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É bonita, é bonita e é bonita: confira crítica da peça 'A vida passou por aqui'

Divulgação -
Claudia Mauro e Edio Nunes interpretam a professora Silvia e o dançarino Floriano na peça premiada pela APTR
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A vida parece com um exercício cotidiano de se assistir a um desfile de escola de samba. Senta-se, anima, dança, se entendia, levanta, canta, bate o pé. E se emociona e se integra quando o quanto quiser. Ser protagonista da própria história é um caminho que pode ser fácil, animado ou difícil e pedregoso. “A vida passou por aqui”, de Claudia Mauro, é a boa metáfora dessas opções. Um homem, uma mulher, duas classes sociais, dois talentos, duas formas de encarar o mundo.

O texto de Claudia Mauro, vencedor do Prêmio APTR, consegue contar, a partir de uma narrativa em flashback, episódios que marcam o principal conflito humano: Eros e Tanatos, nossas porções de vida e morte. São dois personagens de idade avançada, Silvia (Claudia Mauro) e Floriano (Edio Nunes), com uma amizade intensa de mais 40 anos, que , ao fim da estrada, se encontram para falar de quanto afeto dividiram entre si e com aqueles que os cercaram, como ultrapassaram as derrotas. Floriano, favelado, radiante dançarino de gafieira que, com o apoio dela, se torna escritor, foi contínuo de Silvia. Ela, professora, moradora do Leblon, deprimida muitas vezes com um casamento complicado, artista plástica com apoio dele.

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Claudia Mauro e Edio Nunes interpretam a professora Silvia e o dançarino Floriano na peça premiada pela APTR (Foto: Divulgação)

As conversas íntimas no conteúdo, na troca, mas com muita leveza falam de morte, da doença difícil de Floriano, do AVC de Silvia. A tônica do bom humor, com tiradas que provocam risadas, são pontuadas e acentuadas no excelente desempenho dos dois atores. Floriano, personagem condutor, também conduz nos números de dança de salão que, em toda a peça, são a moldura para que se veja a vitória da vida sobre a morte. O mundo de Eros se sobrepõe ao de Tanatos com a animada trilha sonora, samba dançado no quadradinho que evolui sempre para resolver um problema de Silvia.

Édio Nunes faz um Floriano extraordinário. Grande bailarino, como poucos, acabar por encarnar um Dionísio que, tal como o deus grego, convida as mulheres, no caso a emblemática Silvia, para dançar em honra dos princípios que preconiza: comemorar o fato de se estar vivo. E como todo herói, ao se aproximar do fim, conclama à bebida. Afinal, o vinho, a cerveja são parte desse ritual que é criar a alteridade da alegria e da felicidade.

O cenário que apresenta uma arrumação que se presta desde a casa de repouso, o apartamento de Silvia, a Secretaria de Educação, o sitio de Floriano. Mas é no cachecol vermelho de Silvia, a idosa, que vemos a capacidade de um elemento cênico, do figurino, ser o ícone das mudanças de tempo, de caráter, de disposição. Vira faixa de cabelo na jovem professora, cinto na mulher madura, echarpe na mulher artista. É o sangue da vida que ganha espaço para mostrar as viradas da personagem.

O samba de gafieira exige disposição, habilidade, talento, molejo, alegria. É mais do que música com dança. É o entrosamento perfeito do par para se se deixar embalar e aproveitar a delicia de ser feliz. Floriano/ Édio/Eros, ator exímio, enfrenta qualquer obstáculo cortando o salão de ponta a ponta. Silvia/Claudia/Tanatos, com muito talento, oscila, se revela e se larga ao embalo da música. Mas não erra qualquer passo. Acompanha e acaba se deixando levar pela vida. Afinal, a vida tem que ficar aqui.

*Professora do Depto. de Comunicação da PUC-Rio e doutora em Letras

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Serviço

A VIDA PASSOU POR AQUI

Teatro Laura Alvim (Av. Vieira Souto, 176 – Ipanema; Tel: 2332-2015). Sáb, às 21h, dom., às 18h30 e 20h30. R$ 40 e R$ 20. Classificação: 14 anos

Tags:

crítica | peça | teatro