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Especulação derruba petróleo além do normal

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A pandemia do novo coronavírus (Covid-19) mudou os hábitos das sociedades e provocou forte queda na mobilidade humana, reduzindo drasticamente o consumo de combustíveis derivados de petróleo. Os preços do barril de petróleo já caíram mais de 60% este ano. Mas o que dizer da queda, nesta segunda-feira, 20 de abril, de quase 40% nas cotações do contrato futuro para entrega em maio do petróleo WTI, produzido no Texas (EUA) e negociado pouco acima de US$ 10?

A queda é estranha porque nos contratos futuros para entrega em junho o WTI estava sendo negociado mais alto (em torno de US$ 23, com queda de 22%) e o petróleo do tipo Brent (do Mar do Norte, que sempre teve melhor cotação), para entrega em junho estava sendo negociado na faixa de US$ 26,54 (-5,5%)? Cada tipo de petróleo tem uma cotação pela viscosidade, se é mais leve (gera mais combustíveis nobres no refino) ou mais pesado (o brasileiro).

A explicação está ligada a meras especulações no mercado futuro da Bolsa de Mercadorias de Nova Iorque (Nimex na sigla em inglês), pois amanhã, terça-feira, vence o prazo de renovação dos contratos futuros. O mercado de petróleo como um todo está abalado com a redução/sobra de mais de 30 bilhões de barris-dia no consumo mundial com a suspensão de boa parte dos voos de avião e a forte queda do tráfego de automóveis, ônibus e caminhões nos mais de 170 países atingidos pela Covid-19.

O acordo de redução de 9,7 milhões de barris-dia pela OPEP+ (os membros da OPEP, mais Rússia, Estados Unidos, Canadá, México, Noruega e Brasil) começa para valer em maio (embora a Petrobras já tenha cortado sua produção em quase 400 mil barris este mês, por falta de mercado para exportação e no consumo doméstico.

A instabilidade é tão passageira, fruto da queda de braços entre comprados e vendidos no mercado futuro da WTI na Nimex que as ações da Petrobras caem hoje, mas bemo menos que as de empresas americanas que operam forte no shale gas (cuja extração fica antieconômica com o barril abaixo de US$ 30). Por volta das 12:30, Petrobras ON subia 0,06% na B3, negociada a R$ 16,71; já os papéis PN caíam 1,36%, cotados a R$ 15,91.

Nos EUA, cautela sobre quando e o como abrir

O "New York Times" de hoje traz um interessante artigo do médico David A. Kessler, que foi comissário da Food and Drug Administration de 1990 a 1997. Ele diz quase o mesmo que aqui, defendendo um novo contrato social. Vejam:

“Todo mundo quer que o país volte ao trabalho, escola e juntos novamente o mais rápido possível. Na sexta-feira, o governo Trump anunciou que quer fazer isso em fases e permitir que cada governador tome a decisão quando e como reabrir. Mesmo assim, o vírus continuará se escondendo nas pessoas que não sabem que estão carregando e espalhando-o para outras pessoas que ficarão doentes com o Covid-19”.

“Precisamos enfrentar esse fato: retornar à nossa velha realidade será um processo lento e frustrante que levará muitos meses e exigirá poços profundos de paciência. Não seremos totalmente livres até que tenhamos uma vacina. Então, como vamos navegar neste terreno perigoso?”

Ele cita pesquisa de epidemiologistas de doenças infecciosas, liderados por Gerard Chowell, da Georgia State University, que calculou a necessidade de redução de “65% em nossos contatos sociais frente a fase pré Covid-19. Na visão dos epidemiologistas, “assim, chegaremos ao ponto em que cada infecção existente causa menos de uma nova infecção. Isto é o que os epidemiologistas chamam de R (para reprodução) abaixo de um. Só então o número de infecções começará a diminuir, e podemos controlar a epidemia”.

“Atingir esse grau de proteção social exigirá uma nova cláusula em nosso contrato social, que significará menos contatos com outras pessoas e uso de equipamentos de proteção. Assim como obedecemos às leis mais básicas para proteger todos nós, todos precisam aceitar a responsabilidade não apenas pelo nosso círculo de amigos, familiares e colegas, mas pela comunidade em geral. Nosso comportamento coletivo será o principal determinante para mantermos esse vírus sob controle. Cada um de nós tem a saúde de nossos vizinhos em nossas mãos”.

Tudo não voltará ao normal

A afirmação do médico americano vem de encontro à tese de sociólogos e economistas de que as relações familiares e a própria divisão de tarefas do mundo globalizado DC-19 nunca mais serão como AC-19.

O Bradesco tem um anúncio otimista que fala da reinvenção do modo de trabalhar (em “home office”) e se conectar na sociedade, incluindo a relação de empresas e clientes/consumidores, para arrematar: “e tudo voltará ao normal”.

É, como dizem os ingleses, wishful thinking, um desejo manifesto ilusório. Em “conference call” conduzida pelo ex-presidente do Banco Central, Ilan Golfajn, atual presidente do conselho do Credit Suisse, com os presidentes dos três maiores bancos privados do país, na semana passada, o presidente do Bradesco, Octávio de Lazari Júnior, revelou que 40 mil funcionários do 2º conglomerado bancário privado do país estão operando em “home office”. Como o grupo tinha 97 mil funcionários em fins de 2019, isso representa mais de 40% da força de trabalho.

Depois de uma experiência de dois meses em “home office” e em relação remota entre clientes e bancos (via canais eletrônicos, sobretudo via smartphones), será claro - como disse Candido Bracher, do líder Itaú - que o negócio bancário vai mudar. O processo de fechamento de agências nos bairros tende a aumentar, com enxugamento das máquinas dos bancos.

Mais lojas vão fechar

Como milhares de lojas estão fechando (decisão da Renner, controlada pelos bancos JP Morgan e Schroder), o contingente de bancários afastados vai engrossar a fila dos desempregados nas atividades de comércio e serviços. Se der uma ida ao supermercado, à padaria e à farmácia, perceba as lojas que já fecharam definitivamente à sua volta. É de assustar.

Em condições normais, os conglomerados bancários poderiam (através de empresas coligadas como seguradoras) fazer incorporações imobiliárias em agências próprias (o Bradesco criou a Bradseg Participações para isso). Mas a retração do mercado corta essa possibilidade nos próximos dois anos.

Juros em queda livre

Diante da realidade, a pesquisa Focus realizada pelo Banco Central, com respostas de 100 pesquisados, entre instituições financeiras, consultorias e institutos de pesquisa, indicou forte queda no PIB e nas expectativas de inflação e juros. Mesmo com o FMI prevendo queda de 5,3% no PIB brasileiro este ano, a média das respostas colhidas até sexta-feira, 17 de abril, aponta recessão de apenas 2,96% (na semana anterior a queda prevista era de 1,96% e há um mês o mercado esperava crescimento de 1,48%).

Com as condições adversas que queda simultânea de demanda e oferta, o mercado agora espera queda da inflação, para 2,23% (há um mês era de 3,04%) e redução da taxa Selic dos atuais 3,75% ao ano para 3% (3,25% na pesquisa da semana anterior). O Itaú já espera queda para 2,50% até dezembro (já na reunião do Copom em junho), com o nível mantido até setembro de 2021, quando subiria até 3% em dezembro.

Mas no encontro da semana passada no Credit Suisse, Cândido Bracher chegou a falar de Selic a 2%. A conferir.