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É tsunami, não uma marolinha ou gripezinha

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Os dados da economia americana em março são de tirar o fôlego de qualquer um. A produção industrial do país de maior PIB do mundo (US$ 21,5 trilhões) encolheu 6,3% e as vendas do varejo despencaram 8,7%. É a maior queda desses indicadores econômicos em três décadas. Os impactos são maiores do que os da quebradeira do mercado financeiro americano de subprime em setembro de 2008. Não dá para dizer se supera os impactos da depressão de 1929-32, pois os Estados Unidos eram então um país mais rural que urbano.

Na China, segundo PIB mundial (US$ 14,5 trilhões), mesmo tendo o país - em circunstâncias ainda não comprovadas – dito que isolou o novo coronavírus (Covid-19) na província de Hubei (com 60 milhões de habitantes), onde surgiu o epicentro da crise, em Wuhan (11 milhões), houve quedas de quase 10% em março, porque as exportações (a grande força da economia chinesa) sofreram forte retração com o avanço do Covid-19 pela Europa, Ásia, África, Oceania e as Américas. Informações recentes são de retorno de ocorrências do Covid.

Na Alemanha, 4º PIB do mundo, após o Japão, o governo estima retração de 10% até abril. No Japão, a retração é formidável. O FMI fez ontem previsões catastróficas sobre as principais economias do mundo, com recessão de 3% na economia global e queda de 5,2%. Só China (+1,2%) e Índia (+1,9%) teriam resultado positivo entre as economias relevantes.

Nos EUA, o efeito do isolamento nos gastos dos consumidores foi o fechamento de lojas de costa a costa (os shoppings em quase todo o mundo estão fechados para evitar as aglomerações, que facilitam a propagação do vírus). O jornal “The New York Times” observa que os dados de abril podem ser ainda piores, porque muitos estados americanos não tinham fechado negócios não essenciais até o final de março ou início de abril.

Mas, enquanto as nações tratam de reforçar os sistemas hospitalares em meio à falta crônica de equipamentos e insumos (cuja produção nas duas últimas décadas foi deslocada para a China e a Índia (países com praticamente 1/3 da população mundial 2,8 bilhões de 7,7 bilhões - e que precisam atender às próprias necessidades domésticas de combate à pandemia), os países e as multinacionais, que foram os principais agentes dessa arriscada concentração da globalização, começam a fazer o ‘mea culpa’.

Há uma semana, o Japão anunciou que vai destinar US$ 2,2 bilhões para apoiar empresas manufatureiras a realocarem a produção para fora da China. Mais do que reduzir a perigosa dependência estratégica, a volta do conceito da produção feita em casa (made in country), pode ser a saída para a reativação econômica das principais economias.

A China e a Índia, que têm indústrias têxteis milenares e atraíram as grandes marcas de confecção de todo o mundo a produzirem mais barato “in China”, graças aos baixos custos tributários, trabalhistas e de crédito, ampliando os ganhos de escala dos chineses, não produzem apenas hoje a maior parte das máscaras, luvas, vestimentas, respiradores e remédios básicos (insumos químico-farmacêuticos).

Hoje, a China produz 60% do aço do mundo. Isso é feito com produção doméstica de minério de ferro (35% da produção mundial é chinesa). O Brasil fornece 60% de seu minério à China, mas sua produção (14,7% do mundo) perde longe para a Austrália (30%) quase vizinha, com custos logísticos menores. A liderança no aço favoreceu o avanço da China em bens de capital (segmento em que se destacam ainda Estados Unidos, Japão, Alemanha e Itália), automóveis (produzem quase 30% a mais que os EUA) e construção naval e equipamentos mercantes (são os maiores produtores de conteiners do mundo).

Por uma questão de logística, no entanto, o Japão não pretende fazer tudo em casa. Deve destinar 10% das verbas para realocação em outros países próximos ao arquipélago japonês.

Uma história americana

A gente acha que o Brasil perde inúmeras oportunidades de autossuficiência, que deixam o país vulnerável numa pandemia como a da Covid-19.

