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CCBB exibe íntegra da nova temporada de Visceral, série que percorre o país resgatando os ritmos de nossa música de raiz

Divulgação -
Rainha da ciranda, Lia de Itamaracá, vive toda a sua vida na praia de Jaguaribe, na Ilha de Itamaracá (PE) onde cria e encanta com sua voz, sua força e sua presença, sempre ao lado do mar
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O Centro Cultural Banco do Brasil exibe de hoje até domingo, a preço popular, a retrospectiva “Visceral Brasil – As veias abertas da música”, que reúne 13 documentários inéditos que traçam um amplo panorama da música brasileira de raiz sob a ótica de quem a produz. São relatos contundentes de mestres e grupos, cujas sonoridades dão sentido à nossa identidade cultural. As produções serão posteriormente exibidas na segunda temporada da série de mesmo nome, exibida pela TV Brasil, em sinal aberto, e pelo canal Curta! na internet.

O Visceral é resultado de trabalhos que a diretora Márcia Paraíso realizou junto ao extinto Ministério do Desenvolvimento Agrário, voltado para agricultores familiares e assentados da reforma agrária, entre os anos de 2003 e 2010. A curadora Carla Joner viajou por muitas regiões do Brasil, resgatando artistas como, por exemplo, Zabé da Loca, tocadora de pífano de Monteiro, Paraíba - que passou a vida em uma loca (caverna) - e cujo talento foi revelado quando a região onde vivia virou um assentamento da reforma agrária. A primeira temporada estreou em 2014 e registrou o universo musical de 13 personagens. A morte de alguns desses artistas populares, pouco tempo depois de realizadas as filmagens, comprova a relevância da série. Graças ao programa, foi possível eternizar depoimentos, o momento criativo e o compartilhamento do universo de cada personagem.

O fato de, algumas vezes, se deparar com mestres idosos ou com saúde debilitada foi impactante para a equipe, inclusive sob o aspecto emocional. “Vou dar o exemplo de Arlindo dos 8 baixos, um instrumentista único, maravilhoso, parceiro do Gonzagão. Quando chegamos para filmá-lo, eu sabia que ele tinha saído de uma amputação por conta da diabetes. Mas quando o vi pela primeira vez foi um choque. A amputação tinha sido nas duas pernas, na altura da coxa. Ele tinha feito hemodiálise e seu braço estava roxo. Cego, me dizia que tinha chamado a cabelereira do bairro para arrumá-lo. Fiquei muito afetada por aquela imagem. Fazia dois anos que ele não tocava. No dia seguinte, ele tocou por duas horas. Me emocionei muito. Fizemos as filmagens e, duas semanas depois, ele faleceu, sem ter visto o documentário pronto”, comenta a cineasta, que também assina os roteiros dos episódios da série. “Ter esse registro de parte de sua memória e de como ele continuava sendo uma virtuose do oito baixos mesmo doente, seguramente é muito importante como registro da nossa cultura e arte”.

No Rio Grande do Sul, a situação foi outra. “Com Giba Giba, foi diferente. Sua morte nos pegou de surpresa. Tive o privilégio de conhecer Pelotas e sua relação com o samba e o tambor de sopapo, tudo através do olhar daquele artista de rara sensibilidade. Era generoso, amável, educado, além de talentoso. Eu nem sabia que ele estava doente. Morreu poucos dias antes de seu filme ficar pronto”, lamenta a diretora, que também se recorda da participação da sambista Dona Ivone Lara, morta em abril deste ano, nas filmagens do epísódio do Jongo da Serrinha, rodado no ano passado.

Foco sobre trabalhos coletivos

Cada temporada levou aproximadamente dez meses para ser filmada, mais todo o tempo de edição e finalização que totalizou cerca de um ano e meio. Na segunda temporada, ainda sem data para estrear na TV aberta, foram feitos documentários com Lia de Itamaracá (PE), Zé Mulato e Cassiano (DF), o grupo Maçambique de Osório (RS), Galo Preto (PE), Jongo da Serrinha (RJ), Banda Cabaçal dos Irmãos Aniceto (CE), Biliu de Campina Grande (PB), Mestre Damasceno (PA), a viola de cocho de Mestre Alcides e o Tronco de Aroeira (MT), Dona Dalva Damiana (BA), João do Pife (PE), o Carimbó de São Benedito – Os Quentes da Madrugada (PA).

“Na primeira fase, privilegiamos nomes de mestres da música de raiz. Na segunda, há uma predominância de ritmos, de grupos, de coletivos. Minha direção foi no sentido de tentar fazer um registo sensorial, ou seja, levar o espectador a experimentar a atmosfera que é a base de formação daquela sonoridade. O que fez com que aquele grupo, aquele mestre, construísse aquele som. Quais os elementos que fazem aquelas pessoas terem um componente de genialidade tão autêntico e único?”, questiona a cineasta.

Márcia preferiu trabalhar a linguagem da série com um formato de independência entre os episódios, ditado pelo perfil de cada personagem, revelando, além da musicalidade, o ambiente de formação de cada artista ou grupo, seus históricos de vida e seu enraizamento com as comunidades em questão. A memória da arte popular brasileira se fortalece com trabalhos desta natureza.

