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Argentina que adotou o Rio e brilha nas rodas mais tradicionais lança EP

Pedro Gold/Divulgação -
No melhor estilo carioca, Ale Maria leva para seu álbum de estreia o clima das rodas de samba do subúrbio
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O primeiro carnaval a gente nunca esquece. Que o diga María Alejandra Fernández. Aos 14 anos, esta argentina nascida em Buenos Aires mas criada na cidade Mercedes, junto a fronteira com o Brasil, ouviu os primeiros acordes de samba-enredo. No começo, acreditava que sua vocação era só dançar o ritmo que aprendeu amar. De volta à capital argentina, virou passista e, depois, cantora. Hoje, aos 33 anos, adotou o Rio como cidade. Cantora e compositora, frequenta a maior quantidade de rodas de samba que sua agenda permite. A sambista acabda de lançar seu álbum de estreia, o EP “De samba en samba”.

Considerada um das vozes promissoras da nova geração de sambistas, Ale Maria – nome que adotou como artista - começou a cantar em rodas de samba... de Buenos Aires! “Comecei a cantar samba na cara de pau. Gostava muito das melodias em português. Depois quis entender o que as letras diziam e comecei a pesquisar. Também tive aulas de canto. Fui cantando cada vez melhor, com mais sentimento. E assim fui crescendo como artista de samba”, conta.

Ale conta que começou a compor ainda na adolescência, mas o chamado do samba, aquele que mexe com a gente, foi um pouco mais tardio. O primeiro composto, recorda, chamava-se “E dicen que hay algo más”, com letras em espanhol. “Logo tive interesse de começar a viajar para o Rio para aprender português e estudar mais sobre o samba e sua história”.

Havia espaço para se cantar samba na cidade em que brilhou Carlos Gardel? “Sim. Havia em Buenos Aires um movimento de rodas de samba. As canções eram mais de artistas como Jorge Aragão e Fundo de Quintal. À medida que mais cantava, mais queria me aprofundar no samba de raiz, nos compositores antigos”, lembra, admitindo que nessa época sua cabeça estava totalmente voltada para o Rio, para onde passou a viajar a cada oportunidade que surgia.

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No melhor estilo carioca, Ale Maria leva para seu álbum de estreia o clima das rodas de samba do subúrbio (Foto: Pedro Gold/Divulgação)

Chegando com respeito

Fazendo amizade com cantores, músicos e compositores que pouco tempo antes eram seus ídolos, passou a participar das rodas cariocas, entre as quais a do Cacique de Ramos onde canta regularmente há três anos. Impossível não reparar a moça com sotaque portenho de microfone em punho. O começo foi cauteloso, revela. “No samba você tem que ter muito respeito. Não dá para chegar de qualquer jeito, cantar umas três músicas e ficar se achando”, filosofa com ar de bamba.

Para aqueles que dizem que mulheres não costumam ter muito espaço para cantar em rodas de samba tradicionais, Ale diz que nunca teve espaço negado. “Talvez pela novidade, a curiosidade de ver uma estrangeira cantando ali entre eles”, argumenta.

Em “Samba em samba”, em formato de EP e com lançamento simultâneo nas plataformas digitais, a cantora gravou cinco músicas, duas delas de sua autoria: “Meu Canto” e “De Samba en Samba”, em parceria com Matias Giordani. Esta última com letra em espanhol. “Foi um dos primeiros sambas que compus me mudei para cá”, diz. O álbum tem ainda “Meu presente” (Serginho Meriti/Toninho Geraes), “Paixão é maré” (Toninho Geraes/Chico Alves) e “Paisagem” (Arlindo Cruz/Júnior Dom). Arlindo Cruz é uma das referências da cantora.

“Eu sempre assistia na minha casa, na Argentina, os vídeos no Youtube de Zeca Pagodinho, Arlindo Cruz, Jorge Aragão, Xande de Pilares, Beth Carvalho, Sombrinha, Fundo de Quintal e Almir Guineto. Todas as pessoas que, para mim, eram mestres. E eu estive na hora certa, no lugar certo. Todos os dias eu só agradeço”, derrete-se. Já a relação com Toninho Geraes tem motivações que fazem o coração bater forte como um bumbo marcando a bateria: foi um de seus primeiros amigos na cidade. Da amizade brotou uma parceria musical e desta nasceu um romance. Hoje são casados.

O álbum ainda terá as participações Xande de Pilares e do cantor e percussionista Bira Presidente, que participa das faixas “Paixão é maré” e “De samba em samba”. “O Bira pediu para participar da gravação e toca em duas faixas. O Xande eu mesma convidei. É um ótimo artista e um cara muito humilde. Foi uma alegria enorme tê-lo comigo no estúdio, referindo-se ao divertido dueto na faixa-título.

Depois de trocar de país e de língua, Ale começa a perceber uma mudança no comportamento do público. “Me dizem: ‘olha, você está cantando muito bem! Parabéns!’. Já não é mais aquela coisa do tipo ‘ah, ela é a argentina que canta samba. Parabéns!’, como se diria a uma criança”, compara a artista que também toca violão (“mas só para me acompanhar”) e pandeiro (“apenas o básico. Não chego a tocar a e cantar ao mesmo tempo”).

Depois de concluir o EP, a cantora revela o desejo de apresentar o show em seu país de origem, onde seu estilo de vida na capital mundial do samba desperta curiosidade nos hermanos.

“Todo mundo lá me pergunta se eu moro perto da praia. Respondo que prefiro morar perto da Central (do Brasil) para poder pegar os trens que me levam a todas as rodas de samba na Tijuca, Vila Isabel, Jacarepaguá, Madureira, Osvaldo Cruz, Irajá, Ramos, Vila da Penha, Abolição... Frequento todas”, brinca.

Embora não tenha nascido com o samba, como o samba se criou. “Tenho hoje uma família muito legal no Rio de Janeiro, tanto que eu até esqueço que sou argentina”, orgulha-se a neocarioca, que vive no Rio Comprido. Não é muito longe da Central, mas não tem metrô perto e é muito ruim para pegar ônibus”, completa.