ASSINE
search button

Festa Pobre

Miguel Paiva / JB -
Compartilhar

Foi o Ciro Gomes que disse que Bolsonaro quer comemorar 1964 porque não sabe o que fazer com o Brasil de 2019. É verdade. Quem olha muito pra trás acaba batendo de cara no poste, já dizia minha avó. Festejar golpes, tomadas de poder e revoluções é meio perigoso. Tirando as poucas e autênticas revoltas populares que não foram manipuladas depois é difícil achar uma que mereça a festa. Normalmente acontecem para exaltar as armas construídas e os exércitos bem ensaiados na parada. Tentem deixar o povo espontaneamente ir para as ruas festejar. Não vai. A ideia da volta dos militares que surgiu nas manifestações de 2013 foi levada adiante por alguns gatos pingados que talvez fossem os mesmos que iriam para as ruas hoje. O povo quer paz longe dos ditadores. Os próprios militares moderados estão desconfortáveis com essa ideia de jerico, 55 anos depois. Boa parte do Brasil nem lembra ou nem ficou sabendo apesar de fazer parte dos livros de História.

Macaque in the trees
(Foto: Miguel Paiva / JB)

A insistência em chamar o golpe de revolução já mostra o erro. Revolução tem que ter o povo nas ruas e mudar de fato o sistema. O que vimos? O povo em casa e o sistema se deteriorando com o passar dos anos. Vivemos nos anos 1970 um período construído artificialmente chamado de "milagre econômico" que mostravam apenas números. A pobreza continuou, os megaprojetos ( ditaduras adoram megaprojetos) não foram adiante e os que foram viraram, na maior parte, elefantes brancos deixando vestígios de abandono e crise social. Vide Angra dos Reis, Transamazônica e Itaipu, a única que foi adiante mal e porcamente. A roubalheira imperava e só parecia que não porque não ficávamos sabendo. A imprensa era censurada, fiz parte dela, e a informação circulava com muita dificuldade na era pré- internet. Hoje sabemos de tudo, o tempo todo, seja verdade ou mentira.

A cultura, a produção artística e as liberdades foram caladas e aprisionadas. Olhando hoje para trás, apesar de trágicas, as medidas também parecem ridículas. A censura aos jornais e aos espetáculos era patética. No Pasquim, mesmo com dificuldades, conseguíamos enganar a cabeça oca do censor. No caso, um general que recebia os redatores na praia ou na sua garçonière em Copacabana.

Criou-se bastante na época porque dava muito mais trabalho. É bem melhor criar sem censura, não há dúvida.

Mas o buraco era mais embaixo. Pessoas morreram nas ruas ou nos porões da ditadura. Um preço alto demais para um objetivo fraco e submisso aos interesses americanos. Hoje é igual com os sonhos bélicos e imperialistas do Trump apoiados por seguidores infantilizados achando que o mundo é uma Disney. Não boto minha mão no fogo pelas ideias do Trump e sua turma. É que hoje é mais difícil que essas ideias vinguem. É mais fácil a vigilância. É o que nos salva de agora termos que aguentar um bando de saudosistas não muito convencidos ou convincentes festejando um evento de horror que só deve ser lembrado para não ser repetido. Esse é o papel da História. servir de ensinamento e não de motivo de festa.

Acho que o povo merece ser feliz e não ser usado como massa de manobra desse eventos que passam longe dos sonhos populares. A pessoa que quer a volta da ditadura certamente é uma pessoa doente, mal informada ou mal intencionada. Quer tirar proveito de uma situação que vai favorecer a um grupo somente se for mal intencionada. Vai na onda dos palanques eleitorais se for mal informada e quer ver o circo pegar fogo e matar todos esses comunistas se for doente.

Portanto, como dizia Bertold Brecht, infeliz o país que necessita de heróis. Infeliz o país que precisa festejar golpes de estado ou mesmo tomadas de poder sangrentas e autoritárias. Feliz é o povo que não precisa festejar nada disso, só uma nossa senhora de Aparecida aqui e um réveillon ali, além da cair na farra no Carnaval. Pra mim está bom assim.