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Família X Milícia

Um dia qualquer, longa rodado no bairro de Marechal Hermes, aborda o drama das perdas de quem vive em zonas de conflito

Divulgação -
Com experiência em documentários, Krüeger escalou Mariana Nunes para viver o papel de Penha, viúva de uma traficante, que perde o filho e decide se vingar
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O que os filmes “Chuvas de verão”, de Cacá Diegues; “Como é cruel viver assim”, de Julia Rezende; e “Billi Pig”, de José Eduardo Belmonte, têm em comum? E as séries e novelas “Questão de família”, “O caçador”, “Além do horizonte”, “Pecado capital (1998) e “Pecado mortal”? Todas foram produções rodadas em Marechal Hermes, o bairro queridinho dos diretores quando o projeto pede uma caracterização tipicamente de subúrbio. O set mais recente a se instalar por lá foi o do “Um dia qualquer”, longa de Pedro von Krüger, que encerrou as filmagens no mês passado.

A equipe passou 25 dias no bairro, onde filmou várias cenas externas, além de takes na delegacia, no hospital Alexander Fleming e em algumas casas. Um salão de festas foi transformado na central de produção, com salão de cabeleireiro e maquiagem, figurinos e restaurante. O diretor alugou uma casa na Rua Emílio Baugartem onde ficou morando nesse período. “Tudo foi filmado em Marechal. Houve uma única cena fora, feita numa pizzaria em Vila Valqueire”, comenta o cineasta.

Macaque in the trees
Pedro von Krüeger (de barba) rodou seu longa nas ruas do bairro preferido das produções que retratam a realidade do subúrbio carioca (Foto: Divulgação)

Estar num set é uma experiência única. É quando se vê que cada cena de num filme, série ou novela, por mais simples que pareça, envolveu muitos profissionais para acertar inúmeros detalhes. O JORNAL DO BRASIL acompanhou a de número 62, intitulada “Rua da divisa”, que tinha a seguinte descrição: “Penha entra na favela no mototáxi. Ceceu avisa Quirino”. Na cena, uma moto com uma mulher na garupa vira uma esquina para entrar na favela e é seguida por um carro que, por sua vez, para na entrada do beco com o motorista falando ao celular. O que, pronta, talvez dure menos de um minuto, demorou quase duas horas entre ensaios e takes.

A cena, uma das feitas na última semana de filmagens, foi rodada na Rua Comandante Magalhães de Almeida. Lonas pretas foram penduradas na calçada para bloquear a iluminação dos postes, uma lixeira mal posicionada foi retirada e uma fumaça ao fundo do beco foi criada para dar um melhor efeito visual. Entre um e outro acerto, profissionais iam e vinham para baixo da barraca onde estava o monitor de video assist para verificar se estava tudo certo. De repente, um pequeno solavanco na hora em que o carro estaciona chama a atenção de um dos técnicos, mas o diretor diz que não há problemas, pois parece natural. Quando o segundo take já havia sido aprovado por todos, o diretor pede para rodar outro: “Mais um para garantir no laboratório”, brinca Pedro, aproveitando para contar, todo feliz, que os fotógrafos Walter Carvalho e André Horta tinham participado de algumas filmagens na semana anterior.

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O protagonista Augusto Madeira interpreta um ex-policial que torna-se justiceiro (Foto: Divulgação)

A equipe estava posicionada na altura da rua onde fica a Praça XV de Novembro. A certa altura da noite chuvosa, começou uma festa com música altíssima. “Esse som, que vai nos obrigar a dublar posteriormente, está sendo o único problema que tivemos nesses dias todos de filmagem”, conta Pedro.

Mas o diretor lembra ainda que a produção deparou-se com um outro percalço: a de achar uma locação para cenas que se passam dentro de uma igreja. “Nenhuma igreja evangélica do bairro permitiu que filmássemos. Então tivemos que fazer um cenário”, revela.

Projeto surgiu de uma tragédia familiar

Num intervalo entre cenas, mas sempre consultado vez ou outra por algum colega de equipe, o diretor Pedro von Krüger conversou sobre “Um dia qualquer”, projeto que surgiu quando escutou uma história de tragédia familiar. “Tudo partiu de um caso, em 2002, de um policial que virou justiceiro em seu bairro e acabou matando o próprio filho. Uma história verdadeira, que um amigo da vítima me contou. Fiquei com aquilo na cabeça e logo comecei a desenvolver o roteiro”, conta ele, que depois chamou Leonardo Gudel, Bernardo Doutel e Victor Rosa para assinarem com ele.

