Neste último final de semana, aconteceu no Rio de Janeiro, na Zona Portuária, a 15°edição da Feira Preta, que anualmente acontece em São Paulo e este ano tem uma edição extra no Rio pela primeira vez. A Feira Preta é um espaço, como a própria organização apresenta, onde é possível expôr toda a produção afroempreendedora ou iniciativas afro-criativas, na moda, cosmética, culinária, na música, enfim, é um espaço para se lançar e conhecer tendências que vão influenciar e compôr a estética afrobrasileira.
O evento ocupou o Museu de Arte do Rio e seu entorno, com expositores e com painéis importantes, que mostraram como os temas ligados às questões da negritude são fundamentais e imprescindíveis, mais do que nunca neste momento. Temas que passaram pela transição capilar ao chamado Black Money. Sim, porque a maior parcela da população brasileira também apresenta números vultuosos quando se trata de consumo, e é necessário fazer com que esse dinheiro circule cada vez mais entre os empreendedores negros e negras, e que espaços como a Feira Preta, possam acontecer com mais efetividade.
Um dos painéis intitulado Ecossistema Afroempreendedor falou sobre as iniciativas que juntam estes empreendedores e em como dar-lhes cada vez mais oportunidades de qualificação e acesso a tecnologias. O racismo estrutural evidenciado nas relações sociais e nas estruturas da sociedade, resultando em práticas cotidianas de racismo institucional e racismo simbólico, para além dos casos de racismo de fato, estiveram presentes nas discussões.
A invisibilidade do homem e da mulher negra nas peças publicitárias, nas obras ficcionais, ou sua sub-representação, sempre de maneira subalterna ou humilhante, salvo em pouquíssimas situações, contribui para que, por exemplo, uma jovem não seja aceita em um posto de trabalho por manter a estética afro em seu cabelo. Esta prática faz com que não haja identificação e isso produz resultados nefastos na construção da auto-estima da população negra.
Aliás, esse é um tema quente porque como medir a competência técnica e a qualidade de um ser humano pela forma ou textura do seu cabelo por exemplo? E o pior, como este parâmetro mantém um contingente enorme de pessoas fora de postos de trabalho no Brasil ainda hoje. Muita coisa vêm mudando nesse sentido, mas é necessário que muita coisa mude ainda mais.
Possibilitar e criar mecanismos eficazes e eficientes para que os afroempreendedores, sejam de que área forem, acessem de maneira menos burocrática canais de crédito e microcrédito não é facilitar, é reparar. Os europeus que aqui chegaram após a libertação dos africanos escravizados, tiveram sua vinda estimulada e acesso a meios para adquirir propriedades, o que lhes deu a possibilidade de construir um caminho para suas futuras gerações.
Emblemática e simbólica a realização do evento no Rio de Janeiro que comemora 100 anos do surgimento do samba como o gênero musical e que é a marca da cidade e do Brasil, justamente na Zona Portuária que viu chegarem por aqui cerca de quase 1 milhão de escravizados no Cais do Valongo e deu origem à então Pequena África.
É preciso que cada vez mais se construam ou que se intensifiquem os canais de fortalecimento destas práticas empreendedoras. A população negra é mais da metade da população total do país, como empreendedores, ela chega a 50% daqueles que estão empreendendo hoje no Brasil. Não há mais ambiente para que se ignore esta realidade.
*Colunista, Consultora na ONG Asplande, Pesquisadora e Membro da Rede de Instituições do Borel