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Escola democrática

Miguel Paiva -
Escola democrática
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Uma escola sem partido por decreto acaba sendo uma escola com partido. Estudei no Colégio de Aplicação da UFRJ boa parte dos anos 1960. Foi uma experiência definitiva na minha vida. Entrei no colégio um menino frágil de 12 anos, gago e inseguro e saí de lá pra vida, preparado para começar a enfrentar o mundo adulto. O CAP ensinava sobretudo a pensar. Fui do tempo em que se podia escolher entre clássico e científico. Como tinha ido bastante mal o ginásio inteiro em Matemática acabei escolhendo o clássico. Saí no final do segundo ano e comecei minha vida como cartunista. O colégio começava a perder sua autonomia por conta do agravamento da situação política do país. Não era, certamente, um exemplo de escola sem partido. O nosso partido era o da liberdade de expressão, de ensino e de aprendizado. Saíamos de lá gostando de ler , de aprender, de estudar e de criar, no meu caso. Convivíamos com todo tipo de pensamento e entendendo que na vida praticamente tudo passa pela política.

Macaque in the trees
Escola democrática (Foto: Miguel Paiva)

Uma vez descobriu-se que o professor de Sociologia parecia ser informante do Dops (talvez só uma especulação) e que andava armado (uma constatação). Fizemos uma greve, denunciamos abertamente o professor que em seguida foi afastado. Vivíamos entre o medo e a determinação. Antes do AI-5, isso era mais fácil. Por outro lado, tivemos que responder a um inquérito do Dops dentro do colégio. Dizem que foi a primeira vez que isso aconteceu. O Dops entrando numa escola e interrogando menores. Tudo por causa do nosso jornal “A Forja”.

O número que estávamos preparando havia sido quase todo censurado pela direção do colégio. Decidimos lançar o jornal com os espaços em branco e os artigos censurados impressos em mimeógrafos encartados no jornal. Foi um ato de rebeldia que acabou sendo fortemente combatido pela repressão. Eu havia escrito um artigo sobre os efeitos do LSD, que começava a ficar famoso na época. Não era um artigo político. Outros artigos falavam de outros assuntos que não interessavam a quem era contrário ao conhecimento, ao aprendizado e à informação. Esse inquérito faz parte da minha ficha no Dops à qual tive acesso depois de anos, quando os arquivos da repressão foram abertos por determinação da Justiça.

Não era um subversivo, nunca fui organizado e sempre achei que minha forma de combater a ditadura era o meu trabalho de cartunista. Isso incomodava e isso acabou me perseguindo por boa parte da minha juventude. Era eu que saía de um colégio aberto, livre, um colégio público em tempos de ditadura. Na minha época, para entrar se fazia uma espécie de vestibular. Muito difícil. Mas eu passei. Fui o penúltimo dos excedentes que haviam obtido média acima de 5. Por conta de um mandado de segurança fomos admitidos. Eu adorei. Era o que queria. Uma escola perto de casa- que, segundo Ivan Illich, o grande teórico da educação, é a melhor escola - e na beira da Lagoa. Era um burguesinho metido, nada que uma boa escola com partido não pudesse corrigir. Na primeira prova de Matemática, na primeira série do ginásio tirei 1, e por generosidade do professor. Apesar da Matemática, foi o melhor período de educação da minha vida. Foram anos difíceis mas que valeram a pena. Continuo sem partido, mas um ser político. Tenho um modo de viver e de pensar. Isso eu devo boa parte à essa escola que frequentei.