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O Fed vai à rua para salvar empresas

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Os Estados Unidos atingiram ontem, quarta-feira, 15, o recorde de 22 milhões de pedidos de seguro desemprego em apenas quatro semanas de inação econômica devido às medidas de isolamento para conter a pandemia do novo coronavírus (Covid-19).

Diante da maior recessão da história, o Federal Reserve, o Banco Central dos Estados Unidos, anunciou nesta quinta-feira, 16 de abril, a criação de um Programa de Empréstimos na Rua Principal (Main Street) para apoiar créditos a pequenas e médias empresas que estavam em boa situação financeira antes do início da pandemia do COVID-19. O programa funcionará através de duas modalidades: a Nova Instalação de Empréstimos da Main Street (MSNLF) e a Instalação de Empréstimos Expandidos da Main Street (MSELF).

Para implementar o Programa, um dos 12 bancos do Sistema da Reserva Federal criará um veículo para fins especiais (SPV) para comprar participações de 95% em empréstimos originados por credores qualificados. Os credores reterão 5% dos empréstimos. Os programas são destinados a atender empresas com até 10 mil funcionários e cujas receitas chegaram até US$ 2,5 bilhões no ano passado.

Depois de abrir trilhões de dólares em linhas de crédito para que os bancos recomponham a liquidez de suas carteiras e refinanciem operações dos grandes tomadores de crédito, o Fed foi à rua, reconhecendo que as atividades de serviços (o setor que mais gera emprego e renda nas atividades de comércio, turismo, lojas de prestação de serviços, como salões de beleza, academias de ginástica, restaurantes cabeleireiros, entre outras) são as que mais precisam de ajuda.

Os EUA têm 50 estados, mas só nos principais polos econômicos, concentrados em 12 estados, há um banco da Reserva (os principais são o de Nova Iorque, Boston, Saint Louis, Califórnia, Dallas, Richmond, Philadelphia, Chicago e Atlanta). O Fed da Califórnia, o estado mais rico do país, estende sua atuação aos estados de Washington, onde fica Seattle, sede da Amazon, da Microsoft e da Boeing, do Alasca, além do Havaí.

Os empréstimos terão vencimento em quatro anos com carência de 12 meses para pagamentos de principal e juros. Os credores elegíveis podem originar novos empréstimos (no MSNLF) ou aumentar o tamanho de (ou "ampliar") empréstimos existentes (no MSELF) feitos a empresas elegíveis.

O Federal Reserve e o Departamento do Tesouro dos EUA reconhecem que as empresas variam amplamente em suas necessidades de financiamento, principalmente no momento. À medida que o Programa estiver sendo finalizado, o Federal Reserve e o Tesouro continuarão a buscar e considerar a contribuição de credores, mutuários e outras partes interessadas e farão esforços para ampliar o alcance do Programa para apoiar os empréstimos a pequenas e médias empresas como efetivamente e eficientemente possível, além de proteger os fundos dos contribuintes.

No Brasil, o Banco Central ainda segue tímido

Uma simples conferência nas páginas do Fed e do Banco Central do Brasil - que, diga-se de passagem, é dos órgãos mais ativos na adoção de medidas em socorro da economia - dá para ver que nos Estados Unidos as ações se multiplicaram bem antes do BCB abrir sua caixa de ferramentas.

O primeiro discurso do presidente do Fed, Jerome Powell, alertando para os riscos do Covid-19 na economia mundial foi feito em 15 de março (um domingo), quando anunciou um amplo programa de coordenação com os principais bancos centrais do mundo (Banco Central Europeu, Banco da Inglaterra e Banco do Japão, do Canadá e da Suíça) para espalhar liquidez de forma coordenada.

Na esteira, criou linha de crédito para suporte aos bancos centrais de países emergentes, cabendo US$ 60 bilhões para o BCB refinanciar os bancos e empresas brasileiras que tiveram interrompidas (como na crise de 2008-09) linhas de crédito dos mercados financeiros internacionais. Desde o dia 15 de março, o Fed tomou mais de uma medida por dia útil. A última foi hoje. Na véspera abriu linhas para recomprar papéis de dívida de estados e municípios.

O nosso Banco Central começou a abriu a caixa de ferramentas dia 16 de março, quando o Conselho Monetário Nacional criou linhas especiais de créditos de liquidez aos bancos (a partir do socorro do Fed) e liberou recolhimentos compulsórios sobre depósitos à vista e a prazo, além de ter reduzido exigências de provisões para devedores duvidosos.

As medidas de liberação de créditos somaram R$ 1,216 trilhão, o equivalente a 16,7% do PIB, quase cinco vezes mais do que na crise de 2008-09. Paralelamente, as diminuições de exigências de provisões aos bancos em relação ao comprometimento do capital liberaram outros R$ 3,2 trilhões aos bancos.

BC: “tem recursos suficientes para todos”

No bem ilustrado esquema em que procura sintetizar os impactos da crise nos bancos e na economia real (empresas, empregados e famílias), o Banco Central é peremptório:

“Na crise, os bancos precisam de recursos suficientes para poder emprestar e para refinanciar dívidas das pessoas e das empresas afetadas pela crise”.

E acrescenta: “Com a crise, a indústria e o comércio diminuíram as suas vendas e precisam de dinheiro para pagar os salários e fornecedores. Com as medidas do BC, os bancos têm recursos suficientes para todos”.

Só que não. A grita é geral. Os bancos não estão dispostos a abrir o caixa para quem já é freguês, quanto mais para empresas que não conhecem o histórico. Até porque, na disrupção causada pela pandemia, o passado não serve de aval para o futuro.

Os grandes bancos estão aproveitando a Resolução 4.788, para recomprar um volume maior de suas próprias letras financeiras. Ao explicar a resolução, o BC disse: “Com isso, os detentores desses papéis (em sua maioria, fundos de investimento) terão maior facilidade para resgatar os recursos aplicados, caso necessário. O percentual de recompra permitido passou de 5% para 20%, com potencial adicional de recompra de R$ 30 bilhões”. Como eu disse ontem, os bancos estão cuidando de si.

Se o Banco Central não os apertar, as linhas de crédito funcionarão mal, como já deixou claro o BNDES, que não encontrou disposição da banca privada para ser parceira na divisão dos riscos nas linhas de crédito para pequenas e médias empresas.

A propósito, seria bom que o BC informasse a quantas andam as operações do Programa Emergencial de Suporte a Empregos, que destinou R$ 40 bilhões (R$ 20 bilhões por mês) para o financiamento emergencial de folha de pagamento de pequenas e médias empresas. Nada menos que 85% dos recursos são provenientes do Tesouro Nacional e o restante dos bancos.

Em troca do crédito, a empresa que participar não poderá demitir trabalhadores durante o período que vai da contratação do crédito e o 60º dia após a empresa receber a última parcela. A medida tem o potencial de atingir até 12,2 milhões de empregados em 1,4 milhão de empresas. O valor máximo financiado por trabalhador será de até dois salários mínimos.

O que se sabem, no Brasil é que os bancos estão fechando as portas para os idosos e empresários e o Banco Central, encastelado em Brasília, precisa atravessar as ruas para forçar os bancos a assistir quem realmente gera emprego e renda.

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covid-19 | Fed