Mas o “NYT” de hoje conta uma história saborosa “made in USA”:

Há treze anos, um grupo de autoridades de saúde pública dos EUA elaborou um plano para abordar o que considerava uma das vulnerabilidades cruciais do sistema médico: a falta de ventiladores. As máquinas de assistência respiratória tendiam a ser volumosas, caras e limitadas em número. O plano era construir uma grande frota de dispositivos portáteis baratos para implantar em uma pandemia de gripe ou outra crise.

O dinheiro foi orçado. Um contrato federal foi assinado. O trabalho começou.

E então as coisas de repente se desviaram. Um fabricante de bilhões de dólares em dispositivos médicos comprou a pequena empresa californiana que havia sido contratada para projetar as novas máquinas. O projeto acabou produzindo zero ventiladores.

Essa falha atrasou o desenvolvimento de um ventilador acessível em pelo menos meia década, privando hospitais, estados e o governo federal da capacidade de estocagem. O governo federal começou com outra empresa em 2014, cujo ventilador foi aprovado apenas no ano passado e cujos produtos ainda não foram entregues.

Guayaquil é aqui...

O Equador foi o primeiro país sul americano a ter um surto do Covid-19 e a cidade portuária de Guayaquil, com quase 3 milhões de habitantes, foi o epicentro da crise. Segundo a prefeita, Cynthia Viteri, a cidade teve mais 1.500 mortes em março deste ano do que no mesmo mês de 2019.

"Eles não estão apenas morrendo de Covid", disse ela, referindo-se à doença causada pelo coronavírus. "Pessoas com diabetes, hipertensão, doenças cardíacas estão morrendo por falta de atenção médica, porque os hospitais estão saturados de doentes graves, porque não há lugares onde as mulheres possam dar à luz sem serem infectadas."

Esse é um cenário que a equipe do quase demissionário ministro da Saúde, Henrique Mandetta, mais temia.

Nas últimas duas semanas, uma equipe especial de emergência coletou ou autorizou o enterro de quase 1.900 corpos de hospitais e residências de Guayaquil, segundo o governo euatorianor. Isso representava um aumento de cinco vezes na taxa de mortalidade usual da cidade.

Um bom exemplo

O Mercado Pago, braço de serviços financeiros do Mercado Livre, criou uma linha de crédito de R$ 600 milhões para pequenos negócios no Brasil, enquanto o maior portal de comércio eletrônico da América Latina tenta aliviar os efeitos brutais do coronavírus sobre microempreendedores. O anúncio acontece em meio às previsões sobre a maior recessão em um século, como resultado das medidas de isolamento social para tentar frear a pandemia.

Apesar das ações dos governos federal e regionais para tentar minimizar os efeitos econômicos dessas medidas, até autoridades têm reconhecido que elas não estão sendo eficazes para sanear financeiramente os pequenos negócios.

Apoiados por liberações e isenções bilionárias do Banco Central, os grandes bancos alardeiam iniciativas como concessão de carência para pagamento de dívidas, mas a verdade é que o dinheiro não chega aos microempresários. Pior que isso: as linhas de crédito ficaram mais caras e mais curtas.

Semana passada, pesquisa do Sebrae indicou que 60% dos pequenos empreendedores não conseguiram crédito desde o início da crise.

O exemplo do Mercado Pago deveria ser seguido pelas grandes marcas que exploram franquias. Com maior acesso ao crédito bancário, poderiam dilatar prazos e compromissos aos franqueados que não podem vender pois o acesso físico às lojas (geralmente em shoppings) estão vedados.

Farinha pouca, meu pirão primeiro...

Em meus 48 anos de jornalismo econômico nunca vi banqueiro morrer do coração. Amigo cínico diz que banqueiro não pode ter bom coração. Salvo injustiça, um ou outro morreu de problemas cardíacos.