Na história que se passa em um só dia, Penha, viúva do traficante Seu Chapa, procura o filho desaparecido. E decide se vingar do ex-policial Quirino, com quem teve um envolvimento há anos. “Não queria fazer um filme de milícia e sim sobre família. A ideia é mostrar como é criar um filho dentro de zonas de conflito. Mostro a juventude “nem-nem”, aquela que fica vagando sem perspectiva: nem estuda nem trabalha”.

“Um dia qualquer” é o primeiro filme de ficção de Pedro, que tem larga experiência como fotógrafo além de já ter dirigido os documentários “Memória em verde e rosa”, “Pulmão da arquibancada, a Raça rubro-negra”, “Fla x Flu - 40 minutos antes do nada”, “Estrada de sonhos”. “Gosto de trabalhar com memória”, diz, fazendo faz uma correlação do longa com o documentário “Auto de resistência”, no qual assinou a direção de fotografia. O filme mostra homicídios praticados pela polícia do Rio contra civis. “Acho que a personagem da Penha, que perde seu filho por conta dessa lei paralela, representa essas mães em busca de justiça”, diz.

Nos papeis principais estão Augusto Madeira (Quirino), Mariana Nunes (Penha) e Vinícius de Oliveira (Maciel). “Augusto é do Lins de Vasconcelos! Ele merecia ser protagonista há muito tempo. Mariana foi uma indicação da Dira Paes”, conta Pedro.

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Com experiência em documentários, Krüeger escalou Mariana Nunes para viver o papel de Penha, viúva de uma traficante, que perde o filho e decide se vingar (Foto: Divulgação)

“Quando o Pedro me viu na série ‘Crime time - Hora de perigo’, em que faço um ex-policial militar, acho que ele teve a certeza que eu seria o Quirino”, afirma Augusto. Sobre seu personagem, ele diz que é um homem angustiado, que sente que está “enxugando gelo” a cada prisão que faz e depois vê o bandido sendo solto. “Além disso, tem a frustração de ter perdido a mulher que amava para o amigo traficante. Eu comparo o filme a uma tragédia grega, onde não se consegue fugir do destino que está traçado desde o início. As relações são dilacerantes dentro de um universo infelizmente tão conhecido na nossa cidade”, opina o ator.

Em relação ao elenco, Pedro destaca ainda o trabalho de Cibele Santa Cruz, produtora de elenco, com o núcleo jovem. “Foram 80 jovens fazendo o teste. Desses, ficaram 20, que depois passaram por um callback até chegarmos aos 11 atores que enfrentaram duas semanas de preparação”, relata.

O elenco traz ainda pequenas participações de André Ramiro, como um delegado, e Perfeito Fortuna como um dono de farmácia que é assaltado. “Na hora da cena, ele bateu a cabeça e se machucou. Brincamos que ele ‘deu o sangue’ pelo filme”, lembra o diretor.

Além do formato de longa-metragem, “Um dia qualquer” será lançado como uma série do Canal Space com cinco episódios. “Na TV, o primeiro episódio terá conteúdo exclusivo. Com o nome ‘Antes do dia’, vai mostrar dez anos antes do que se passa no filme. Depois, os quatro episódios serão chamados de ‘Madrugada’, em que aparecem vários bate-bolas - a história se passa no último dia do Carnaval -; ‘Manhã’, abordando as relações familiares; ‘Tarde’, quando os problemas aparecem; e ‘Noite’, em que tudo termina”, enumera Pedro. “Essa parceria entre cinema e canais a cabo é enriquecedor, permite mais filmagens com os conteúdos que vão além do longa. Esse ‘preview’ é muito bom, tem várias cenas de perseguição de carros”, elogia Augusto.

Pedro von Krüeger conta que o processo de montagem já começou e que pretende fazer um circuito de festivais até outubro de 2019. “A ideia é lançar em novembro e, na TV, em janeiro de 2020”, prevê.

Divulgação - Pedro von Krüeger (de barba) rodou seu longa nas ruas do bairro preferido das produções que retratam a realidade do subúrbio carioca
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Divulgação - O protagonista Augusto Madeira interpreta um ex-policial que torna-se justiceiro
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