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Meu corpo, minhas regras: confira a crítica da peça 'Carmen'

Divulgação -
Flávio Tolenzani e Natalia Gonsales, em cena de "Carmen"
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Existem personagens emblemáticas no imaginário ocidental. Desde Cleópatra, a arte vai construindo símbolos de amor como Messalina, Julieta, Doroteia, Dama das Camelias. São mulheres fortes, frágeis cantadas em prosa e verso na literatura, na música, nas conversas, no teatro. Mas paira sobre todas aquela que não tem limite porque incendeia todas as gentes. Dançarina, feiticeira, uma máquina de paixão. Uma mulher das ruas, dos mercados, com domínio total dos assuntos de alcova. Carmen, a cigana, a trágica e infeliz que inaugura o feminicídio como resultado de sua independência.

“Carmen” é uma novela de Prosper Mérimée, escrita e publicada pela primeira vez em 1845. Ela foi adaptada em várias obras dramáticas, incluindo a famosa ópera de mesmo nome de Georges Bizet e os ballets de Roland Petit e Alberto Alonso. Jessy Norman, Maria Callas a maior de todas as interpretes, Alicia Alonso – prima ballerina – e Beyoncé imortalizaram a história da mulher de Sevilha que se entrega livremente a todos os amores e que dividida entre o Don José e o toureiro Escamillo, acaba por encontrar a morte.

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Flávio Tolenzani e Natalia Gonsales, em cena de "Carmen" (Foto: Divulgação)

A montagem com texto de Luiz Farina, direção de Nelson Baskerville com Natalia Gonsales, Flávio Tolezani e Vitor Vieira foca no conflito entre Carmen, Don José e o toureiro, extraindo da obra aquilo que é o mais importante: a metáfora da liberdade e de como se submete o sujeito. A expressão corporal de Natalia reforça que o choque dos corpos, com os passos de dança flamenca, está além dos sentimentos traduzidos em palavras. Mas é na presença no cenário dos troféus de touros – as cabeças secas - que encontramos o que está posto: o toureiro estrela é o matador que tem que dar a estocada final. Mas nem sempre isso acontece. O touro cresce e mata o toureiro.

A escolha da direção de misturar os elementos clássicos de dança flamenca, costumes ciganos, tauromaquia, com o som eletrônico dos microfones e das guitarras e os figurinos perpassam o sensual, o contemporâneo, a lembrança da origem flamenga. Na mistura, como acontece na história original, dos estabelecidos na sociedade como os que vivem nas fronteiras e os que circulam entre esses dos mundos é que repousa o acerto dessa montagem. Não há o menor temor em se radicalizar no recorte, em transformar uma história popular em algo que vemos acontecer todos os dias, o cerceamento do desejo, da liberdade.

A plasticidade vai além das grades, da iluminação entre o vermelho e do assassinato de Carmen que é encenado no clima de que “gado a gente marca, tange, ferra, engorda e mata”. O enquadramento de Carmen como narradora ao mesmo tempo que realiza as cenas dá uma nova dinâmica ao texto, transformando uma história banal de um triângulo amoroso em uma ópera sem música, mas com o espírito das árias e do seu diálogo entre as atitudes dissonantes. Natalia é uma Carmen épica, forte, decidida, repleta de desejo que se divide entre José e o toureiro, uma matadora que investe e que roda o pano vermelho com a certeza que o touro vai se deixar levar. Mas quando mostra quem é quem, se enfraquece e acaba por levar a chifrada covarde e fatal.

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SERVIÇO

CARMEN Teatro Poeira (R. São João Batista, 104 - Botafogo; Tel.: 2537-8053) - De qui. a sáb., às 21h; dom., às 19h.

Ingressos a R$ 60 e R$ 30. Classificação: 14 anos - Duração: 70 minutos - Capacidade: 150 lugares