A alta de apenas 1,1% para o Produto Interno Bruto (vulgo PIB, para os versados em economia) só surpreendeu os leigos ou os que acreditaram nas cascatas do ministro da Economia, Paulo Guedes. Na euforia da vitória de Jair Bolsonaro, em outubro de 2018, o “Posto Ipiranga” chegou a prometer “zerar o déficit público em um ano” [foi de R$ 61,8 bilhões em 2019 e está previsto em R$ 91 bilhões este ano] e adiantou que, com a “reforma da Previdência e a independência do Banco Central, a economia poderia voltar a crescer 3%, 3,5% ao ano”. Nessa onda, o governo chegou a prever aumento de 2,5% do PIB e o Orçamento de 2019 cravou alta de 2,2%, que recuou a 1,6% e terminou em 1,1%, metade do previsto. Menor que os 1,3% de 2017 e 2018.
Há muito, com os sucessivos tombos em áreas chaves da economia brasileira (rompimento da barragem de Brumadinho-MG fez a produção da Vale cair 21% no ano passado e encolher em 1,1% a produção da indústria extrativa mineral, apesar da notável recuperação da produção de petróleo e gás da Petrobras, com a entrada de novas plataformas FPSO no pré-sal, a partir do 2º trimestre; queda nas exportações de automóveis e autopeças para a Argentina, com a forte retração do mercado), os economistas reduziram as previsões do PIB para o intervalo de 1% a 1,3%. A situação apontou para um viés de baixa com a queda dos indicadores no mês de dezembro [confirmando que a criação da Black Friday, em novembro, só fez esvaziar o movimento do Natal, com a antecipação em um mês das tradicionais compras na última quinzena do ano.
O resultado é que a taxa de crescimento do último trimestre encolheu para 0,5%, contra os 0,7%-0,8% previstos anteriores, e provocou revisão para baixo nas projeções para o 1º trimestre de 2020. Com a eclosão do surto mundial de coronavírus, que já tinha paralisado boa parte da produção industrial chinesa e travado a cadeia produtiva mundial (dependente de componentes fabricados na China), já se prevê até recessão mundial no 1º trimestre.
Motivo pelo qual, o Federal Reserve Bank, o banco central dos Estados Unidos, após reunião dos ministros de finanças dos G-7 analisar os impactos do coronavírus, antecipou uma queda brusca de 0,5% na taxa dos fundos federais (o normal nos últimos quatro anos eram movimentos de 0,25 pontos percentuais para cima ou para baixo). Isto alarmou o mundo financeiro e pode levar a uma rodada de baixa generalizada de juros pelos BCs para injetar liquidez na economia.
O efeito prático no Brasil é a revisão pelas principais instituições financeiras e empresas de consultoria das projeções de crescimento para 2020 e 2021. Todos previam crescimento acima de 2% este ano e acima de 2,5% para 2021. Como há incerteza sobre a duração do surto do coronavírus e ainda não se testou o impacto do acordo comercial China-EUA, todo o 1º semestre de 2020 pode ser comprometido.
As promessas de crescimento de 3% a 3,5% feitas por Guedes podem ficar para as calendas. Dificilmente ocorrerão em 2021. O Bradesco e o Itaú esperavam taxas de 3% para 2021 em diante. Para este ano o Bradesco previa 2,5% e o Itaú 2,25% (enquanto o Santander esperava 2,3%). Agora, todos estão em processo de revisão, estudando, por dentro das tabelas do PIB de 2019 divulgadas na quarta-feira, 4 de março pelo IBGE, e à luz das estatísticas mais recentes e dos prováveis impactos do vírus na economia global, a redução nas projeções anteriores. A LCA Consultores Associados já informou que irá revisar a taxa do PIB deste ano para abaixo de 2%.
Confiança não turbina economia
Aqui um parêntesis: vocês lembram que, após a violenta recessão de 3,5% do PIB em 2015, quando a renda per capita do país teve encolhimento recorde de 4,4% ano, qual foi o discurso de Henrique Meirelles, escolhido ministro da Fazenda pelo vice, Michel Temer, após o impeachment da presidente Dilma, em abril de 2016 (já com a economia em queda livre mais acentuada)?
O discurso foi de que “com a volta da confiança, a economia vai voltar a crescer”. Não adiantou, mesmo, tendo reduzido a velocidade da queda, houve nova recessão de 3,3% no PIB e queda de 4,1% na renda per capita – pois a população cresce a 0,8% ao ano, até que um novo Censo diga o contrário.
Pois bem, Paulo Guedes também usou argumento semelhante, apostando que a confiança do mercado numa economia mais liberalizada liberaria o “espírito animal empreendedor dos empresários”, a velha teoria de Lord Keynes que o ex-ministro Delfim Neto não se cansa de repetir (e quase nunca dá certo).
No caso presente, com o estoque de endividados (mais de 60 milhões), não adianta o Banco Central baixar os juros básicos (Taxa Selic) se na ponta do crediário e do cartão de crédito eles teimam em subir, mesmo com a inflação em queda. E a questão maior é: com 12 milhões de desempregados e alta ociosidade nas instalações industriais e comerciais, quem vai ter confiança para consumir (vale lembrar que o consumo das famílias chegou a representar 64,9% do PIB no ano passado) e para investir? Sobretudo num governo errático, que muda de posição a cada dia.
Vale lembrar que uma das cobranças do presidente Bolsonaro a Paulo Guedes foi de que o PIB crescesse, pelo menos, 2,2%. Está difícil. Quem se recordar do cenário paradisíaco descrito para a economia brasileira em Davos, na Suíça, em janeiro, pelo ministro da Economia, verá que nada se sustenta. Guedes afirmou, na ocasião (3ª semana de janeiro, antes do coronavírus), “que havia um fluxo enorme de investimentos estrangeiros interessados no Brasil” – os números do Banco Central em janeiro e fevereiro mostraram o contrário: fuga em massa de capitais.
Para um governo que está praticamente privatizando os “anéis’ da Petrobras e mantendo apenas os dedos, é bom o “Posto Ipiranga” ficar acautelado.