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Jonathan Pryce rouba os corações ingleses no teatro e no cinema

Divulgação -
Pryce contracena com Eileen Atkins no drama familiar "The height of the storm", de Florian Zeller
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LONDRES - Para quem já foi inimigo de James Bond (em “007 – O amanhã nunca morre”), esparro de Jack Sparrow (em “Piratas do Caribe”) e dueto de Madonna em “Evita”, Jonathan Pryce não pode reclamar de monotonia em sua rotina como um dos atores mais respeitados do Reino Unido – nem pode chiar que lhe falte prestígio. Já, já, este galês de 71 anos será visto sob a batina do Papa Francisco em “The Pop”, projeto da Netflix que tem o paulistano Fernando Meirelles (de “Cidade de Deus”) na direção, com foco num embate entre pontífices. Mas até lá, ele atiça, e muito, o apetite dos ingleses por iguarias do audiovisual e dos palcos em múltiplas frentes.

Ao mesmo tempo em que coleciona resenhas elogiosas dos críticos de cinema por sua atuação ao lado de Glenn Close em “The wife”, em cartaz em terras britânicas, ele anda lotando, de quinta a domingo, as 759 poltronas do Wyndham’s Theatre, no coração de Londres, com os diálogos cheios de som e de fúria do drama familiar “The height of the storm”, de Florian Zeller. É uma das peças do ano, nas palavras da cúria dos críticos teatrais da Inglaterra, onde ele ganhará mais uma vitrine nobre na semana que vem: na terça-feira, o BFI – London Film Festival vai rir até se esbaldar com suas peripécias na pele do Cavaleiro da Triste Figura em “The man who killed Don Quixote”, de Terry Gilliam.

Macaque in the trees
Pryce contracena com Eileen Atkins no drama familiar "The height of the storm", de Florian Zeller (Foto: Divulgação)

“Eu já vivi o suficiente para saber o que é roubada e o que é desafio. Por vezes, essas coisas se misturam na carreira de um ator, mas há sempre a chance de a gente transformar um desafio em algo que possa entreter o público”, disse Pryce ao JORNAL DO BRASIL em maio, no Festival de Cannes, que encerrou seu cardápio de atrações com o Quixote de Terry Gilliam, um longa que levou 25 anos para sair do papel. “Quando Terry me chamou, depois de quase duas décadas de percalço e de ter perdido um de seus protagonistas, eu sabia que estava me metendo numa fria deliciosa, em que a gente embarca por conhecer a cabeça louca de nossos colegas à frente do leme da direção. E que personagem rico uma aventura dessas pode nos oferecer”.

Aventura é uma palavra que Pryce aplica tanto no terreno das investigações dramatúrgicas clássicas quanto em no campo da pipoca - encenou Hamlet quando jovem e topou viver um dos participantes da série “Game of Thrones” sob o convite da HBO: encarnou High Sparrow entre 2015 e 2016.

Encarado como uma lenda das artes cênicas em solo britânico, ganhador do prêmio de melhor ator em Cannes por “Carrington - Dias de paixão” (1995), ele é ovacionado quando cada enecenação de “The height of the storm” chega ao fim. Na peça de Florian Zeller (autor francês conhecido no Brasil por “O pai”, montada com Fúlvio Stefanini), ele é André, um escritor com um passado de glórias, casado há cinco décadas com Madeleine (Eileen Atkins). Já aposentado, abalado por conflitos com suas duas filhas, André é acossado por um fantasma do passado, ligado à infidelidade e culpa. “A peça é um quebra-cabeças que vai encontrando seu encaixe conforme nos comove”, diz Pryce, que vive um escritor também cercado de erros de sua juventude no filme “The wife”: “ Tive um professor que dizia: quem deve chorar ao fim de um espetáculo é o público não o ator, por mais emocionado que esteja. Tento fazer essa lição valer”, diz Pryce na brochura promocional de”The height of the storm”.

Mas ele admite ter se emocionado com o Quixote de Gilliam. Em Cannes, deu divergência em torno do senso geral acerca do longa do diretor de “Os 12 macacos” (1995): amor e ódio racharam o balneário ao meio, e espera-se algo parecido da sessão do longa no BFI - London Film Festival. Definido por alguns como “um equívoco sem um pingo de graça” e por outros como uma obra-prima, “The man who killed Don Quixote” é uma releitura livre, e pop, do texto publicado em 1605 por Miguel de Cervantes (1547-1616) com uma direção de arte magistral. Na Croisette, elogiou-se muito a atuação de Adam Driver como um Sancho Pança dos novos tempos.

Parceiro de Gillian em “Brazil, o filme” (1985), Jonathan Pryce esbanja romantismo como Javier, sapateiro de uma vila espanhola que, anos atrás, viveu Quixote no filme de conclusão de curso de Toby (Driver, em brilhante atuação). No momento em que volta à Espanha, a fim de rodar um comercial, Toby se vê impelido a voltar às raízes. Por isso decide encontrar Javier, que, tomado pelo contato com as artes, passou a crer que é o próprio Cavaleiro da Triste Figura. Javier pensa que é Quixote e vê em Toby seu Sancho ideal, arrastando o garoto para lutar contra os gigantes do mundo de hoje. “Existem histórias que servem de bússola ao mundo”, diz Pryce. “Quixote é uma delas”.

*Roteirista e crítico de cinema

Divulgação - No aguardado "Don Quixote", de Terry Gilliam