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Cena brasileira de rock noventista ganha registros nas biografias de Planet Hemp e Júpiter Maçã e em relatos do baixista Melvin Ribeiro na estrada

Reprodução -
Dos arquivos do JB, uma das primeiras fotos do Planet Hemp, em 1993, ainda com Skunk, à frente, deitado - vestindo camisa de Dr. Dre. Marcelo D2 ainda tinha cabelos curtos
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Revisitada em documentários como “Time will burn” e coletâneas como “Tropical Fuzz”, do selo Midsummer Madness, reunida em iniciativas como a página 90Under, do Facebook, a cena brasileira de rock dos anos 1990 ganha histórias narradas em livros lançados recentemente ou em vias de lançamento, como as biografias de Planet Hemp e Júpiter Maçã, além do relato de shows do baixista Melvin Ribeiro, integrante de mais de 50 bandas.

São iniciativas que aumentam as referências bibliográficas da música dessa década ainda pouco explorada nesse nicho, tendo poucos livros, como “Cheguei bem a tempo de ver o palco desabar”, lançado em 2013 pelo jornalista Ricardo Alexandre, sobre o seminal festival Juntatribo, em Campinas (SP).

Com show marcado para esta quinta-feira na Fundição Progresso e o filme “Legalize já – Amizade nunca morre” em cartaz, mostrando detalhes do início de sua carreira, o Planet Hemp está prestes a ganhar sua primeira biografia escrita.

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Dos arquivos do JB, uma das primeiras fotos do Planet Hemp, em 1993, ainda com Skunk, à frente, deitado - vestindo camisa de Dr. Dre. Marcelo D2 ainda tinha cabelos curtos (Foto: Reprodução)

Com cerca de 500 páginas, “Mantenha o respeito” tem previsão de sair até dezembro pela editora Belas Letras e já pode ser reservado em lojas online pelo preço médio de R$ 70.

Autor de livros biográficos e sobre músico, como “Marcatti: tinta, suor e suco gástrico”, de 2015, sobre o cartunista Francisco Marcatti; e “Brodagens: Gilber Te as histórias do rap e do rock carioca”, de 2016, o jornalista Pedro de Luna, 43, passou os últimos dois anos debruçado sobre a história da banda que, unindo rap e rock, estourou pregando a legalização da maconha e expandiu sua temática para a liberdade de expressão como um todo, especialmente após a prisão de seus integrantes, após um show em Brasília, sob a acusação de apologia às drogas, em novembro de 1997.

As polêmicas também marcaram o ambiente interno da banda. “Ao entrevistar todos os integrantes e ex-integrantes vivos da banda, notei muitas divergências entre eles – de opiniões e até sobre o que houve de fato, em determinadas ocasiões. Um assunto muito delicado é quanto às saídas de integrantes”, aponta Luna. “Outro momento de grande repercussão é quando foram presos e como cada um encarou o momento. Houve um conflito grande, o [Gustavo] Black Alien queria que eles gravassem um disco em protesto, dizia que ‘agora é hora de dar uma resposta’. Mas, pouco depois, o [Marcelo] D2 partiu para gravar seu primeiro álbum solo [‘Eu tiro é onda’, de 1998], dando um tempo do Planet”, recorda.

Na época, Black Alien acabara de substituir, na segunda voz, B Negão, que havia retomado sua banda anterior Funk Fuckers e que entrara para o Planet Hemp no lugar de Skunk, morto em 1994, em decorrência de Aids.

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Em 1998, auge se dua carreira, com Julio Cascaes (baixo) e Marcelo Gross (bateria) (Foto: Reprodução)

Foco do filme “Legalize já”, de Johnny Araújo e Gustavo Bonafé, a formação do Planet Hemp, a partir do encontro entre D2 e Skunk, também é detalhada nas páginas de “Mantenha o respeito”, com outros encontros sendo fundamentais para que o estouro. “O Skunk viu o Marcelo com uma camisa dos Dead Kennedys e foi provocar, perguntar se ele conhecia mesmo aquela banda [ícone do hardcore americano]. Depois, o integrou com uma galera que se encontrava na Cinelândia e que o Formigão [baixista] já frequentava. O Marcelo era camelô e passou a vender camisetas de bandas na Treze de Maio; dali passou a vender no Garage [casa de shows de rock pesado dos anos 90, na Praça da Bandeira], convidado pelo Fábio, dono do local, e acabou morando lá”, enumera Luna. Não por acaso, foi no Garage que o PH fez seu primeiro show, em 1993.

