Anna é uma Jeanne Dielman moderna. Pega da personagem imortalizada no clássico de Chantal Akerman, a radiografia de rotina cruel por mais banal que seja e impregna a ela uma urgência moderna, dolorida, mais ruidosa, menos distante, embora igualmente trágica. De uma noite, passando pelo período seguinte inteiro, até chegar à manhã posterior, a câmera segue Anna em seu périplo hercúleo de mulher moderna. Isso inclui três filhos, um trabalho, um marido, uma casa para tocar, vários horários diferentes para cada uma das crianças, torneira defeituosa... e, acreditem, muito mais. Mas nenhuma mulher de hoje deve enxergar novidade na descrição acima.
O que torna o filme de Zsófia Szilágyi tão especial e vibrante, real merecedor do Prêmio Fipresci deste ano na Quinzena dos Realizadores de Cannes? Criar angústia em momentos tão triviais, quase elevando sua carpintaria prosaica ao cinema de gênero, é um motivo. Sua diretora conseguir planos e enquadramentos tão inspirados, a realçar o manancial crescente de turbulência no qual sua protagonista e seus entes são arremessados como a um furacão da vida real, é outra marca de impressão duradoura que o filme realiza com maestria.
Pra amarrar o belo exercício de tensão orquestrado em cena, a diretora precisava de uma senhora atriz. Zsófia Szamosi foi a escolha exata, numa interpretação que dispara todos os sentimentos humanos possíveis, em algumas cenas ao mesmo tempo. E eu já falei que a família que o filme mostra é uma família real, o marido e os filhos de Szamosi os interpretam no filme, em cenas muitas vezes desconcertantes de tão naturais? É disso e de tantas outras coisas que se fazem os Grandes Filmes, categoria onde “Um dia” definitivamente está.
*Membro da ACCRJ
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UM DIA: **** (Muito Bom)
Cotações: o Péssimo; * Ruim; ** Regular; *** Bom; **** Muito Bom