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Opção preferencial pelos pobres: confira a crítica da peça 'Zilda Arns - A dona dos lírios'

Divulgação -
Simone Kalil, autora da peça em parceria com Luiz Antonio Rocha, tem desempenho extraordinário
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Desde a Idade Média, as religiões cristãs estabeleceram como forma de relacionamento com as populações a existência de missionários. Educadores em várias áreas, religiosos trabalham com afinco e sem cessar para a melhoria de condições de vida das populações. E quando conseguem juntar o espírito de compaixão, trabalho ao conhecimento e expertise profissionais, vemos que pessoas especiais são capazes de brilhar. A história da pediatra, três vezes ao Prêmio Nobel da Paz e fundadora da Pastoral da Criança, cuja vida dedicada ao outros contribuiu decisivamente a redução da mortalidade infantil no país é o que conta a peça “Zilda Arns – A dona dos lírios”.

Uma vida extraordinária nos é apresentada no desempenho extraordinário de Simone Kalil, autora do texto com Luiz Antonio Rocha, também diretor do espetáculo. No cenário de lírios de material reciclável, Simone entroniza a personagem de doutora Zilda, com dois níveis diferentes de utilização da voz e do corpo. Em alguns momentos faz o jeito de caminhar, o corpo e a voz carregada do sotaque alemão/catarinense, o que acentua o jeito simples da médica. Em outras, Simone expande o peito, a voz com a pronunciação perfeita , peculiar só das grandes atrizes, utiliza as mãos quase como a regência de uma orquestra. Simone é o duplo, o alter ego que só acrescenta aos fatos que encena com a presença forte da personagem.

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Simone Kalil, autora da peça em parceria com Luiz Antonio Rocha, tem desempenho extraordinário (Foto: Divulgação)

Todo o tempo o que se vê é a força, a brasilidade, a empatia, a preocupação com o outro, a delicadeza e a perseverança na peça desenvolvida em parceria entre Simone e Luis Antonio. Um resultado muito bem sucedido. É linda a trilha sonora, desenvolvida por Beá, na qual canções, sons de instrumentos brasileiros, são o reforço perfeito para contar uma história que, com fortes doses de total sofrimento, poderia ser mais um monólogo biográfico piegas. A construção é artesanal para os efeitos sonoros, para os elementos do cenário, figurinos e extremamente relevantes, pois toda a prática de Zilda é baseada naquilo que encontrava na própria natureza ou no cotidiano da vidas das pessoas. Assim, surgiu sua maior “invenção”, o soro caseiro.

E é na mensagem do texto e na escolha de não se contar em ordem cronológica e nem com privilégio a algum episódio da biografia que a história de Zilda vai , aos poucos, exatamente como ela construiu sua vida, revelando de que forma uma mulher pode derrubar todo tipo de barreiras. Simone é uma atriz completa , é mais do que o centro do monólogo, cria os personagens de diálogo e transforma a plateia em um interlocutor próximo, envolvendo com um sorriso aberto, uma capacidade de entrega como poucas vezes se vêm em dramaturgias desse tipo. É desabrida, corajosa e , sobretudo, coerente com um teatro em sua essência: atriz, luz, palco, som e plateia.

Doutora Zilda ousou durante a ditadura e transformou sua vida e sua clínica na Pastoral da Criança , na opção pelos pobres, pelos desvalidos. Não há riqueza na cena, mas também não há minimalismo. Há na parceria de Simone e Luiz Antonio essa capacidade de se fazer aquilo a que o público vai ver: uma história bem contada, uma atriz capaz de nos emocionar - rir, chorar, aplaudir. A escolha de doutora Zilda seguia a doutrina da Igreja de cuidar dos que mais precisam. A escolha de Simone Kalil e de Luiz Antônio Rocha é de fazer o melhor teatro, aquele do qual mais precisamos.

*Professora do Depto. de Comunicação da PUC-Rio e doutora em Letras

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SERVIÇO

Zilda Arns – A dona dos lírios

Teatro Candido Mendes (R. Joana Angélica, 63 – Ipanema; 2523-3663). Sex. a dom., às 20h.

Ingressos: R$ 50 e R$ 25. Duração: 1h

Classificação: Livre