubar Giro e tomar para si o controle da “zona”, enquanto Dilma (Chris Mello) se apega ao filho que precisa criar, quando a novata Leninha (Bruna Castelo Branco) chega, agindo de forma mais individualista, sem se preocupar com os conflitos alheios.

A situação se complica e explode em violência quando o abajur lilás aparece quebrado e nenhuma das três prostitutas assume a culpa. “Optei por tirar a relação de distanciamento do palco italiano, com separação entre a plateia e o palco, porque entendo que um texto como esse ganha muito com a proximidade, nesse formato de arena”, afirma o diretor.

“A interpretação é naturalista, também, para mostrar de forma mais direta esse universo do submundo – todos os personagens vêm do cotidiano que ele [Plínio Marcos] conheceu como estivador no Porto de Santos. Essa forma faz com que os atores sejam muito sinceros dentro das suas emoções e ideias a respeito de cada personagem”, ressalta Nello Marreze. “Com todos já em situações precárias, eles não se protegem; pelo contrário, se atacam. Falam de forma pejorativa uns dos outros, assim que têm um pouco de poder”, acrescenta ele, que, tendo Hugo Ayres como assistente, faz sua primeira direção de uma peça – “da qual você não sai rindo”.

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BARRELA (1958) Plínio nem precisou do AI-5 para ser proibido. Dez anos antes, sua primeira peça já fora censurada. Baseada em fato reais, “Barrela” começa numa cadeia em Santos. “Um garoto foi preso por uma besteira e, na cadeia, foi currado. Quando saiu, dois dias depois, matou quatro dos caras que estavam com ele na cela”, contou o autor.

DOIS PERDIDOS NUMA NOITE SUJA (1966) Montada inclusive no exterior, a peça mais famosa do autor fala de uma noite de Paco e Tonho, entre a rua e o quarto que dividem em uma hospedaria. Vindo do interior, Tonho atribui a sua dificuldade em conseguir um emprego à falta de um bom par de sapatos, sendo alvo das provocações de Paco.

NAVALHA NA CARNE (1967) Estreando em São Paulo, com Walmor Chagas e Cacilda Becker, ganhou montagem carioca com Tônia Carrero como prostituta em conflito com um cafetão e um camareiro gay. Além do estilo de personagens, coincide com “O abajur lilás” também ter sido censurada, embora ainda tenham conseguido encená-la antes.

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Prostitutas se atacam fisicamente, observadas pelo cafetão, dono da "zona", na nova montagem da peça escrita em 1969 por Plínio (Foto: Cláudia Ribeiro/Divulgação)

Serviço

O ABAJUR LILÁS Teatro Gláucio Gill (Praça Cardeal Arcoverde, s/n - Copacabana; Tel.: 2332-7904). Quartas e quintas-feiras, até 29/11, às 20h. Entrada: R$ 40 / R$ 20. Bilheteria aberta a partir das 16h. Capacidade: 50 espectadores. Classificação etária: 16 anos