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Antonio Candeia Filho: Compositor, cuja morte completa quatro décadas hoje, foi essencial para a Portela e a negritude na música brasileira

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Antonio Candeia Filho (1935-1978) ao violão no qual fazia os seus acordes
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Eternizados na voz do mangueirense Cartola,os belíssimos versos “Deixe-me ir, preciso andar/ Vou por aí a procurar/ Sorrir pra não chorar/ Quero assistir ao sol nascer/ ver as águas dos rios correr/ Ouvir os pássaros cantar/ Eu quero nascer, quero viver/ Deixe-me ir, preciso andar/ Vou por aí a procurar/ Sorrir pra não chorar” são do portelense Antonio Candeia Filho, cuja morte prematura completa hoje 40 anos. “Preciso me encontrar” também já foi gravada por Marisa Monte e Zeca Pagodinho. Mestre Candeia não foi apenas um compositor ilustre da escola azul e branco. Este carioca de Oswaldo Cruz, um berço de africanidade na região de Madureira, participava das rodas de samba que culminaram no bloco carnavalesco Vai Como Pode, o embrião da Portela pela qual compôs o emblemático samba-enredo “Seis datas magnas”, que recebeu nota máxima em todos os quesitos e tornou sua escola campeã em 1953.

Em 1957, o sambista ingressou na Polícia Civil. Tido como um policial de linha dura, admitia, gostava de “dar dura”. Provavelmente num ato de vingança, o então investigador levou um tiro na coluna e ficou paralítico. Abandonou a carreira policial para dedicar-se exclusivamente à música. Sua obra pode ser dividida em duas fases. Um de seus grandes amigos, o compositor Paulo César Pinheiro, reforça a tese. “Os sambistas mais antigos que o conheceram antes do acidente costumavam, ao ouvir suas composições, dizer ‘este é um samba do Candeia sentado’ ou ‘este é um samba do Candeia em pé’. A poesia daquele homem, que era um policial ativo, tornaram-se mais candentes, melódicas e até mesmo mais tristes”, compara Paulo César, que via em Candeia “um líder libertário, um autêntico porta-voz de sua raça e que faz muita falta nos dias de hoje”. Seu contemporâneo Wilson das Neves, morto recentemente, disse em depoimento no documentário “Candeia”, lançado este ano pelo cineasta Luiz Antònio Vidal, que o amigo não havia sofrido uma castigo, “mas uma benção”. Suas canções passaram a ser mais tristes, sua poesia mais depurada e até a condição de cadeirante era refletida em sua obra. Chegava a maturidade.

No início dos anos 1960, participou ativamente do movimento de revitalização do samba, promovido pelo Centro Popular de Cultura (CPC) e pela União Nacional dos Estudantes (UNE). Foi nessa época que organizou o conjunto Mensageiros do Samba, que se apresentava no Zicartola – espaço comandado por Cartola e Dona Zica.

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Antonio Candeia Filho (1935-1978) ao violão no qual fazia os seus acordes (Foto: Reprodução)

Mesmo tendo suas canções gravadas por Elizeth Cardoso e Paulinho da Viola, em início de carreira, seu primeiro LP solo, “Samba da antiga”, só viria a ser lançado em 1970. Até o ano de sua morte, 1978, lançaria outros quatro. “Minhas madrugadas”, “Amor não é brinquedo”, “Anjo moreno”, Filosofia do samba”, “Quarto escuro”, “A hora e a vez do samba” e “Regresso” foram alguns de seus grandes feitos na música. Outra característica que o acidente lhe trouxe foi a consciência de sua negritude. Tornou-se um grande estudioso e defensor da cultura negra ao ponto de, em 1975, afastar-se da Portela desiludido com o que chama já naquela época de “gigantismo” das escolas de samba, que se distanciavam das suas comunidades de origem dando feições a um novo tipo de carnaval, menos raiz e mais show business. Fundou então com Nei Lopes e Wilson Moreira o Grêmio recreativo de Arte Negra e Escola de Samba Quilombo.

Em de seu álbum de 1975, “Candeia”, Paulinho da Viola definiu o mestre num belo texto de contracapa: “Este é seu terceiro disco e nele se pode notar a preocupação do sambista em incorporar ao seu trabalho outros gêneros musicais que ressaltam uma influência nitidamente africana. Tudo música brasileira. Muitos hão de estranhar e perguntar por que um sambista da Portela, de repente, resolve gravar jongos, pontos de macumba, um choro canção, sambas de roda, cantigas de maculelê e capoeira. É muito simples: Candeia sempre esteve atento a todas as manifestações populares e sujeito sensível que é, percebeu as vantagens que poderia obter se estendesse seu trabalho – até então ligado exclusivamente ao samba – a essas formas tão ricas, deixadas por nossos antepassados.”