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Os novos cruzados

Miguel Paiva -
Cruzadas
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Truculência e religião quando andam juntas me remetem direto ao tempo das Cruzadas e da Inquisição. Em nome de um deus, a violência se tornou linguagem e padrão. Na Inquisição, pessoas eram queimadas, mulheres perseguidas e a bruxaria virou uma espécie de “comunismo” de hoje a ser combatido para justificar a repressão a qualquer avanço da ciência. Manter os dogmas cristãos era a missão e, para isso, valia tudo. Para combater os povos muçulmanos, os cruzados usaram a violência como palavra de Deus, e derrotar quem pensava diferente.

Macaque in the trees
Cruzadas (Foto: Miguel Paiva)

A religião radical, evangélica ou não, hoje se impõe não pela divulgação do amor ou do espírito cristão. Se impõe literalmente sem reservas através da televisão, das redes sociais e dos cultos que parecem leilões de almas. O Papa Francisco lembra mais um personagem de histórias infantis. O bom velhinho que ama a todos. A igreja hoje é mais do que pop, é bélica e está disposta a tudo para se firmar como grande doutrinadora e detentora do poder político e econômico.

Um presidente eleito transformar seu primeiro gesto público numa oração de mãos dadas, conduzida por um político investigado, fez tudo parecer meio assustador. Tenho medo disso. Tenho mais medo disso do que do Trump que, por mais pirado que seja, é presidente de um país com instituições sólidas. A solidez das instituições brasileiras gera sempre desconfiança. Se foram construídas pelas mesmas empreiteiras fraudulentas que atravessam o material e usam areia ao invés de cimento, estamos mal.

Assistir a um futuro ministro destratar e botar banca com uma repórter argentina que lhe perguntou sobre o Mercosul é, antes de tudo, um gesto covarde e depois usa uma linguagem que não tem a ver nem com a modernidade nem, muito menos, com aquela oração mostrada depois da vitória. Afinal esse deus é bom ou não? Deus é justo ou vingativo? Deus é parceiro ou interesseiro? Lembrei também do esquecido General Newton Cruz agredindo fisicamente o repórter atônito que o entrevistava nos estertores da ditadura.

Acho que devemos nos preparar para estes absurdos que permearão a mídia. Além das decisões concretas que nos ameaçarão, morro de medo e de vergonha desse espetáculo paralelo que será o folclore do governo. São pessoas que usam a truculência como licença para entrar em qualquer lugar, em qualquer decisão, em qualquer instituição. Tomara que a violência esfrie com o passar do tempo e a sedução do poder influencie quem está lá. O poder é sedutor, é fascinante e se for vivido com esperteza pode durar muito tempo e trazer muitas compensações. A violência só traz tensão e mais violência. Ninguém aguenta manter o poder debaixo de violência o tempo todo. A História está aí para nos mostrar isso.

Botar banca é coisa de malandro, de manipulador que assusta porque não tem ou não sabe o que dizer. O que devem estar esperando e pensando de nós lá fora? Não vivemos isolados do mundo e contar só com o Trump não vai resolver. O Trump sozinho não é ninguém. Para se transformar num Maduro se isolando do mundo, então que seja autoritário, mas que tenha um comprovado viés popular para se sustentar. Será que eles têm? Será que querem parecer o Maduro? Veremos.