Confira as sinopses dos documentários

Quinta - 18/10

Quem me deu foi o mar – Com Lia de Itamaracá, a rainha da ciranda, que vive toda a sua vida na praia de Jaguaribe, na Ilha de Itamaracá (PE), onde cria e encanta com sua voz, sua força e sua presença, sempre ao lado do mar.

Orgulho é raiz - Com Zé Mulato e Cassiano Sinopse, irmãos mineiros radicados em Brasília e que representam a raiz da música caipira. Compositores, intérpretes, violeiros, carregam a história de vida de muitos que foram tentar a vida na capital federal. Mas o amor pela música caipira transbordou em sucessos que se eternizaram até hoje na memória e na voz de tantos brasileiros.

Irmandade da Resistência - Com o grupo Maçambique de Osório Sinopse, que representa a cerimônia de coroação da rainha Ginga e do rei de Congo. Na cidade gaúcha de Osório, essa tradição chegou com os escravos que vieram trabalhar nas plantações e é uma espécie de auto popular de natureza religiosa, com o qual os negros prestam as suas homenagens aos santos de devoção católica negra. O grupo simboliza a resistência de uma cultura numa região de maioria europeia.

Sexta- 19/10

O Galo Preto chegou - Com Galo Preto Embolador, coquista e compositor. Com mais de 300 músicas, lançou seu primeiro disco em 2015, aos 82 anos. Patrimônio vivo de Pernambuco, Galo Preto é um profundo conhecedor da sua terra que continua lhe inspirando em suas composições de improviso. O mestre do pandeiro, da elegância do terno branco e das histórias colecionadas por quem atravessou a vida com a música.

Coração da Serrinha - Com Jongo da Serrinha, grupo de resistência da formação da musicalidade no morro da Serrinha, no subúrbio carioca de Madureira. Liderado por mulheres que tomaram para si a luta pela revitalização do Jongo e pelo espaço da Casa do Jongo.

Raiz Ancestral - Com a banda Cabaçal dos Irmãos Aniceto, incríveis e performáticos, o grupo representa 100 anos de tradições de uma mesma família que mantém e resiste no que vem da alma, tocar, dançar e representar o cariri pela arte em sua manifestação autêntica, única e original.

Sábado - 20/10

Estilo é tradição - Com Biliu de Campina Grande, a representação do forró em seu estado. O irreverente compositor é referência do que resiste enquanto forró, música de raiz do nordeste brasileiro.

A invenção do búfalo – Com Mestre Damasceno, inventor do búfalo bumbá na cidade de Salvaterra, Ilha do Marajó. Botador de boi, repentista, cantador de carimbó, compositor de sambas, fazedor de rimas, poeta, pescador e artesão. Cego, possui mais de 400 composições entre toadas, carimbós, xotes, chulas e bregas.

Devotos do sagrado – Com o grupo Tronco de Aroeira de viola de cocho. A produção artesanal da viola de cocho pelas mãos de Mestre Alcides e a festa popular em louvor aos santos que agrega dezenas de tocadores de viola de cocho, no Mato Grosso, celebram a fé e reafirmam a música como instrumento de devoção.

Plantei Jiló nasceu amor - Com Dona Dalva Damiana, uma ex-operária de uma fábrica de charutos, que simboliza a invenção do samba de roda do Recôncavo Baiano, com suas vestimentas que reverenciam a Irmandade da Boa Morte e seu jeito poético de cantar o simples. Aos 90 anos, Dona Dalva é energia, é amor, é puro axé.

Domingo - 21/10

Encantamento da terra – Com João do Pife, personalidade ímpar de Caruaru, um contador de histórias e causos que enaltece a simplicidade de um instrumento que, feito de uma taboca, se reinventou na sonoridade encantadora, que remete a ancestralidade que tem na terra a raiz.

Amor é verso prosa é poesia – Com as Destaladeiras de Fumo de Arapiraca, uma tradição que veio dos tempos em que o fumo era a principal atividade econômica de Arapiraca (AL) – o destalar as folhas nos salões de trabalho, momento esse cantado pelas mulheres ali reunidas. O tempo se foi mas as Destaladeiras de Fumo de Arapiraca permanecem representadas pelas cinco mulheres que cantam o trabalho, os encontros, a vida rural, os amores e a partilha do ofício.

Sagrado Visceral - Com Os Quentes da Madrugada. Na celebração anual de São Benedito, a população de Santarém Novo (PA) prepara uma festa de carimbó em que todos os dançantes, obrigatoriamente, precisam se vestir de terno, gravata, saia rodada e blusa de manga comprida. Assim é há muitos anos. Há gerações, o grupo celebra o festejo com alegria, fartura e muita gengibirra e biju de tapioca.

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SERVIÇO

VISCERAL BRASIL – AS VEIAS ABERTAS DA MÚSICA

Centro Cultural do Banco do Brasil Rio de Janeiro (R. Primeiro de Março, 66 – Centro. Tel: 3808-2020). Exibição 2ª Temporada – de 18 a 21/10 - 17h e 18h30 (qui., sex. e dom.) e 17h e 18h50 (sáb.). R$ 5