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Cinema brasileiro se arrisca na vereda dos thrillers com a produção Cano Serrado, carregado de adrenalina

Reprodução -
Fernando Eiras integra o time de policiais em "Cano serrado", thriller frenético ambientado em estradas e cenários da região Centro-Oeste, onde nem sempre a lei se faz cumprir
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Na atual corrida do cinema popular brasileiro de ir além da comédia e dos dramas religiosos e dialogar com outros filões rentáveis em bilheteria e em inquietação estética, um thriller vindo da capital do país, Brasília, luta para ativar um gênero pouco explorado nas telas nacionais: o cinema de ação. “Cano Serrado” chama a violência institucionalizada do país para um duelo crítico (e frenético) a partir de um enredo sobre justiçamentos fora dos parâmetros oficiais da Lei. Seu foco: o desejo de vingança de um oficial de segurança, o Sargento Sebastião (Rubens Caribé) diante da morte do seu irmão, um caminhoneiro, colocando dois policiais da capital - confundidos com os assassinos - na mira do ódio e da bala. A direção é de Erik de Castro, que já mostrou domínio pleno desse universo em “Federal” (2010), com Selton Mello caçando uma quadrilha. Seu novo trabalho já tem um primeiro ponto de encontro com o público: dia 24, na Mostra Internacional de Cinema de São Paulo, iniciada no último dia 18. O longa-metragem também já foi assegurado na programação da Première Brasil do Festival do Rio 2018, que inicia suas atividades no dia 1º de novembro, com a projeção de “As viúvas”, do inglês Steve McQueen, com Viola Davis.

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Fernando Eiras integra o time de policiais em "Cano serrado", thriller frenético ambientado em estradas e cenários da região Centro-Oeste, onde nem sempre a lei se faz cumprir (Foto: Reprodução)

Inspirado na figura do xerife vivido pelo Brian Dennehy em “Rambo: Programado para Matar” (1982), o personagem de Rubens Caribé joga o senso de heroísmo clássico por terra. Na região sem lei e sem alma onde Sebastião é figura de ordem, herói é quem atira primeiro e mais certeiro. Paulo Miklos, Jonathan Haagensen e Milhem Cortaz também estão no elenco, e a caçada pessoal de Sebastião vai revolver cicatrizes que mexem com figuras poderosas da Justiça. O delegado interpretado por Fernando Eiras é um deles.

Segundo Erik, a natureza da brutalidade entre seus personagens é a vingança, na tradição clássica do western, ligada à redenção. “Não há Distrito Federal propriamente dito em cena. Foi apenas filmado aqui nos arredores - e Goiás adentro - mas o cenário é a região Centro-Oeste, as estradas, a fictícia e pacata pequena cidade de Cotas, e uma ‘Capital’ a qual os personagens se referem, mas que nunca se determina claramente qual é. O filme é uma alegoria, não sobre o DF, mas sobre o país - e seus dilemas morais”, explica o cineasta.

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O longa mostra um mundo sem lei, cruel e sem alma, onde sobrevive aquele que atira primeiro (Foto: Reprodução)

Na feitura do longa, mesmo com toda a experiência adquirida em “Federal”, Erik visualizou o quão difícil é levantar um thriller de ação no cinema brasileiro. “Não gosto de filmes que dão trato gratuito à violência. Costumo citar como referências iniciais para ‘Cano Serrado’ os trabalhos do roteirista David Webb Peoples, em ‘Blade Runner’ e ‘Os Imperdoáveis’: ambos são violentos, mas humanos. Tecnicamente falando, busquei os melhores. E o cara com quem mais me identifiquei no Brasil ao longo dos anos para uma colaboração nesse sentido foi o diretor Edu Felistoque. Percebi nos trabalhos do Edu, particularmente dentro do gênero policial, uma capacidade em manter qualidade dentro de orçamentos enxutos, mais compatíveis com a nossa realidade”, diz Erik. “Convidei-o, ele adorou o roteiro e embarcamos juntos na empreitada. Edu trouxe uma equipe de primeira e o resultado foi uma colaboração artística e técnica, em todos os níveis, maravilhosa”.

Felistoque tem no currículo o premiado “Toro” (2016), sobre um homem acossado pela sombra de crimes do passado. “O Brasil precisa de filmes de gêneros, todos: terror, bangue-bangue, comédia. O cinema nacional não pode ser um gênero. Precisamos caçar público”, diz Felistoque. “Temos vários técnicos ótimos que sabem trabalhar com efeitos visuais, reproduzir tiros explosões. Temos um parque enorme de designers, conseguimos mixar os efeitos. A coreografia da cena de ação é que é o maior desafio. Levamos 40 dias fazendo storyboards e ensaiando. Como eu curto muito western italiano e importei uma referência: a coisa suja, densa, poeira, a tensão da morte. Mas a estrela dessa construção é o Erik”.

No balanço moral dos feitos de Sebastião e dos demais sujeitos (com e sem farda) que fazem justiça sob códigos particulares, Erik cunhou uma frase que sintetiza o tom de “Cano Serrado”: “Não é uma história de heroísmo, mas de anti-heróis, que representa a alegoria de uma certa hierarquia da lei, entre o que vem da capital e o que está fora dela”.

*Roteirista e crítico

Reprodução - O longa mostra um mundo sem lei, cruel e sem alma, onde sobrevive aquele que atira primeiro