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Sim, nós podemos: confira a crítica da peça 'Gisberta'

Divulgação -
Luis Lobianco, em atuação memorável
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Todos nós conhecemos uma história de homossexualidade. Reprimidas, desatadas, montadas. E , a maior parte, sobretudo de transexuais, acabam por vivenciar encontros trágicos. Desde a infância, vivendo num corpo que lhe é estranho, como são estranhos os desejos, as brincadeiras, os relacionamentos, transexuais desde cedo experimentam a dificuldade de um destino que as invade, que as impele a ser uma outra pessoa. Repressão, repressão, bullying pesado. Acusação e punição. Um infância de dor. Uma vida de muita luta inglória. Esses sentimentos explodem no palco em “Gisberta”, a história da trans brasileira que enfrentou tudo o que pôde, mas que vê a morte brutal lhe encontrar no Porto, Portugal.

Idealizada pelo ator Luis Lobianco, com direção de produção de Claudia Marques, texto de Rafael Souza-Ribeiro e direção de Renato Carrera, Gisberta conta a história do paulistano Gisberto Salce Júnior, de família de trabalhadores do bairro Casaverde, que percebe, desde que se lembra, ser mulher e se encontra cantando e dançando travestido no personagem que inventa. O brilho que a vida lhe negou, o aplauso que não vinha, vão acontecer no palco. A dicotomia da identidade, do caminho, são o fio condutor.

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Luis Lobianco, em atuação memorável (Foto: Divulgação)

Luis Lobianco, em atuação memorável, interpreta os vários personagens, com um camisolão branco, figurino de Gilda Midani, como aquela bata que vemos em filmes sobre Jesus, maquiagem feminina exagerada de palco, imita vozes femininas, sotaques, canta para representar os vários personagens que contam a história de Gisberta. Irmãs, amigas, amores, casos contam as visões e os pedaços da vida de Gis. Só quem não está no palco é a personagem principal. Excelente técnica de se contar uma história, pois, com isso, ficam claros os sentimentos, os horrores, os prazeres daquela que nomeia a peça.

A vida de Gisberta, que mais tarde se transformou lá e cá no símbolo da luta LGBT, vai além do drama de sair do Brasil, abandonar as suas raízes, contrair Aids e ser brutalmente assassinada. O que está no palco é um homem, que se avantaja e cresce, conforme declama Fernando Pessoa, canta axé e reproduz os textos desesperados escritos por Gis. É um ator – Luis Lobianco – que se impõe sob a cirúrgica direção. A preocupação do texto é misturar mesmo, mostrar o sobe e desce, evidenciar como através do olhar dos outros, das vozes da solidariedade e dos gritos de ódio e rancor compõem-se uma vida que o mundo transforma em um enorme erro da maldade.

A peça é um mosaico, cuja cola é jogo de iluminação primoroso de Renato Machado, colore os figurinos e ressalta o que deve ser mostrado de Lobianco, o rosto - quando a narração é o fundamental; o corpo parcial quando o personagem é parte da história. Música, seja cantada ou de background, torna-se um elemento de cenário para o que se mostra e o que se diz. É desse painel fragmentado, pessoas, palavras, sotaques , gírias, música, que sai um rosnar de desespero. Um grito de alerta para vermos todos que somos parte disso, que podemos ser Gisbertas ou assassinos. A escolha é nossa.

*Professora do Depto. de Comunicação da PUC-Rio e doutora em Letras

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SERVIÇO

GISBERTA

Com Luis Lobianco.

Texto de Rafael Souza-Ribeiro, direção de Renato Carrera

Cidade das Artes - Grande Sala (Av. das Américas, 5.300 - Barra; Tel.:3325-0102)

Sex. e sáb, às 21h, dom., às 19h

Ingressos de R$ 20 a R$ 80

Duração: 90 minutos

Classificação: 14 anos