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Dinheiro na mão é vendaval

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Paulinho da Viola, sempre genial, escreveu mais uma obra prima nos anos 70 –“Pecado Capital”, que virou música-tema de novela de Janete Clair, exibida em 1975 pela então quase monopolista Rede Globo (cerca de 70% da audiência das TVs, na época sem o SBT, a TV Manchete [atual RedeTV] e a TV Record, o controle remoto e as emissoras pagas por TV a cabo). Dizia a letra da música tema de Lucinha (Betty Faria, jovem suburbana que namorava o machista motorista de táxi Carlão - Francisco Cuoco), que encontra no banco de trás do táxi uma mala de dinheiro deixada na fuga da polícia por casal que assaltou um banco (cena verossímil nos “anos de chumbo”): “Dinheiro na mão é vendaval/ é vendaval /na vida de um sonhador... A novela fez tremendo sucesso que gerou um remake em 1998/99, com a Eduardo Moscovis como Carlão e Carolina Ferraz como Lucinha.

Pois bem, agora que o dinheiro sumiu com o recolhimento forçado de quase todas as nacionalidades em todo o mundo, devido ao novo coronavírus (Covid-19), estão todos ávidos por ele. Empresários de todas as escalas que viram seus negócios pararem estão com promissórias queimando sem capital de giro para bancar os custos operacionais, sobretudo os de mão de obra, energia, tributos, logística e telecomunicações.

Os governos estão entrando maciçamente com dinheiro. Flexibilizam as leis trabalhistas para facilitar reduções de jornada ou suspensão temporária de trabalho bancadas pelos erários. Protelam pagamentos de impostos. Abrem as burras dos bancos centrais para jogar dinheiro no caixa do sistema bancário (na espera de que os bancos façam chegar o dinheiro a quem precisa, incluindo moratória de 60 dias nos contratos vigentes. E criam programas para amparar os milhões de trabalhadores que já eram informais e agora ficaram sem renda.

A burocracia emperra a liberação de recursos anunciados há dez dias. Os governos nunca mapearam a maioria dos informais que se “viravam nos 30”. Economistas formados em escolas sofisticadas não sabem como entrar ou levar dinheiro a quem nunca foram apresentados: “sua excelência, o pobre”, como disse esta semana o jornalista Octávio Guedes, no Estúdio I, da GNews.

O que dizer dos bancos que entesouram bilhões?

Vou transcrever um trecho do “Boletim Diário” do excelente informativo econômico-financeiro, produzido esta sexta-feira, 3 de abril, pelo Departamento Econômico do Bradesco, ao comentar a Linha Temporária Especial de Liquidez (LTEL) aprovada quarta-feira, 1º de abril pelo Conselho Monetário Nacional (CMN): “a Linha Temporária Especial de Liquidez (TLEL) tem como objetivo conceder empréstimos a instituições financeiras tendo como garantia as suas carteiras de crédito, mediante a emissão de Letras Financeiras Garantidas (LFGs). Estima-se que a elegibilidade de créditos para essa operação seja de R$ 650 bilhões. Tal medida se soma a outras de estímulo monetário, creditício e fiscal adotadas nas duas últimas semanas no combate à Covid-19”, conclui o comentário. Vale lembrar que em 18 de março o Comitê de Política Monetária do Banco Central (Copom) baixou a taxa Selic (piso dos juros bancários) para 3,75% ao ano, sem queda proporcional no juro dos empréstimos.

Pois bem, na apresentação da medida, o Banco Central, cujo presidente é secretário-executivo do CMN, presidido pelo ministro da Economia, lembra que “A adoção de linhas especiais de liquidez por BCs, tendo como lastro operações de crédito, tem sido instrumento amplamente anunciado e utilizado pelos principais BCs do mundo como uma das respostas à crise, dentro de seus arcabouços de competência, tendo em conta os mesmos objetivos”.

