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Premiada em Londres, Tebas Land, de Sergio Blanco, tem primeira montagem brasileira

Jr. Marins/Divulgação -
Robson Torrini e Otto Jr. interpretam o jovem preso por matar o pai e o dramaturgo que deseja encenar a história dele
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Por trás das grades, a quadra de basquete do presídio. Na casa de detenção, o parricida, vivido por Robson Torinni recebe a visita de um dramaturgo, interpretado por Otto Jr., que deseja traduzir sua história – ou o que imagina que ela seja – em uma peça de teatro.

A cada arremesso sobre a vida pregressa do presidiário, o artista acrescenta mais dois, mais três pontos de imersão na vida real do parricida, a despeito do salto que dera sobre o suposto personagem que nele havia projetado.

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Robson Torrini e Otto Jr. interpretam o jovem preso por matar o pai e o dramaturgo que deseja encenar a história dele (Foto: Jr. Marins/Divulgação)

Vencedora, em Londres, do Award Off West End – um dos principais prêmios ingleses de teatro independente –, “Tebas Land” se desloca da reconstrução crime para as recordações da vida do assassino e, especialmente, à relação dele com o dramaturgo, que sonha em transportá-lo de trás dos muros da cadeia para a frente do palco.

“Tebas Land” está em cartaz no Oi Futuro até dezembro, em sua primeira montagem brasileira, depois de estrear no Uruguai, em 2013, e percorrer teatros de Paris, Berlim, Tóquio, Lima e Buenos Aires, com seu título diretamente transportado da “Trilogia Tebana” – mais especificamente da tragédia “Édipo Rei”, a qual inspirou seu autor, o uruguaio radicado em Paris Sergio Blanco.

Com direção do argentino Victor Garcia Peralta, ela tem produção de Sérgio Saboya, que destaca a coincidência (ou sincronicidade?) de ser convidado pelo diretor após ter conhecido o texto através de outro colega de teatro.

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Robson Torrini e Otto Jr. interpretam o jovem preso por matar o pai e o dramaturgo que deseja encenar a história dele (Foto: Jr. Marins/Divulgação)

“O texto me foi apresentado há alguns anos pelo Sotiris Karamesinis, diretor grego que morava no Brasil, dava aula na CAL (Casa das Artes de Laranjeiras). Li e fiquei encantado, ele tem muitas camadas. Depois, o Sotiris voltou pra Grécia, passou o tempo e, por acaso, um pouco depois o Victor Garcia Peralta me procurou já com os direitos adquiridos para montar a peça. Trouxe o texto e me disse ‘Queria que você cuidasse’. Achei curiosíssima a coincidência”, lembra Saboya, para quem “impressionava demais a abordagem sobre a violência doméstica”.

Sobre o mergulho psicológico da peça, o produtor ressalta “questões que a gente vivencia diariamente e vão para além da questão só com a mulher. Tem também com as crianças, a ausência de afeto etc., e a gente acaba criando essas pessoas doentes. “Essa relação é muito comum, não só nas pessoas com mais dificuldade econômica, mas em um mal que vivemos em geral, de falta de olhar, cuidado, carinho, afeto com a criança... que acaba gerando retorno dessa violência sofrida”.

Junto com o diretor, ele deu a “Tebas Land” o dobro do tempo médio de ensaios que a maioria das peças tem tido no Brasil, antes de estrearem. “Quando chegou ao Brasil, o Victor vinha da Argentina com um trabalho de processo permanente de ensaios e, aqui, acabou entrando em uma forma muito comum, de dois meses. Mas, para essa peça, após muita leitura de mesa, a gente percebeu que ela pedia um tempo maior de ensaio”, explica o produtor. “Antes de qualquer outra coisa, não tinha como mudar o cenário, que é uma rubrica do autor e fundamental para o desenvolvimento da montagem. Então, ensaiamos esses quatros meses com o cenário – essa quadra de basquete fechada por grades, onde se passa a maior parte do diálogo, que funciona como uma gaiola, uma jaula. Depois, só o transplantamos para dentro do Oi Futuro”, acrescenta.

