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Novo filme de Sérgio Rezende conta detalhes dos últimos dias de Tancredo Neves

Bruno Kaiuca -
Sérgio Rezende conta detalhes dos últimos dias de Tancredo em seu novo filme e diz que ele foi um político que conseguiu mobilizar o povo brasileiro
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“O povo está na rua, a luta continua”. Para não parecer panfletário em tempos de posições tão radicais e ataques políticos diretos, Sérgio Rezende preferiu não incluir, em seu novo filme, cenas onde o grito ecoava nas ruas quando Tancredo Neves morreu. “Mas é possível perceber que o sentimento de 1985 é o mesmo que estava nas manifestações de 2013”, afirma o diretor de “O paciente - O caso Tancredo Neves”, que estreia no dia 13 de outubro.

O novo longa do realizador dos marcantes “O homem da capa preta”, “Lamarca” e “Guerra da Canudos” é baseado no livro homônimo de Luis Mir e conta os últimos dias de vida do primeiro presidente eleito indiretamente após a ditadura militar. Diferente do que foi omitido na época, nele são revelados detalhes do que aconteceu naqueles dias em que Tancredo ficou internado e passou por várias e desastradas intervenções cirúrgicas.

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Sérgio Rezende conta detalhes dos últimos dias de Tancredo em seu novo filme e diz que ele foi um político que conseguiu mobilizar o povo brasileiro (Foto: Bruno Kaiuca)


Sérgio dispensa o rótulo de “filmes históricos” para suas produções. “Não ocorre a ninguém chamar ‘O encouraçado Potemkin’, de Eisenstein, de filme histórico. O cinema do mundo inteiro conta suas histórias, então, como vivo no Brasil, vou falar sobre brasileiros. O que eu gosto é de grandes personagens e dos aventureiros. Aquelas pessoas normais que têm destinos excepcionais. Como Tenório Cavalcanti, um alagoano que vingou o pai e veio para o Rio se tornar um mito. Ou Antonio Conselheiro que, perambulando pelo sertão, um dia percebeu que já era seguido por 50 mil pessoas”, cita alguns de seus cinebiografados.

Thriller médico

Só que, desta vez, não se trata de uma biografia: “Não é um filme sobre Tancredo. O que me fascinou quando li o livro foi que vi que era um thriller médico”, conta Sérgio. Só que a publicação é um estudo de caso, com todos os laudos médicos e demais documentos relacionados ao caso hospitalar, o que não seria de fácil adaptação para o cinema. “Comprei os direitos do livro e, ao lado do Gustavo Lipsztein, comecei a escrever o roteiro para reconstruir a história. A pesquisa foi feita através da vasta literatura que há sobre o caso e a cobertura feita pela imprensa na época. E, no meio da produção, ainda foi lançada a biografia ‘O príncipe civil’, de Plínio Fraga”, conta Sérgio, que diz que não teve contato com a família do político.

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Esther Góes interpreta Risoleta Neves, companheira que não sai do lado de Tancredo em nenhum momento (Foto: Divulgação)


Os 38 dias em que Tancredo ficou internado no Hospital de Base de Brasília e depois no Hospital das Clínicas de São Paulo foram encobertos por uma névoa de desinformação. Até hoje, pessoas que acompanharam o drama pelos meios de comunicação, ficaram com a impressão que ele morreu por causa de uma diverticulite. O filme mostra os detalhes de uma sequência de imprudências e erros médicos que levaram o político à morte. “Aquela desinformação nunca aconteceria nos dias de hoje, aqueles segredos de alcova não teriam sido mantidos. Avaliaram como apendicite, pensaram que era um divertículo e depois descobriram que era um tumor, o que não foi revelado para não impactar a população”, enumera o diretor, que acha que a causa da morte foi, na verdade, um acúmulo de tudo. Entre os absurdos – que muitos pensam que é ficção mas que realmente aconteceram – estão o grupo de políticos assistindo à cirurgia de dentro da sala do hospital de Brasília e o longo tempo que a barriga de Tancredo fico aberta porque o médico exigiu um tipo de fio para costurar que não havia no hospital.

