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Sem palavras: confira crítica da peça 'Um tartufo'

Divulgação -
Nesta montagem de "Tartufo", a mímica substitui o texto clássico de Molière
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Molière, o dramaturgo francês do século XVII, conseguiu trazer ao palco os elementos da commedia dell’arte, o gênero popular que não frequentava os grandes salões da nobreza. Sua obra corresponde, do ponto de vista da cultura, à transição social da época, com a introdução dos tipos burgueses, a nova classe que se anuncia. As peças com títulos adjetivados como “As preciosas ridículas” e “O avarento” criam importantes estereótipos que permanecem vivos até hoje. Mas, particularmente, um personagem salta do prenome para o adjetivo/substantivo que representa um caráter particular facilmente encontrável em nossa sociedade. Tartufo torna-se uma nomeação, um conceito para pessoas que enganam e exploram as outras.

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Nesta montagem de "Tartufo", a mímica substitui o texto clássico de Molière (Foto: Divulgação)

Para comemorar os dez anos da Cia. Teatro Esplendor, Bruce Gomlevsky ousa em uma versão de Tartufo, na qual os diálogos são substituídos pela mímica. Contar uma história, ainda que possivelmente conhecida, apenas com gestos é um ato forte, de coragem, pois recupera, ao mesmo tempo, importantes tradições do teatro mundial - a mímica era presente nos teatros de Dionísio, na commedia dell’arte e no kabuki japonês. A caracterização exagerada na maquiagem, nos figurinos estilizados denunciam uma França rural de nosso imaginário, as idades, os sexos, a situação social. Não há qualquer necessidade de palavra. A música contemporânea do esloveno Borut Krzisnik realiza a perfeita integração entre palavra e gesto, o ritmo de representação e o impacto das viradas do enredo.

A criatividade transbordante de “Um tartufo” é apoiada pelo elenco, que é capaz de forma afinada de mostrar a comédia satírica que é o texto, mas também das situações dramáticas dos personagens pelas manipulações de Tartufo, brilhantemente interpretado por Yasmin Gomlevsky. Um nobre senhor Orgonte (Gustavo Damasceno), franqueia sua vida e sua fortuna a um falso religioso Tartufo que lhe toma a filha Mariana (Nuaj Del Fiol) e mulher Elmira (Patricia Callai). A presença dos tipos populares como Dorina (Thiago Guerrante) e Cleanto (Ricardo Lopes) vai além de se ter tipos cômicos. Thiago realiza uma Dorina de passo miúdo, uma criada que é o olhar de quem não se engana. E o Cleanto de Ricardo Lopes que está caracterizado como um preto velho manco tem das melhores intepretações corporais já vistas.

A direção de Bruce Gomlevsky trabalha com todas as dimensões que o texto de Molière anuncia. A prepotência da nova classe dominante, a burguesia que se acha proprietária dos bens, mas também da vida de todos. A pulsão sexual desenfreada, sem limites, de Elmira em contraste com o amor romântico de Mariana e Valério (Gustaco Luz). O filho mimado Damis (Felipe de Barros), totalmente inútil e simplório. A religião que engana, os falsos messias que prometem a vida eterna, que envolvem as pessoas para lhes tomar os bens da vida presente. A manipulação é o tema principal que se traduz nos atores que nos parecem bonecos de fantoches. E só o corpo, os olhares, nos fazem apreciar a expressão nua e crua de teatro: a dimensão absoluta da pessoa, do seu corpo ali à nossa frente como o meio de nos emocionar e aplaudir de pé. Bravo Bruce!

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SERVIÇO

Um Tartufo

Teatro Poeirinha (R. São João Batista, 104 - Botafogo;

Tel: 2537-8053). Qua. a sáb., às 21h, dom., às 19h (este mês). Ter. a qui., às 19h (em outubro). Ingressos a R$ 50 e R$ 60 (sex. a dom.).