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Exposição na Casa França-Brasil mostra esculturas africanas, ferramentas, utensílios usados por escravos e mapas raros do Rio no século XIX

Marcos Tristão -
Peças em ferro produzidas por artesãos negros
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No mês em que celebra o Dia da Consciência Negra, a Casa França-Brasil abriga uma oportuna exposição que apresenta importantes aspectos do período da escravidão. “Cartografia da Africanidade Brasileira: lugares, expressões, saberes e celebrações” é uma viagem que tem como fio condutor um conjunto de 500 itens que inclui peças sagradas africanas, relicários, esculturas, máscaras, ferramentas, utensílios e mapas raros do Rio de Janeiro de um tempo em que bairros como a Gamboa e Saúde ficavam junto ao mar.

Todas as peças são do acervo pessoal do historiador Marcus Monteiro, também diretor do Instituto Estadual do Patrimônio Cultural (Inepac) que, há 40 anos, coleciona essas raridades. Seu acervo soma cerca de 30 mil peças, boa parte adquirida no exterior.

“Existe uma compreensão equivocada de que os povos africanos que chegaram ao Brasil eram culturalmente inferiores. Pelo contrário. Entre eles havia trabalhadores especializados na metalurgia e na marcenaria. Exemplos dessas técnicas são as esculturas em bronze produzidas na região de Benin, um dos principais portos africanos onde se traficavam escravos para as grandes metrópoles europeias”, destaca Monteiro, que é o curador da exposição.

A peça mais importante em exposição fica na chamada Sala dos Suplícios onde são expostos instrumentos de tortura e castigo dos escravos, como algemas, correntes e bolas de ferro, entre outros. Trata-se da ponta do machado real usado para esquartejar Joaquim José da Silva Xavier, o Tiradentes, e que vitimou negros no século XVIII. “A peça possuí, além do símbolo da Coroa portuguesa, símbolos místicos, como uma estrela de cinco pontas. Acreditava-se que esses símbolos ajudavam a espantar os maus espíritos daqueles mortos”, explica o colecionador.

A exposição começa pelo módulo que contextualiza o estágio evolutivo dos povos africanos desde a antiguidade, que reúne mapas do continente negro, máscaras em bronzes e madeira, os nkisi nkondi (relicários e peças de proteção). “Tecnicamente, uma peça dese tipo só é considerada arte africana se for ‘dançada’, isto é, se foi usada em rituais religiosos. Caso contrário, é uma peça de artesanato”, define Monteiro, elogiando o refinamento dessas peças que encantaram os europeus. Uma cabeça de guerreiro em bronze, esculpida em Benin, serviu de molde para o busto dedicado a Zumbi dos Palmares na Avenida Presidente Vargas.

O segundo módulo aborda a expansão ultramarina portuguesa com louças e porcelanas trazidas ao Brasil pela Companhia das Índias, entres as quais peças da dinastia Ming e o útimo exemplar de um livro sobre a vida da Virgem Maria em língua portuguesa e impresso em Goa. “O tráfico de negros começa a ter o Brasil como destino para servir de mão-de-obra no ciclo da cana”, conta o curador, apontando para engrenagens de moinhos de cana, carros de boi, ferramentas e outras ferramentas de trabalho confeccionadas e manipuladas pelos escravos.

No módulo “Pequena Grande África”, são revelados os aspectos do cotidiano dos negros que viviam nos bairros da Saúde e da Gamboa, junto ao Cais do Valongo, uma região batizada de Pequena África. Gravuras de Debret, Rugendas e mapas raros, alguns deles manuscritos, mostram a expansão da cidade ao longo do século XIX. Os mapas são uma atração à parte. Dois dos mais significativos, na opinião de Marcus Monteiro, são um manuscrito aquarelado do Morro do Castelo no século XIX e um da Fazenda Real de Santa Cruz, onde ficavam os estábulos da Coroa, feito pelo coronel Conrado Jacob Niemeyer, cartógrafo e tio-avô de Oscar Niemeyer, que administrou a propriedade.

Outra peça de destaque é uma escultura sacra de Valentim da Fonseca e Silva, o Mestre Valentim (1745-1813), que, embora mineiro, era conhecido como o Aleijadinho carioca. O acervo de Marcus Monteiro é tão significativo que bem merecia ter pouso definitivo num museu voltado ao tema.

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SERVIÇO

EXPOSIÇÃO CARTOGRAFIA DA AFRICANIDADE BRASILEIRA: LUGARES, EXPRESSÕES, SABERES E CELEBRAÇÕES

Casa França-Brasil (R. Visconde de Itaboraí, 78 – Tel: 2332-5275)

Ter. a sáb., das 10h às 19h – Entrada franca – até 20/11