O grande salto, porém, se deu com a mudança da cena para um bar na galeria do cinema Estação Botafogo. “Era frequentado por jornalistas e estudantes de comunicação da Facha e da UFRJ. Lá, eles conheceram o Rafael [guitarrista da primeira formação], que estudava na Facha, e muita gente que ajudou a colocá-los na imprensa”, ressalta.

Outra contribuição importante, segundo Luna, foi da radialista Monika Venerábile, da finada Rádio Cidade. “Depois que arrebentarem o camarim em um show de aniversário da emissora de rádio, em 1995, eles foram banidos da programação. Mas a Monika, quando foi chamada de volta para a Cidade, exigiu liberdade de tocar o que quisesse. Ela acabou reintroduzindo o Planet, que, depois, estourou também nas outras rádios”, conta Pedro de Luna.

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Melvin Ribeiro tocando baixo, com o Carbona, que fundou e com qual fez mais de 300 shows (Foto: Reprodução)

O biógrafo classifica os integrantes do Planet Hemp “sobreviventes”. Além do consumo pesado de drogas – não só maconha –, no início, ele considera que o cerco de policiais e juízes poderia ter acabado com a banda. “Tentaram pegar e prender mil vezes os caras, além de Brasília. Ainda tiveram dezenas de shows cancelados por medo de processos; podia ter inviabilizado a banda, de tanto prejuízo”.

Ao contrário do Planet Hemp, Júpiter Maçã não resistiu. Ícone da independência musical brasileira, ao conseguir um hit mesmo sem tocar em rádio na maior parte do país, o cantor, compositor e multi-instrumentista portoalegrense morreu de ataque cardíaco em dezembro de 2015, pouco mais de um mês antes de completar 48 anos de idade, encerrando a trajetória contada pelos jornalistas Cristiano Bastos e Pedro Brandt, nas 420 páginas de “Júpiter Maçã: a efervescente vida e obra” ( Plus Editora, R$ 68).

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Júpiter Maçã, na capa da biografia (Foto: Reprodução)

A morte do músico veio “quando ele estava tomando banho, se preparando para ir ensaiar para um show no Bar Panamá, em Porto Alegre, como forma de pagar dívidas alcoólicas”, enfatiza Bastos, que já o havia entrevistado algumas vezes como repórter de veículos como a edição brasileira da “Rolling Stone”, onde trabalhou de 2007 a 2015.

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Pedro de Luna com Marcelo D2 (Foto: Reprodução)

“O Júpiter passou por várias tentativas de reabilitação, mas o que mais se deve evitar nesse processo são pessoas em ativa, lugares e hábitos. Imagina ele sendo artista”, levanta o jornalista que escrevera a biografia de outro ícone do rock gaúcho, Júlio Reny, e “Gauleses Irredutíveis”, sobre a cena do Rio Grande do Sul.

Com cítara, solo de guitarra slide e melodia à la Harrison, um dos sucessos de Júpiter Maçã, “Beatle George” conta parte da tentativa de parar de beber e o desejo de levar uma vida espiritual, como o ídolo. Ele foi posterior ao grande hit, “Lugar do caralho”, em que o músico canta que esse local “tem que ter um som legal, (...) gente legal e cerveja barata”, enquanto procura alguém que “LSD queira tomar”, em São Paulo.

“Já vi festival em Roraima, no outro extremo do país, uma multidão cantando junto, é impressionante”, lembra o biógrafo, que cita uma série de fatores para o sucesso quase sem presença radiofônica fora de Porto Alegre, no final da década de 1990, quando, ainda sem plataformas como YouTube, a difusão de música pela internet era bem mais limitada. Nascido Flávio Basso, ex-integrante de bandas como TNT e Cascavelletes – que tiveram hits em rádio e trilha sonora de novela –, ele floresceu sob o codinome Júpiter Maçã, com o álbum “A sétima efervescência”, de 1996, recém-relançado em vinil, e em shows memoráveis à frente do power trio, em que tocava guitarra, além de cantar.

Um desses shows inesquecíveis do multifacetado gaúcho aconteceu no Abril Pro Rock, de 1998. Realizado no Recife, com apoio da MTV – então forte canal de divulgação das novas cenas –, o festival era o mais importante de todo o rock independente do Brasil.

