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Navegar é preciso: confira crítica do livro 'Navegantes'

Reprodução -
Autoficção de Alex Machado, Navegantes resgata memória familiar
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Relançado este ano pela Editora Verve, o romance “Navegantes”, de Alex Machado, conta a história do jovem Pedro, que faz seu rito de passagem à procura de si mesmo, entre conflitos existenciais e a afirmação da sua sexualidade. Esse rito transformador pode estar encoberto no título do primeiro capítulo do livro, “Sacrifício”. O termo é sugestivo. O que vem a seguir é um trecho do romance em forma de epígrafe. Nada mais está escrito na página, mas uma página quase em branco tem os seus mistérios e o leitor perguntará que sacrifício é esse a que se refere o autor navegante.

No capítulo seguinte, o narrador conta as suas reminiscências familiares: “A primeira lembrança que tenho do meu avô José é de sua figura pouco vertical entrando no salão onde o corpo do meu outro avô, João, era velado”. Aqui a história ganha seu ritmo, com o anúncio de um caminho, entre muitos atalhos possíveis na ficção de Machado.

Contudo, o narrador-personagem tenta equilibrar-se no fio que se estende entre o disparo existencial da epígrafe e as recordações do avô José, e por aí vai, a expressar as angústias irônicas da sua juventude.

Era na companhia dos avós que Pedro e seu irmão desfrutavam dos momentos sublimes de convivência: “Ali passávamos o dia com o sentido pleno de felicidade”, diz o narrador. O sentido pleno da infância antecede os conflitos que são próprios à existência de qualquer mortal. Não há jovem que não os experimentem, incluindo-se aí as perdas, que exigem reflexões.

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Autoficção de Alex Machado, Navegantes resgata memória familiar (Foto: Reprodução)

No breve memorial da família, consta que esta desembarcou na terra prometida, assim como muitos outros imigrantes no período que antecedeu a Segunda Guerra Mundial. Uns vieram antes, outros depois, engajados na luta para alcançar aqui melhores dias, fugindo das tragédias particulares e coletivas.

Ao lado desse leque de motivos familiares, a narrativa segue abordando as subversões do jovem Pedro, as suas vivências cotidianas, comuns aos da sua idade, às vezes inseridas em situações explosivas. O narrador tenta partilhar os seus sentimentos e desejos com os amigos André e Tiago. Num momento em que os jovens promovem as suas revoluções interiores e afirmam a sua individualidade, Pedro decide que está entre eles a solução do problema. A proposta é difícil compreensão, mas quando existe amor, os atos se harmonizam em acordes dissonantes.

Obras seminais da literatura abordaram essa temática juvenil. Cito “O apanhador no campo de centeio”, de J.D. Salinger, publicada em 1951, e que narra episódios da vida de Holden Caulfield, na altura dos seus 17 anos. Após deixar o internato onde fora reprovado, ele busca o auxílio de algumas pessoas de seu convívio, antes de enfrentar as cobranças familiares. De um velho professor, ouve a seguinte frase: “A vida é um jogo que se tem de disputar de acordo com as regras”.

Na ficção “Navegantes”, o protagonista percebe que no meio dos princípios que regem a boa convivência familiar, também há preconceitos com os quais ele precisa lidar. Embora se comporte como um jovem socialmente inserido, isso não resolve a sua questão de fundo existencial, que é mais complexa.

O título do livro remete ao Hotel Navegantes, um bem da família portuguesa, que chegou ao Rio de Janeiro com projetos e sonhos. Remete, especialmente, ao imaginário de Pedro, que põe neste local físico e idealizado as suas esperanças e frustrações. E falar de navegantes é lembrar dos versos de Fernando Pessoa: “Navegadores antigos tinham uma frase: Navegar é preciso; viver não é preciso”.

“Navegantes” não é um livro propriamente biográfico, mas uma autoficção que combina elementos da experiência vivida à invenção literária. Para o escritor e jornalista Alex Machado, a literatura “tem um sentido libertador”. Antes de “Navegantes”, ele já havia publicado “Thomaz, o santo e o campo de girassóis”, seu primeiro romance, em 2013.

*Jornalista e escritor

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SERVIÇO

NAVEGANTES (Editora Verve, 223 págs., R$ 40) - à venda na Livraria Argumento do Leblon - Rua Dias Ferreira, 417