Ora, qual o sentido de os bancos centrais reduzirem os encaixes compulsórios e as regras prudenciais para forçar a liberação de bilhões aos bancos?

Para que o dinheiro socorra as atividades produtivas na agricultura, na indústria, no comércio, construção civil e pesada e nas diversas atividades de serviço, além de prover liquidez às famílias. Os bancos brasileiros receberam R$ 650 bilhões e não fizeram praticamente nada disso. Até estão dificultando o acesso no interior das agências de clientes com mais de 60 anos. Como eles vão poder sentar e conversar com os gerentes (em escala de plantão/rodízio restrito? Uma carnificina está em marcha e o vírus não é do Covid, é dos juros bancários dos cartões de crédito e de quase todas as linhas de crédito.

Erros do BCB se repetem

Em meus 48 anos de jornalismo econômico, já vi muita besteira do nosso Banco Central (criado a partir de 1965). Em 1975, por sinal o ano da novela Pecado Capital, houve um tremendo aperto de liquidez no começo do ano.

O país ainda mal digeria o choque do petróleo de setembro de 1973 que deixou as contas externas superfrágeis (a então Petrobras só produzia 15% das necessidades do país). A inflação tinha sido posta embaixo do tapete no final do governo Médici pelo ex-ministro da Fazenda, Delfim Neto. Oficialmente, a inflação fora de 13,9%, mas a Fundação Getúlio Vargas, que calculava a inflação oficial na época pelo índice Geral de Preços-Disponibilidade Interna (só a partir de 1979 a tarefa passou para o IBGE), reviu os dados depois e revelou ter sido de 34,54% pelo IGP-DI. Ou seja, quase três vezes mais.

Especulação desenfreada

Em 1974, já no governo Geisel, Simonsen de ministro da Fazenda, com uma inflação represada desde Delfim e os juros mantidos baixos (a inflação real era mascarada), empresários dos setores comerciais e industriais passaram a fazer importações financiadas em cruzeiros para liquidação posterior.

No setor financeiro, fortunas foram iniciadas com apostas pesadas na arbitragem de taxas de juros presentes (baixas) contra juros futuros, sobretudo em papéis com correção monetária pós fixada – papéis do Tesouro Nacional, dos tesouros estaduais e Letras Imobiliárias, que eram garantidas pelo então Banco Nacional da Habitação (na prática, o TN).

Na virada do ano houve um estouro na praça. Os financiamentos de contrato de câmbio venceram e houve forte contração da liquidez. Para jogar dinheiro no mercado, o CMN (órgão máximo da economia, com participação dos ministros da Fazenda (Mário Henrique Simonsen), do Planejamento (Reis Veloso) e do presidente do Banco Central (Paulo Lyra), criou o Refinanciamento Compensatório (o embrião do ‘Quantitative Easy’ usado pelo Fed e bancos centrais de todo o mundo em 2008/09). Jogou R$ 4,3 bilhões no caixa dos bancos de então.

O objetivo era irrigar a economia. Mas nada disso aconteceu, como agora.

Os bancos recompuseram a própria liquidez. Com a grita geral dos setores produtivos de que o dinheiro não chegava ao setor real da economia, o CMN dobrou a aposta e o BC expandiu o prazo de retorno do Refinanciamento Compensatório até fins de 1976, somando R$ 6,1 bilhões.

O resultado do “dinheiro na mão” foi um vendaval de especulação com papéis de correção monetária pós fixada e operações triangulares entre bancos e corretoras e distribuidoras que assumiam carteiras que não podiam ser aceitas nas normas contábeis do Banco Central.

A jogatina desenfreada corria solta no chamado open Market (que deveria se restringir a títulos do Tesouro Nacional de alta liquidez, como as Letras do Tesouro Nacional (de 91 a 365 dias), e usava como lastro ORTNs de dois a cinco anos, obrigações de estados e municípios de dois a cinco ano, Letras Imobiliárias de dois a cinco anos e até as Obrigações da Eletrobras, que tinham prazo de 20 anos para resgate. Alguns dos bilionários brasileiros de hoje fizeram seus primeiros milhões nessa época.

