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Um rio que passa na minha porta

Miguel Paiva -
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Está difícil acordar neste país e nesta cidade com algum ânimo ou esperança. Ânimo para trabalhar, para investir, para insistir e para ter esperança. E como a esperança não depende só de você, mas dos outros também a situação se complica. O Brasil anda numa corda bamba frouxa e pronta para romper. Fomos tomados por um bando de pessoas sem propósito, sem projetos, pensando apenas em destruir aquilo que foi construído no passado. Isso não é andar pra frente e dessa gente não espero nada mesmo. Mas vai ser um atraso danado, apesar de pessoas que conheço e que respeito depositarem esperanças no Guedes e no Moro. Não dá pra desvincular. Eles fazem parte de um governo tosco, que não pensa, que não projeta que não tem futuro. Por mais bem intencionados que sejam (e eu duvido) não vai ornar. O projeto do Moro está cheio de furos (de balas?) e o do Guedes tem um viés (pra ficar no termo da moda) totalmente a favor dos bancos contra os pobres. As dívidas das empresas com o INSS foram totalmente esquecidas, inclusive pela imprensa. Ter esperança? Eu não tenho e vou me sentindo cada dia mais enfraquecido na capacidade de resistir. Já vivi muitas fases deste país em que a força permanecia. Hoje não. Talvez não tenha mais idade para isso. Faço o meu trabalho e é ele que me mantém ainda vivo.

Macaque in the trees
. (Foto: Miguel Paiva)

Tenho vontade de ir embora mas não é fácil. Tenho preguiça e também alguma coisa que, por mais frágil que seja, ainda me prende aqui. Sem falar em família, filhos e amigos.

A curiosidade para ver onde isso tudo vai dar se mistura com um medo de que não dê. Que tudo se atravanque e que desemboque numa situação ainda pior.

Ainda se morássemos numa cidade que nos acolhe e nos dá guarida, tudo bem, mas o Rio se transformou numa zona de guerra comandada pelas milícias e numa zona de destruição comandada pela incompetência da prefeitura e do estado.

Hoje mesmo onde moro está um caos. Vivo numa das áreas de IPTU mais alto e o panorama é de destruição. Minha rua vira um rio quando chove e traz lá de cima, de onde moram outras muitas pessoas, os restos de uma destruição ainda maior. Vejo passar na minha frente não só a memória de enxurradas antigas, mas vejo também a tristeza, o cansaço de quem ainda resiste diante de tantos crimes cometidos pela omissão. Uma cidade que sempre se disse maravilhosa virou horrorosa, abandonada e triste. Aquela "alegria" que o carioca tinha, apesar de tudo, agora não aparece mais. Nem deus, tão citado no passado é lembrado diante da crueza da realidade onde a fé não cabe mais.

Chegamos a um ponto de abandono e descaso que acho que seria justamente o caso de algum político mais atuante e confiável assumir para si essa batalha. Não deixar o Rio afundar. Fazer um programa de governo para as próximas eleições que só visasse isso. Tratar das chuvas e das encostas com sua população em risco. Sem mexer de modo radical nessa área não tem como as outras saírem do caos. O Rio precisa ser salvo e o Brasil rezado, sei lá, ser alvo de algum trabalho das inúmeras religiões que aqui existem para provar que uma força maior pode intervir. Eu não credito. Acredito na força do homem em geral, porque a minha anda combalida.

Como chegamos a esse ponto? O que fizemos de errado, como dizem os pais? Será que fomos nós que erramos ou o mundo é assim mesmo e as ilusões humanistas estão indo para o bueiro? Espero que esse bueiro esteja entupido e que alguma esperança não escoe para sempre.