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Acapa do livro Planet Hemp - Mantenha o respeito (Foto: Reprodução)

“Ele roubou a cena e toda a imprensa brasileira foi atrás, não só de revistas especializadas, mas nos suplementos culturais dos grandes jornais; ele se tornou febre no circuito e passando longe dos estilos que o rock brasileira seguia na época, de coisas engraçadinhas, tipo Mamonas, mangue beat ou hemp”, avalia Bastos.

“Também chamou a atenção depois que outras bandas gravaram”, acrescenta. Foi o caso do Ira!, que regravou ‘Miss lexotan 6mg garota’, enquanto o também gaúcho Wander Wildner fez sua versão de ‘Lugar do caralho’”, enumera o jornalista.

Curiosamente, o mesmo Ira! regravou “Bebendo vinho”, de Wander Wildner que, então, ganhou até versões de torcidas de futebol, ajudando a chamar a atenção da cena gaúcha em geral. Posteriormente, Marcelo Gross, que tocava bateria no trio de Júpiter Maçã se tornaria guitarrista e líder do Cachorro Grande.

“Uma conexão levou à outra. Acho que isso tudo ajudou em uma divulgação ampla e que ainda dura”, analisa o autor da “efervescente vida e obra”.

Dono de uma criatividade, de fato, efervescente, Júpiter Maçã circulou do rock’n’roll à bossa nova, da psicodelia ao carnavalesco tropicalista (“A marchinha psicótica de Dr. Soup”) e gravou em inglês, como Jupiter Apple, tocando quase todos os instrumentos no álbum “Plastic soda”, de 1999. “Coloco ele entre os maiores da música gaúcha, ao lado da Elis Regina e do Lupicínio Rodrigues”, afirma o biógrafo.

Mil shows ao longo da estrada

Versatilidade não falta a Melvin Ribeiro, que se prepara para lançar o livro em que conta causos de alguns dos mais de mil shows que já fez, com algumas das mais de 50 bandas com as quais tocou.

Atualmente, cantando como frontman, à frente de sua banda Melvin e os Inoxidáveis, o músico carioca já foi baixista de bandas como Hill Valleys, Autoramas, Acabou La Tequila, Los Hermanos e Usina Le Blond, além de tocar guitarra e teclados em outros grupos e fazer parte das baterias de blocos de Carnaval, como Monobloco e Empolga às 9.

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Capa do Estrada, lançado de forma toda independente (Foto: Reprodução)

Muitas participações ocorreram por um ou dois shows, como com Cabeça, Poindexter e Astronauta Pinguim. “Sabiam que eu quebrava galho de último hora. Quando eu já gosto, pegar a música é meio fácil”, afirma o músico, que até já tocou um baixo em uma corda só. “Era em um show do musical ‘Hedwig, o Centímetro Enfurecido’. O baixo Fender tem um captador para cada par de cordas. O de cima falhou para a Mi [mais grave], eu consegui usar a La [segunda, de cima para baixo] aumentando muito o amplificador e tomando cuidado para encostar nas duas outras, que acabaram ficando superamplificadas”, lembra ele, que terminou o show com dores no braço esquerdo.

Com R$ 13 mil orçados e arrecadados em uma vaquinha, “Estrada, o livro dos 1000 shows do Melvin” será lançado de forma independente. “Acho mais simples do que acertar com editora”, afirma o baixista, que sempre fez assim com o Carbona, sua banda principal, com a qual tocou mais vezes – foram mais de 300 desses shows, alguns com as melhores histórias, como ele garante.

“Fiz o livro para contar roubadas mesmo, show em que tudo dá certo não tem graça de lembrar depois”, brinca. O livro tem venda antecipada pelo site https://www.catarse.me/melvin.

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SERVIÇO

PLANET HEMP FUNDIÇÃO PROGRESSO. Rua dos Arcos, 24, Lapa. Tel: 3212-0800. Quinta-feira, 1º de novembro, a partir de 22h. Abertura: Rincon Sapiência. Entrada: R$ 140 (inteira) e R$ 70 – meia, válida também para quem levar 1kg de alimento não perecível. http://fundicaoprogresso.com.br.

Reprodução - Em 1998, auge se dua carreira, com Julio Cascaes (baixo) e Marcelo Gross (bateria)
Reprodução - Melvin Ribeiro tocando baixo, com o Carbona, que fundou e com qual fez mais de 300 shows
Reprodução - Júpiter Maçã, na capa da biografia
Reprodução - Pedro de Luna com Marcelo D2
Reprodução - Acapa do livro Planet Hemp - Mantenha o respeito
Reprodução - Capa do Estrada, lançado de forma toda independente