ASSINE
search button

Em nome da diva

reprodução -
Nina Simone, uma voz na linha de frente da defesa dos direitos civis do povo negro
Compartilhar

Na semana em que se celebra o dia da consciência negra, a cantora Jesuton, a pianista Sulamita Lages, a banda Afrojazz e o Dj Negralha sobem hoje ao palco da Fundição Progresso para apresentar “Niva vive”, que traça um painel da trajetória da cantora e pianista Nina Simone (1933-2003), uma das vozes mais significativas do jazz mas também da luta por um mundo mais justo e sem preconceitos. Depois da estreia no Rio, o espetáculo segue para Brasília, Santos, São Paulo e Vitória.

Formada por Rodrigo Ferreira (baixo), Daniel Conceição (bateria), Osvaldo Lessa (saxofone), Roque Miguel (percurssão), Felipe Chernicharo (guitarra) e Eduardo Santana (vocal e trompete), a Afrojazz nasce a partir de estudos dos músicos sobre ritmos africanos, suas influências e mutações, que fascinam os instrumentistas em geral. A mescla desses rica sonoridade com elementos tradicionais do jazz tomou as ruas do Rio, a partir de 2011, com uma pegada inusitada e original.

Macaque in the trees
Nina Simone, uma voz na linha de frente da defesa dos direitos civis do povo negro (Foto: reprodução)

“Da minha amizade e parceria com o Afrojazz surgiu a ideia de montar um espetáculo em comemoração à consciência negra, com foco na desconstrução do racismo, nas lutas, na arte como arma em favor dos direitos civis do povo preto. E ninguém menos conseguiria dar esse recado fielmente do que Nina Simone e sua obra musical”, explica Jesuton. Inglesa, filha de mãe jamaicana e pai nigeriano, a cantora de voz potente radicou-se no Rio em 2012 e sua ligação com a banda começou no ano seguinte quando a banda a convidou para dividir o palco num show do Viradão Carioca. O paulista Welington Inácio, o DJ Negralha, integra O Rappa há 20 anos e, em paralelo, produziu artistas como Marcelo D2, Black Alien e Eletro Samba.

Rejeição

E o projeto ganhou fôlego com o reforço da musicista e professora carioca Sulamita Lages, uma pianista de formação clássica assim como Nina. E foi justamente quando tentava aperfeiçoar sua técnica estudando o instrumento, que tocava desde os 3 anos, que a americana Eunice Kathleen Waymon - seu nome de batisno - adquiriu consciência do preconceito contra seu povo na sociedade americana nos anos 1940. Rejeitada por instituições musicais pelo simples fato de ser negra, viu-se obrigada a tocar na noite para custear aulas particulares. Foi quando adotou o nome artístico de Nina Simone para que seus pais não soubessem que estava tocando em casas noturnas. Ao contrário de privar o mundo de uma valiosa artista, esta rejeição alavancou uma expressiva trajetória de arte e cidadania da artista que tem cerca de 60 álbuns gravados.

Nos anos 1960, no auge da luta pelos direitos civis, a artista incorporou a mensagem libertária de líderes negros, como Martin Luther King e Malcolm X, em seu repertório e eloquentes apresentações ao vivo. Não foram poucas as vezes que discursou nas grandes manifestações populares do movimento de afirmação dos negros, como as marchas de Selma e Montgomery. Nelas, colocava-se de forma mais radical e contundente do que Luther King que pregava uma revolução pacífica. Em diversas entrevistas, pregava a necessidade que os afro-americanos pegassem em armas em nome de um estado racial, separado dos Estados Unidos.

Gravou nessa época verdadeiros hinos libertários como as canções “Strange fruit”, de Billie Holiday, que fala do linchamento de homens negros nos estados sulistas. Musicou e interpretou o poema “Images”, de William Waring Cuney, sobre a falta do senso de orgulho que viu entre as mulheres afro-americanas. Escreveu “Four women”, em que apresenta os estereótipos em torno das mulheres afro-americanas.

Cantos libertários

Mas um de seus maiores libelos é a canção “Ain’t got no / I got life” (Galt MacDermot, Gerome Ragni e James Rado), de 1968, em que diz “Ain’t got no mother, ain’t got no culture/ Ain’t got no friends, ain’t got no schoolin’/ Ain’t got no love, ain’t got no name/ Ain’t got no ticket, ain’t got no token/ Ain’t got no god” (“Não tenho mãe, não tenho cultura/ Não tenho amigos, não tenho escola/ Não tenho amor, não tenho nome/ Não tenho ingresso, não tenho nenhum símbolo/ Não tenho deus”) para completar de forma contundente “Got my hair, got my head/ Got my brains, got my ears/ Got my eyes, got my nose/ Got my mouth, I got my smile/ I got my tongue, got my chin/ Got my neck, got my boobies/ Got my heart, got my soul/ Got my back, I got my sex” (“Tenho meu cabelo, tenho minha cabeça/ Tenho meu cérebro, tenho meus ouvidos/ Tenho meus olhos, tenho meu nariz/ Tenho minha boca, eu tenho meu sorriso/ Eu tenho minha língua, tenho meu queixo/ Tenho meu pescoço, tenho meus peitos/ Tenho meu coração, tenho minha alma/ Tenho minhas costas, eu tenho meu sexo”).

A artista deixou os Estados Unidos no início dos anos 1970, por conta de incidentes com o governo americano que emitiu um mandado de prisão por suspostas acusações de sonegação fiscais enquanto Nina alegava estar sendo perseguida em função de seu posicionamento contrário à participação americana na Guerra do Vietnã. Foi viver em Barbados, onde chegou a manter um relacionamento amoroso com Errol Barrol, então primeiro-ministro da ilha caribenha.

Viveu ainda na Libéria, Suécia e Holanda antes de fixar residência em Aix-en-Provence, na França em 1992. Pouco depois seria dagnosticada com câncer de mama. Submeteu-se à mastectomia, mas o tumor não foi totalmente eliminado. Nesta fase sofreu com vários transtornos de ordem emocional que levaram a um quadro depressivo que afetous suas relações interpessoais levando a artista a uma atitude de deliberada de isolamento até sua morte em 2003. Suas cinzas foram espelahadas em vários pontos da África.

Serviço

NINA VIVE – JESUTON, SULAMITA LAGES, AFROJAZZ E DJ NEGRALHA

Fundição Progresso (Rua dos Arcos, 24 – Tel: 3212-0800) - Hoje – 20h – Pista: R$ 100 e R$ 50