Deus do cinema

No elenco, estão Othon Bastos como Tancredo, Esther Góes como Dona Risoleta, Emílio Dantas como o porta-voz da presidência e ex-governador Antônio Britto, e Paulo Betti, Otávio Muller e Leonardo Medeiros como os médicos Henrique Pinotti, Renault Ribeiro e Francisco Pinheiro Rocha, respectivamente. “O Othon, para mim, é um deus do cinema. Leu o roteiro, gostou, mas se surpreendeu quando eu disse que o queria para viver Tancredo. Ele pensava que seria um dos médicos porque não se parece fisicamente. Seu trabalho foi sublime – e sem próteses nem maquiagem!”, elogia Sérgio. Do elenco, apenas Otávio e Leonardo foram “estreantes” no set d

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Othon Bastos como Tancredo Neves (Foto: Divulgação)
o diretor. É o sétimo filme de Paulo Betti ao lado de Sérgio, enquanto Othon fez “Mauá - O imperador e o rei” e “Zuzu Angel”, Emílio participou do seu anterior ‘Em nome da lei’, de 2016, e Esther estava na série “Questão de família”, do canal GNT.

Como um recurso para contextualizar a história para as novas gerações, o diretor Sérgio Rezende abre “O paciente - O caso Tancredo neves” com cenas de arquivo de multidões na rua nos atos da Diretas Já, incluindo um depoimento do cantor e compositor Cazuza, e encerra com mais gente ainda acompanhando o cortejo fúnebre de Tancredo. “Eu quis mostrar, principalmente, como ele foi um político que conseguiu unir a população na esperança e na dor”, destaca, contando que, além de arquivos jornalísticos, usou cenas de “O sonho não acabou” seu primeiro longa, de 1982, e de “Céu aberto”, de João Batista de Andrade. Sobre Cazuza, Sérgio conta: “Aquela cena entrou aos 47 minutos do segundo tempo. O filme já estava montado quando assisti a um documentário sobre o Barão Vermelho e vi aquele depoimento, que ele deu assim que acabou o show no Rock in Rio. Se encaixou perfeitamente, pois, naquele momento, era a juventude que estava nas ruas”.

Com exceção das cenas de multidão, em que é possível ver a emoção e sofrimento das pessoas, Sérgio diz que seu filme é “seco, sem música ou apelo emocional”. Ele acrescenta ainda: “Tanto que o David Tygel, meu velho parceiro, fez uma trilha discretíssima, apenas recriou a música de abertura e fez algumas passagens de cena. Mas há sons interessantes criados por ele, como o de uma respiração ofegante que, na verdade, foi feita com um acordeon sem tocar a nota”.

Mesmo com essa preocupação com a neutralidade do filme, Sérgio diz que não é possível escapar de algo emocional nem de uma catarse quando se revive coisas do passado. “O que se vê no rosto das pessoas na rua não é o filme que induz, aquilo estava realmente lá”, afirma. Um desses momentos de catarse certamente acontece nas cenas finais, quando entra a voz de Milton Nascimento cantando “Coração de estudante”, considerado o hino das Diretas Já e que acabou muito ligada à figura de Tancredo.

O diretor considera “O paciente - O caso Tancredo Neves” um filme mais próximo da vida do que do cinema. Ele explica: “Usei uma única lente e, de 150 cenas, cem foram feitas num só plano. Os atores iam fazendo e nós documentando dramaticamente. Por isso há momentos em que, por exemplo, a Esther fica de costas para a câmera, em um momento forte, quando entra em confronto com o doutor Pinotti. Aquilo ficou tão verdadeiro que decidi deixar como estava”.

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Paulo Betti como Henrique Pinotti e Emílio Dantas como Antonio (Foto: Divulgação)


Questionado como o Brasil poderia ser diferente caso Tancredo tivesse sobrevivido e assumido o poder – o que foi feito por José Sarney –, Sérgio diz que ele fez falta, decididamente, na Constituinte. “O sonho dele era aquela Constituinte, que acabou sendo feita sem a sua participação. Mais que o governo, era onde ele teria um papel fundamental. E, em relação ao país, o que se perdeu de mais importante foi a esperança. Sua figura de conciliador faz muita falta hoje em dia”, afirma. E ressalta que, atualmente, o perigo está na descrença geral na Democracia: “As pessoas dizem que não vão votar porque não adianta. Ou pior, acham que o que falta é a volta de um governo autoritário”.

Sérgio se diz satisfeito com a repercussão que o filme está tendo em pré-estreias e exibições para estudantes e grupos de pessoas de mais diversas áreas. O filme entra em circuito 20 dias antes do primeiro turno das eleições. “O objetivo é conversar com a sociedade. Ele é apartidário, mas não deixa de ser uma reflexão sobre o nosso país”, analisa.

Divulgação - Esther Góes interpreta Risoleta Neves, companheira que não sai do lado de Tancredo em nenhum momento
Divulgação - Othon Bastos como Tancredo Neves
Divulgação - Paulo Betti como Henrique Pinotti e Emílio Dantas como Antonio