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Entrevista - Moacyr Franco: O amor ainda é tudo...

Aos 82 anos, preparando-se para voltar à TV na série Ilha de Ferro e prestes a fazer novo longa, o artista, que se apresenta hoje no Teatro Riachuelo, avalia a cena musical

Divulgação -
Moacyr Franco
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Espoleta viva no palco, saltitando, cantando piada e chamando fãs pra ensaiar “um dois pra lá, dois pra cá”, Moacyr Franco, hoje com 82 anos, mata qualquer adolescente de inveja com sua disposição à frente de um microfone, aveludando poemas de amor como “Cartas na mesa”, “Balada nº7” e “Eu nunca mais vou te esquecer”. Essas e outras integram o cardápio do show que ele faz nesta terça-feira, às 19h, no Teatro Riachuelo, revendo os entusiastas cariocas da obra que ele iniciou há quase seis décadas, sobretudo depois do Carnaval de 1960, quando o país em massa decorou sua marchinha “Me dá um dinheiro aí”. Irreverente, mas dono de um mel ultrarromântico capaz de quebrar barreiras geracionais (suas apresentações estão lotadas de jovens), ele prossegue compondo, atualmente mais para crônicas bem-humoradas sobre as falências morais do país do que para baladas de corações apaixonados. Depois que o SBT terminou seu contrato com o cantor e compositor, ele circulou por programas de auditório da TV Globo, com picos de audiência: é lá que ele será visto, nos próximos meses, na série “Ilha de Ferro”, com Cauã Reymond. E, em paralelo, foi travando parcerias com o cinema, tendo sido premiado por sua genial participação como um delegado corrupto em “O palhaço” (2011), de Selton Mello – seu fã declarado. Recentemente, contracenou com Danilo Gentili em “Como se tornar o pior aluno da escola” (2017) e voltará a trabalhar com ele em novo projeto, a ser rodado ainda este mês. Na entrevista a seguir, Franco fala de seu ímpeto para seguir cantando e faz um balanço do que se ouve hoje nas rádios do país.

Macaque in the trees
Moacyr Franco (Foto: Divulgação)

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JORNAL DO BRASIL: Para o show de hoje no Teatro Riachuelo, seus fãs esperam ouvir hits como “Eu nunca mais vou te esquecer”, “Balada para um louco”, “Eu amo tanto tanto”. Qual é o sentido de se cantar o amor nos tempos de hoje? Você continua a compor canções de amor?

Moacyr Franco: Esse é o momento exato para aquelas músicas, porque as pessoas andam muito desacreditadas, imersas nos problemas do país. Por todas as dificuldades à nossa volta, eu compus “República Federativa do Bandido”, como uma reação ao que está aí. O problema é que o povo não tem mais onde escutar o seu passado, não há espaço nas rádios pras músicas que marcaram época. Hoje, vivemos uma enchente da mesma música: tudo está pasteurizado seja pelo lado dançante, seja por um suposto sertanejo romântico. Mas eu não paro de compor. Só que ando mais compondo canções engraçadas para evitar a concorrência.

Como você avalia a situação do ouvinte de música brasileira hoje?

O público ainda é receptivo a tudo o que toca nas rádios. O problema é que, se você não se encaixa nesse padrão guloseima atual, você não toca. Pergunta por aí quantas pessoas têm a noção de quem foi Ângela Maria. Estamos falando de uma de nossas maiores vozes. Mas, uma hora, ela deixou de ser tocada. E aí se esqueceram dela.

O que você chama de “fase hambúrguer” e o que escapa desse padrão?

Hambúrguer é uma coisa muito gostosa. Mas faz falta a gente ter acesso a um cardápio mais elaborado, seja fino, seja caseiro. Você tem nos Brasil um cara como o Guilherme Arantes, que é um autor para todas as horas, do maior gabarito. Você tem um Taiguara, que tá num nível de Beethoven. Tem o Marcos Valle, que é um diferencial do legado da Bossa Nova. Mas vê por aí o que tem de espaço pra eles. Para o hambúrguer não falta espaço. Pra mim, aos 82 anos, se eu não correr o país fazendo shows, não tenho outro ganha-pão. Nem minha casa está quitada ainda.

Suas últimas participações na TV Globo, em programas como o do Pedro Bial, foram um enorme sucesso de audiência. Como está sua carreira na TV?

Eu participei da série “Ilha de Ferro”, com o Cauã Reymond, que ainda não estreou, e tenho outros projetos. O cinema tem me chamado...

Qual é o seu próximo projeto?

Tenho um novo filme de comédia com o Danilo Gentili. Ele me chamou para o “Como se tornar o pior aluno da escola”, que foi um sucesso. Já, já, estou entrando no set com ele.

Em geral, nos shows, você conta uma história comovente de como saiu do fundo do poço por conta de uma música. Qual foi essa canção?

Chama-se “Seu amor ainda é tudo”. Foi o seguinte: eu saí arruinado de um mandato como deputado (entre 1983 e 1987, pelo PTB). Tenho muito orgulho daquilo que não fiz no cargo: não roubei, nunca aproveitei as facilidades do poder. Saí sem nada, perdi tudo e passei a viver de shows, aos quais ninguém dava atenção. Um dia, João Mineiro e Marciano me procuraram querendo gravar “Seu amor ainda é tudo”, que eu gravei num disco que estava esquecido naquela época ruim. Concordei que eles gravassem, sem imaginar que fosse dar retorno. Mas deu: vendeu 2,5 milhões de cópias e ainda rendeu disco de ouro pra eles. Eu renasci ali. E curiosamente foi uma música inspirada na separação de meu irmão. Compus como se fosse um ato teatral, de um homem que esbarra com um grande amor do passado em meio a um temporal, na rua. Às vezes, as coisas dão certo sem que a gente espere.

O que é a velhice pra alguém que celebra o passado no palco, com uma jovialidade invejável?

Essa questão está sempre ligada a uma recorrente pergunta sobre o medo da morte. Não é da morte que eu tenho medo. Eu tenho medo é da saudade. Como é que eu vou suportar as saudades das coisas que se foram.

E o amor nessa história, como fica?

Continuo amando, mas muito sozinho. Tenho medo de me enamorar, para usar uma palavra de antigamente... pela responsabilidade que é fazer alguém gostar da gente.

Falando em saudade... qual é a maior saudade que você tem do passado?

Sinto saudade do ontem...porque o ontem não vai se tornar amanhã. Eu sinto essas saudades cada vez que toca Beatles e eu recebo um recado dos meus filhos, pra dizerem que estão ouvindo os rapazes de Liverpool. Fui eu que introduzi eles aos Beatles. Cada um dos seis, que têm idades das mais diferentes. Tenho filhos que estão com 61 anos, com 60, com 50, com 23 e dois com 16. Todos aprenderam a ouvir Beatles comigo. Essa troca de carinho me faz chorar. *Roteirista e crítico de cinema.

*Roteirista e crítico de cinema