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Bradesco avalia desempenho relativo do real e fundamentos econômicos

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Em artigo do economista-chefe Fernando Honorato Barbosa e a economista Mariana Silva de Freitas, o Departamento Econômico do Bradesco avaliou nesta quarta-feira, 4 de agosto,a piora do cenário externo, que tornou o real uma das “moedas mais afetadas”. Desde o início de agosto, enquanto a cesta de moedas dos países emergentes teve depreciações entre 3% e 5% diante do dólar, o real, afetado pela crise argentina, caiu 7% ante o dólar.

Para o Bradesco, esse movimento de depreciação “veio na esteira de uma reversão importante do ambiente global. Além da nova escalada das tensões comerciais, consolidou-se um cenário pior para o crescimento mundial, com possibilidade, inclusive, de recessão nos EUA. Trata-se de um ambiente muito desafiador para as economias emergentes e exportadoras de commodities, como a brasileira, que foi adicionalmente afetada pela crise argentina”.

“Ainda que o Fed tenha se mostrado preventivo, sinalizando que haverá novos cortes de juros pela frente”, o Bradesco não espera “enfraquecimento do dólar no curto prazo. A economia norte-americana ainda cresce acima da maioria dos países e o atual nível de ruídos no cenário global deverá manter elevada a demanda por ativos seguros”.

Por que o real caiu mais?

Segundo o Depec Bradesco, “a constatação de que o real reage com mais intensidade do que os pares (high beta) não é nova, mas parece ter se acentuado particularmente a partir do 2º trimestre do ano passado. Desde aquele momento houve elevada volatilidade associada à mudança de postura do Fed, à greve dos caminhoneiros, à volatilidade eleitoral e às dúvidas quanto à aprovação da previdência”.

Apenas para registro, entre maio e julho deste ano, a moeda apreciou quase 40 centavos, chegando a R$/US$ 3,70 e aproximando-se dos pares emergentes. Nos últimos 45 dias, o movimento foi o inverso. O que explica essa maior volatilidade recente da moeda brasileira?, indaga o estudo.

Volatilidade

Sustenta o Bradesco que “desde o início da escalada das tensões comerciais, em agosto, chama a atenção a redução da exposição de estrangeiros à moeda brasileira no mercado de derivativos, pressionando o câmbio para o patamar atual. Desde 2015, o fluxo financeiro tem sido pressionado pela saída de capitais estrangeiros, principalmente nos investimentos de portfólio”.

“A participação de estrangeiros na dívida local passou de 21% para 12% e, também na bolsa, reduziu-se substancialmente. Nos últimos 12 meses, a saída de recursos do país foi da ordem de US$ 30 bilhões, o pior resultado em muitos anos. O Investimento Direto, como é de se esperar, tem sido mais resiliente, mas também perdeu força nos últimos anos. Quando excluímos as operações intercompanhias e os lucros reinvestidos, o investimento direto vem desacelerando desde o final de 2017, respondendo ao baixo crescimento do país”, diz o estudo.

Esses movimentos, junto com o descontrole cambial na Argentina, até a restrição para a compra diária de dólares, levaram o Banco Central a atuar mais firme no mercado, que reverteu a disparada esta semana, lá e cá.

Futuro do real

Olhando à frente, o Bradesco considera que “o real tende a continuar com maior sensibilidade ao cenário externo em relação aos pares. Os juros devem seguir baixos por bastante tempo no Brasil e a retomada do grau de investimento não será imediata”. Ainda assim, o banco acredita que “o câmbio não deverá se manter no patamar atual. Algumas métricas de “valor justo”, como o câmbio real e a cesta de países emergentes, sugerem que o Real deveria estar mais próximo de R$/US$ 3,80, e não acima de R$/US$ 4,00”.

“Ainda que essas métricas digam pouco sobre o comportamento de curto prazo da moeda, já que o câmbio pode ficar longos períodos descolado de seus fundamentos, nos parece que, após a aprovação da reforma da previdência, o risco cambial no país diminuiu e não aumentou. Os indicadores externos da economia, como a dívida, o passivo, o déficit em conta corrente e as reservas não são compatíveis com uma grande depreciação da moeda”, sustenta.

O Bradesco adverte que “a volatilidade recente não implica que haja uma depreciação persistente, a julgar pelo patamar de 45 dias atrás. Se houver alguma normalização do ambiente externo, a moeda pode apreciar mais do que os pares”.

“Dito isso, nos parece bastante razoável supor que a alta sensibilidade da moeda brasileira aos pares só se reduzirá com a retomada do crescimento e com as perspectivas de melhora na classificação de risco. Com mais crescimento, as possibilidades de investimento se alargam, reduzem-se as incertezas fiscais e o país passa a atrair mais recursos de portfolio.

A agenda de privatizações e os recursos da cessão onerosa são uma importante oportunidade para o país atrair mais recursos externos nos próximos meses. Com o avanço da agenda de reformas, não há por que esperar que o Brasil siga tão mais sensível e tão descolado dos pares.

“Essa é uma agenda de médio prazo, de toda forma”, frisam os autores.

Dólar não impede queda dos juros

“Por fim, é importante destacar que a depreciação cambial recente não altera nossa expectativa em relação aos próximos passos da política monetária”, afirma o Bradesco, acrescentando que “as mesmas incertezas do cenário externo que pressionam a moeda têm levado a uma importante redução das cotações das principais commodities, praticamente anulando os impactos sobre a inflação brasileira por esse canal” [câmbio].

Além disso, os riscos sobre o crescimento se ampliaram com os choques globais recentes. Para o atual nível de depreciação e de queda das commodities, a elevada ociosidade e as expectativas de inflação ancoradas tendem a produzir um repasse cambial muito limitado, como observado nos últimos anos, o que deve gerar conforto para o Banco Central seguir cortando os juros em sintonia com as projeções de seu modelo de inflação”, conclui o Bradesco.