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Já vi essa história: confira crítica da peça 'Irmãozinho querido'

Divulgação -
Os diálogos da peça "Irmãozinho querido" guardam o humor inteligente, que é a marca do autor, Flávio Marinho
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Irmãos, pela própria contradição da existência, são nascidos da mesma fonte, mas possuem o quadro genético diferente. Com irmãos aprendemos, desde cedo, a disputar o que mais importa: afeto e recursos. Nos assombram a sua presença que é a prova que temos que viver para dividir. Que não somos únicos e que temos que abrir a cotoveladas um espaço mínimo que seja. E, assim, qualquer história que se vá contar, seja em romance, novela, teatro só pode ser uma : aquela que conhecemos, aquele que vivemos – a nossa própria história. “Irmãozinho querido”, com texto e direção de Flávio Marinho, vai como um fole abrindo e fechando essas questões.

É a peça dentro da peça a primeira grande metalinguagem. É a verdade dentro da ficção. É o amor dentro do ódio. É a rivalidade dentro da cumplicidade. A trama, de aparente simplicidade narra a história de um ator/dramaturgo que resolve contar a história do irmão. E, no meio dos ensaios, o irmão aparece para cobrar o seu verdadeiro lugar. E qual é o meu verdadeiro lugar, qual é a verdade na minha história, quem sou eu, quem é o outro que poderia ser eu, mas é outro?

Os diálogos guardam o humor inteligente que é a marca de Flavio Marinho, autor de sucessos como Abalou Bangu, Salve a Amizade, Cauby! Cauby!, com frases rápidas, estrutura ágil total . O trio de atores, que trabalham de forma totalmente uníssona, é formado por Alice Borges ( Muniz, a diretora), Leonardo Franco (Leo, o ator) e Marcos Breda (o irmão/personagem) que conseguem viver a história, cujos pontos de conflito podem crescer, com as brigas dos irmãos, as dificuldades de Muniz, atrapalhada com os filhos, que se resolvem de imediato, sem cair no humor rasgado e muito menos apelar para o drama pungente.

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Os diálogos da peça "Irmãozinho querido" guardam o humor inteligente, que é a marca do autor, Flávio Marinho (Foto: Divulgação)

Os três atores têm uma qualidade cada vez mais rara de se ver nos palcos: a emissão correta e clara das palavras. Não se perde uma sílaba, não há respiração sobressaindo, pausas desnecessários e nem atropelos. A preparação vocal estupenda de Angela Castro semeou em solo fértil graças a versatilidade de Alice, Leonardo e Marcos ao mesmo tempo que se movimentam de forma aberta e franca, sob a iluminação de Paulo Cesar Medeiros que com o jogo de focos para mostrar ou como fato aconteceu, ou como é imaginado acaba por funcionar como elemento importante de significação.

A visão de um palco a ser trabalhado na ambientação cênica proposta por Flávio, com arara de roupas, sofás, generosos espaços livres, é o primeiro nível de compreensão daquilo que iremos ver. A entrada de Raul pela plateia já marca que ali está um estranho no ninho, um invasor que vem do local para quem a obra se dirige. Raul sobe ao palco, mas não é um deles. Leo quer contar uma biografia, mas não é a dele. Muniz tem o nome sobrenome, algo que é normalmente usado com homens, mas é mãe extremosa. Não é um jogo de faz de conta, apesar de a narrativa ser algo com o era um vez. Não é uma rivalidade absoluta, pois um é artista e o outro é empresário. Não é uma disputa sobre quem é o melhor irmão. É uma história cotidiana, banal até. O que faz “Irmãozinho querido” ser um lindo conto sobre a construção do afeto, as dificuldades desencontradas, é a capacidade de Flávio Marinho de nos contar algo que precisamos ouvir e reviver com um final deslumbrante. E mais não conto.

*Professora do Depto. de Comunicação da PUC-Rio e doutora em Letras

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SERVIÇO

IRMÃOZINHO QUERIDO - Teatro Sesc Ginástico (Av. Graça Aranha, 187 - Centro; Tel: 2279-4027). Qui. a sáb., às 19h; dom., às 18h. R$ 30. Classificação: 12 anos.