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A crise na agroindústria e a fome

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Na coluna de ontem abordei como a retração do consumo de combustíveis desorganizou o mundo do petróleo. As estranhas operações a preços negativos nos mercados futuros de petróleo (o de WTI, americano, e o Brent, do Mar do Norte, que serve de referência à fixação do preço, com desconto, dos petróleos brasileiros) são apenas a ponta do iceberg do que bem ocorrendo em várias cadeias de produção com a súbita retração do consumo.

Tudo está incerto porque a duração e a intensidade do isolamento ficam imprevisíveis diante da inexistência de vacinas ou tratamento eficaz contra o Covid-19, que ainda ameaça recidiva em indivíduos que antes se julgavam imunes por terem sobrevivido ao novo coronavírus, a suspeita levantada por pesquisadores nos Estado Unidos.

Hoje, o “New York Times” cita um relatório do American Enterprise Institute que aponta quatro premissas para a flexibilização do isolamento a ser tomada por alguns estados nos Estados Unidos: os hospitais do estado devem poder tratar com segurança todos os pacientes que necessitam de hospitalização, sem recorrer a crises padrões de atendimento; o estado precisa ser capaz de, pelo menos, testar todos os que têm sintomas; o estado é capaz de realizar o monitoramento de casos e contatos confirmados; e deve haver uma redução sustentada nos casos por pelo menos 14 dias.

Não é simples e segura a reabertura, sob pressão dos empresários do comércio e do setor de serviços no Brasil

Salvação do porco, desgraça de muitos

Calma palmeirenses, a bola continua parada. O campo é outro. Na coluna também falei sobre a retração no comércio apontada pela GetNet, subsidiária do Santander, e questões pontuais na agricultura brasileira. Vejam o que aconteceu com a Tyson Foods, gigante dos frigoríficos dos EUA, um dos maiores rivais da brasileira JBS, que também atua em terras de Tio Sam, como a nossa Marfrig.

Depois que China e EUA fecharem o acordo comercial em janeiro, os frigoríficos americanos estavam afiando as facas para exportar mais carne de porco (que ocupava 43% na mesa dos chineses e precisava de importações para compensar a perda de 40% do rebanho doméstico atingido pela peste suína africana), ao lado de mais embarques de carne bovina e de frango - segmentos em que os nossos frigoríficos lideram as exportações mundiais.

Hoje, a Tyson anunciou que fecharia a sua maior unidade de abate e processamento de suínos, em Waterloo, estado de Iowa, pondo fora de combate 2.800 trabalhadores, numa sequência de fechamentos de frigoríficos e abatedouros em todo o país, diante da disseminação do Covid-19 entre os trabalhadores. Segundo o NYT, gigantes como Smithfiel, JBS e Hormel também tiveram de parar os abates.

Os ecologistas e veganos podem festejar, mas o fato é que milhares de produtores agrícolas, caminhoneiros, distribuidores e clientes independentes, como mercearias são afetados. No Brasil, vários frigoríficos também fecharam porque a Covid-19 atingiu os funcionários. E as projeções dos analistas são de que o hábito da cerveja e do churrasco no fim de semana vai cair muito no Brasil.

Perda de alimentos e aumento de fome

A fome no mundo enquanto a produção agrícola bate recordes sucessivos em vários países, como Brasil, EUA e Argentina é a face cruel da má distribuição de renda global. Mas os impactos do novo coronavírus estão levando a FAO, a divisão das Nações Unidas que cuida de mitigar a fome no mundo, a fazer previsões sombrias.

Segundo Arif Husain, economista-chefe da FAO, situações como o agravamento dos problemas de distribuição de alimentos e o temido aumento do desemprego podem praticamente dobrar o contingente de atendidos pela organização em todo o mundo, dos atuais 135 milhões para 265 milhões de bocas famintas.

Ele teme explosão na África e na Índia, Bangladesh e países periféricos. Tomara que esteja certo. Minhas previsões (se contarmos a duplicação da miséria no Brasil) é de que vamos ter quase 400 milhões ameaçados em sua segurança alimentar.

As voltas que o mundo dá

Vocês lembram da Fannie Mae e da Freddie Mac, as duas agências oficiais americanas de hipotecas que foram o estopim da crise financeira mundial de 2008, quando o mercado de sub-prime de hipotecas explodiu e jogou o mundo em recessão por quase dois anos?

Pois bem, 11 anos depois ambas estão recuperadas. Houve arranjos nos EUA para diluição dos contratos de hipotecas em vários anos, salvando as famílias e os bancos e companhias imobiliárias que não tinham para quem vender os imóveis retomados.

Mas a intensidade da crise da Covid-19 é tão forte que nesta quarta-feira, 22 de abril, a Agência Federal de Financiamento à Habitação, anunciou novo plano para evitar que o estouro seja ainda maior agora, com o aumento da inadimplência dos proprietários de imóveis afetados pela pandemia de coronavírus.

A agência vai permitir que as companhias hipotecárias transfiram empréstimos recém pactuados, mas que ficaram inadimplentes, para a Fannie Mae e a Freddie Mac.

Mundo do glamour atingido

Como não podia deixar de ser, o mundo do consumo de luxo também foi atingido pela revisão geral de conceitos que o isolamento vertical está levando a humanidade a repensar seu estilo de vida.

Entre os atingidos estão a famosa rede de lingerie Victoria’s Secret e a Pink. As duas lojas de luxo, controladas pela L Brands, seriam vendidas à gestora de investimentos Sycamore Partners, que ficaria com 55% das ações da L Brands, como anunciado em fevereiro, com previsão de fechamento do negócio em julho.

Mas em processo que corre na justiça do estado de Delaware, a Sycamore acusou a L Brands de ter violado certos aspectos do acordo e feito projeções que se revelaram irreais, com sua resposta à pandemia.

Em termos diretos, a Sycamore disse que o fechamento temporário de quase todas as lojas Victoria's Secret e Pink, a licença para a maioria dos funcionários, os cortes salariais para funcionários mais idosos e a falta de pagamento de aluguel nas lojas nos EUA em abril, deixaram a Victoria's Secret "selada" com mercadorias de "valor muito reduzido".

Resultado: as ações da L Brands caíram mais de 20% na Bolsa de Nova Iorque.

Para terminar, uma boa notícia: diante da retração do mercado de luxo, a canadense Ganso anunciou que vai parar de comercializar peles de animais.