Para além da vida familiar do parricida, “Tebas Land” arremessa o olhar para a relação que ele passa a ter com seu pretendente a biógrafo teatral. “Fala até de até onde vai a ética na arte, porque a proposta é colocar o parricida em cena, era essa a ideia inicial do diretor, sobre o um suposto personagem que vai sendo desconstruído, à medida que as autoridades não permitem. Ele se desmancha, a pessoa real desconstrói o personagem… o dramaturgo escreve textos a partir dos depoimentos do parricida e, então, ele vai descobrindo quem ele é e porque chegou a matar o pai”, entrega Sérgio Saboya, que aceitou produzir a peça sem assistir a nenhuma montagem estrangeira, ao vivo, nem por gravações de vídeo.

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Onde Hamlet pergunta sobre ser e não ser, a autoficção responde ser e não ser" Sergio Blanco, autor de Tebas Land (Foto: Divulgação)

“Achei que o texto [traduzido por Esteban Campanela] me bastava e foi curioso que quando ele [Sergio Blanco] veio assistir a um ensaio, disse que achou muito interessante, porque, sobre o texto, com o tema da violência, lançamos um olhar nosso, brasileiro. Ao menos o do Victor – por acaso, argentino –, da ausência de afeto e da violência como consequência. Isso, ele [Blanco] disse que não tinha visto ainda”, ressalta o produtor, que, a partir da observação do autor, já começa a pensar até em exportar essa visão brasileira-argentina sobre o texto para o exterior. “Pretendemos levar essa montagem de ‘Tebas Land’, com a nossa assinatura, para fora do Brasil a partir de 2020”, afirma.

Semelhanças à parte, Sergio Blanco não teve “A Sangue Frio”, de Truman Capote, entre suas referências ao escrever “Tebas Land”, mas sim obras focadas na relação entre pai e filho, no conflito edipiano, além da próprio tragédia grega. “No trabalhei diretamente com ‘A sangue frio’. Minhas inspirações foram ‘Édipo Rei’, ‘Os irmãos Karamazov’, de Dostoiévski; ‘Carta ao pai’, de Franz Kafka; ‘Um parricida’, de Guy de Maupassant e alguns de Freud”, conta, por e-mail, ao JB, o uruguaio.

Um dos autores mais celebrados do teatro atual, teria ele projetado seu próprio desejo no personagem do dramaturgo? “A autoficção é isso mesmo”, diz. “Projetar o ‘eu’ em um campo de ficção. Foi o que fiz em ‘Tebas Land’: cruzar relatos verídicos da minha vida pessoal com outros fictícios, mesclando o real e a ficção. As coisas passam a ser verdadeiras e falsas ao mesmo tempo. Sempre digo que onde Hamlet se pergunta ‘ser ou não ser’, a autoficção propõe a alternativa de ‘ser e não ser’”, acrescenta Blanco, que ainda responde à provocação sobre se já teria pensado em um “outro lado”, com a visão do pai assassinado. “Nunca pensei, mas nada é impossível. Tenho que pensar seriamente; nesse caso, atribuirei a ti a ideia original”, conclui.

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SERVIÇO

TEBAS LAND OI FUTURO. Rua Dois de Dezembro, 63, Flamengo. Tel.: 3131-3060. De quinta a domingo, às 20h. Até 21 de dezembro. R$ 30 (inteira) / R$ 15 (meia). Capacidade: 63 espectadores. Classificação Etária: 16 anos. http://www.oifuturo.org.br/evento/tebas-land.

Jr. Marins/Divulgação - Robson Torrini e Otto Jr. interpretam o jovem preso por matar o pai e o dramaturgo que deseja encenar a história dele
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