A festa só começou a acabar a partir de abril de 1976, quando o ministro Simonsen puxou o freio da alavancagem sem fim e limitou, com a Resolução 366, do Banco Central, as alavancagens em operações de recompra com títulos públicos e privados em até 30 vezes o capital e reservas das instituições financeiras. A medida evitou que o Brasil tivesse um estouro semelhante ao sub-prime das hipotecas nos Estados Unidos em 2008.

Mas o desafio segue para o Banco Central: evitar o empoçamento de liquidez no próprio Sistema Financeiro Nacional, como também ocorreu em 2008-09. Dinheiro na mão, depois que a crise do Covid-19 tenha arrefecido, por ser uma tentação para novas especulações, quando o que se quer é reativar a produção e o emprego.

Cavalo de pau na venda de carros

A Fenabrave divulgou ontem uma queda de 21,8% no emplacamento de automóveis em março (163,6 mil unidades), comparado a março de 2019. Vale lembrar que no ano passado o Carnaval caiu em março. Então, houve verdadeiro cavalo de pau na venda de automóveis.

Espera-se nas próximas semanas que não apenas os automóveis continuem circulando com menos gente no país. Que também a exibição inócua de novos possantes automóveis saia do ar. Alguém está pensando em trocar de carro numa hora dessas?

Em tempos de corona

Depois que as ONGs e grupos de pessoas saíram a campo para mobilizar a sociedade na assistência aos mais necessitados, crescem doações de empresas e entidades empresariais. No que fazem apenas a sua obrigação social.

A Burger King Brasil doou R$ 200 mil para compra de 6.900 aventais para isolamento de contato de equipes médicas e de outros profissionais do complexo hospitalar da UFRJ), que somam nove hospitais universitários dando assistência a pacientes com coronavírus, no Rio de Janeiro. O termo de doação foi assinado, ontem, pelo professor Marcos Freire, diretor do Hospital Universitário Clementino Fraga Filho (HUCFF) da UFRJ, e pelo diretor executivo da Fundação Coppetec, Fernando Peregrino, gestor do fundo Coppetec de apoio aos hospitais da UFRJ. Até agora são mais de R$ 600 mil.

A BR Distribuidora, líder do mercado de combustíveis do país, da BR Distribuidora, em parceria com o Circo Crescer e Viver, vai ajudar oito mil pessoas de 1.600 famílias que moram no entorno da sua sede na Cidade Nova e Estácio, com a distribuição de kits de higiene pessoal e cinco mil cestas básicas. A ação vai se estender até junho. A BR também está doando mais de 20 mil litros de etanol para várias universidades do país produzirem o álcool 70% que será utilizado na higienização de macas, corredores, elevadores e instalações em geral de seus hospitais.

O McDonald’s já entregou cerca de 15 mil refeições para profissionais da saúde em mais de 28 cidades e estendeu a iniciativa para caminhoneiros em diversas localidades. Bauru (SP) foi a primeira localidade. A iniciativa se estenderá por São Paulo, Rio de Janeiro e Tocantins, com apoio dos franqueados.

Quando o Estado é o máximo

Os empresários brasileiros adoram o discurso liberal do “Estado mínimo”, embora resistam a abrir mão de incentivos fiscais, e tratamento trabalhistas e creditício diferenciado. Mas as convicções caem por terra quando uma crise ameaça seus negócios.

Aí o “Estado é o máximo” e dele se socorrem a bel prazer.

Foi assim quando a viúva, via FGTS, substituiu a estabilidade do emprego após 10 anos, em 1966. Agora, o governo flexibiliza as leis trabalhistas, permite redução da jornada e ainda banca a perda de salário (sem ônus ao empresário)