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Nas paredes do Bar Lagoa

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Os garçons e os autores no mural do mural
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Amanhã vai ter festa no Bar Lagoa. Será inaugurado o painel que homenageia os garçons do bar e a própria Lagoa Rodrigo de Freitas. O tríptico mede 5,10 m de largura por 1,00 m de altura e foi criado por mim e pelo Renato Aroeira e pintado a óleo em tela pelo Gabriel Souza, craque dos pincéis. Os garçons mereciam.

O Bar Lagoa está completando 85 anos e agora junta à sua lenda, à sua tradição, à sua arquitetura, um painel pintado no século 21. Quer queira ou não, se não deteriorar, nossa obra pode até entrar para a história, também.

Macaque in the trees
Os garçons e os autores no mural do mural (Foto: .)

Sem querer comparar as dimensões físicas ou de significado, não deveria nem estar colocando no mesmo texto grandes murais e a nossa modesta contribuição na varanda do bar.

Mas eu adoro painéis. Das pinturas nas cavernas ao grafite, que paredes são pintadas contando alguma coisa. Há muitos anos, quando morava na Itália fui contratado para pintar um painel numa confeitaria na pequena cidade lombarda de Rho, perto de Milão. O painel devia medir 2,00 m por 1,20m e parece que resiste até hoje. A Itália aliás abriga painéis, afrescos e murais extraordinários. Começando pelo teto da Capela Sistina que foi restaurado há pouco e causa admiração e torcicolo ao visitá-lo. É uma obra definitiva de Michelangelo, assim como "A última ceia", de Leonardo Da Vinci, na parede da igreja Santa Marie delle Grazie, em Milão.

Na Universidade do México, existe um mural pintado por Diego Rivera, enorme, na lateral de um dos prédios. Nele está contada parte da História da América Latina sob o jugo dos espanhóis. Lá no meio, um militar opressor com cara de sapo. É Juan Ponce de Leon, meu antepassado, descobridor de Cuba e da Fonte da Juventude na Flórida e pirata sanguinário que, até morrer por conta de uma flechada em Cuba, explorou ao máximo os nativos das Américas. Estou eu lá, de novo, de forma indireta e nada gloriosa, no mural do Rivera. O mesmo Diego Rivera foi contratado para pintar um mural no Rockefeller Center em Nova York nos anos de 1930 e que acabou sendo demolido, pois criticava o capitalismo na sede simbólica do mesmo nos EUA. Foi acusado de comunista e teve que partir levando junto à sua mulher, Frida Kahlo, que, além de ser uma pintora extraordinária, flertou com Trotsky e a Revolução até a morte dele.

Na mesma Nova York, pude apreciar duas telas imensas em todos os sentidos. "Guernica", de Picasso, que antes de ir definitivamente para a Espanha ocupava uma sala do MoMA e causava um impacto enorme ao sair do elevador e dar de cara com tamanha força e beleza. A outra, no hall de entrada do Whitney Museum, uma tela gigantesca de Roy Lichtenstein que redimensiona literalmente toda a Pop Art.

São todas obras enormes, não só no sentido do espaço que ocupam. São enormes na beleza, na memória e na História. Assim também é o mural que Ziraldo pintou no falecido Canecão. Uma parede vazia e branca e um desenhista completamente ousado que saiu pintando suas alegorias existenciais no muro de um bar. É aí que nos parecemos, mas só na localização. O mural do Ziraldo pode estar entre esses todos que citei aqui sem medo. Estive com ele em 1967 enquanto pintava e meu amigo Rodolfo Neder filmava a saga. Ziraldo deixou sua marca na História como todos os outros. Parece que o mural também resiste e um dia poderá ser restaurado e admirado por todos. Que seja.