Não vejo como os bancos vão abrir os caixas para atender empresários (de médio, grande ou pequeno porte) num momento em que todos ficaram sem horizontes. O Santander aproveitou a onda para posar de bonzinho: anuncia créditos para ser pago em até 20 anos. Mas isso envolve a entrega de imóvel ao banco sob a forma de hipoteca. Pode ser bom ou pode ser ruim.

A questão é mais complexa do que se pensa na gestão do caixa dos bancos. Quando a Covid chegou ao Brasil, em fevereiro, a Selic, a taxa básica de juros que era o piso do mercado de captação estava em 4,25% ao ano. O Comitê de Política Monetária do Banco Central (Copom) baixou para 3,75% e o mercado (à frente Itaú e Bradesco) prevê queda a 3%. E deu créditos de longo prazo aos bancos com juros de 3,75% a 3% ao ano

Muitos papéis de dívida dos bancos (CDBs, Letras de câmbio e imobiliárias) e de empresas (debêntures) foram emitidos no ano passado com juros de 8% a 14% ao ano. O que você acha que os bancos irão fazer primeiro: ajudar os clientes que estão à míngua (com pouco dinheiro entrando no caixa) ou operar a Tesouraria, recomprando os papéis que pagam juros elevados e que venceriam até 2022-23?

O presidente do Banco Central, Roberto Campos Neto, que foi diretor de Tesouraria do Santander Brasil por vários anos, certamente, recompraria parte da dívida circulante. Os ganhos seriam bem maiores do que em empréstimos de liquidez duvidosa no futuro.

Esse movimento pode impactar os rentistas brasileiros que ainda estão investidos (via gestoras de recursos) em papéis de renda fixa a juros altos.

Nos EUA, Fed socorre estados e municípios

Nos Estados Unidos isso chegou a estados e municípios que emitem papéis de dívida. O Federal Reserve agora decidiu estender as operações de recompra a esses entes federados que perderam acentuada receita com a forte desaceleração dos negócios.

No Brasil, só os municípios de São Paulo e Rio de Janeiro e os estados de São Paulo, RJ, Minas Gerais, Bahia, Rio Grande do Sul, Ceará e Pernambuco tinham papéis na praça. Mas tudo está sobre controle direto do Tesouro Nacional. Daí a opção da equipe de Paulo Guedes pela renegociar dívidas caso a caso.

Bancos na retranca pelo mundo

Os dados dos balanços dos principais bancos americanos e europeus no 1º semestre deram uma amostra de como todos estão cautelosos e reforçando as provisões para devedores duvidosos mediante a não distribuição de dividendos. No Brasil, o BCB proibiu o aumento na distribuição de dividendos.

O primeiro banco a divulgar lucros, o Santander, marcou a data de 28 de abril (por isso, entrou em período de silêncio desde 13 de abril). O Bradesco informa os resultados dia 30, entrando hoje no período de silêncio. O Itaú tem assembleia no fim do mês e apresenta os resultados dia 4 de maio, já o BB será dia 7 de maio.

Nos Estados Unidos o gigante J.P. Morgan reduziu em 49% os lucros para reforçar provisões; o Wells Fargo reduziu os ganhos em 88%; o Citibank em 45%, assim como o Bank of America.

No setor de petróleo, que passa por tremendo aperto de cintos depois que o acordo da OPEP+ para cortar 9,7 milhões de barris dia na produção (cerca de 10%) se revelou impotente para segurar os preços (o petróleo tipo WTI, dos EUA, caiu abaixo de US$ 20 e o tipo brent despencou quase 6% nos contatos de 1.000 barris para entrega em junho, com preço inferior a US$ 28), diante do excesso de oferta de 29 milhões de barris-dia, a Occidental Petroleum seguiu a tática dos bancos e tratou de reforçar o caixa.

Propôs e um de seus maiores acionistas aceitou - o bilionário Warren Buffet – transformar os dividendos em dólar em oferta de ações.

Sem tempo para despedidas

O duro nessa clausura da pandemia é que nem podemos revenciar devidamente os mortos.

Há dois dias foi Moraes Moreira. Hoje, o grande escritor Rubem Fonseca.