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Reflexões sobre o futuro

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O grande filósofo Isaiah Berlin, em ensaio clássico, analisou o processo de compreensão dos fenômenos históricos e da própria contemporaneidade, como uma reflexão sujeita a múltiplos erros, ao abandonar a lógica materialista - marxista - de um único vetor para a explicação da história, e partir para uma análise multidisciplinar.

Surge a necessidade de uma avaliação mais complexa da realidade e maior rigor analítico, o que implica na percepção de que o processo de interpretação e identificação dos fatos determinantes de um momento ou fenômeno social e econômico é sujeito a variáveis múltiplas, às vezes correlacionadas e outras aleatórias, sujeitas a deformações da observação.

A fuga ao dogmatismo ideológico e das vertentes radicais do pensamento exige do observador, mais do que um mero distanciamento dos fatos, ou da realidade construída a ser observada.

Para maior sucesso da análise, o agente do estudo deve ser obrigar a dar um certo tempo, uma espécie de pausa, entre o momento da observação e da identificação do objeto a ser estudado, e a possível construção da explicação, ou tentativa de análise do objeto.

Em outras palavras, para que uma explicação de um fenômeno social e econômico, que tenha de fato relevância histórica, seja bem sucedida, faz-se necessário deixar a poeira da história sedimentar, e, a partir de um momento posterior aos fatos, identificar o arcabouço teórico a ser usado na seleção dos elementos mais importantes, segundo critérios reconhecidos.

O que está longa observação diz é algo muito simples: uma avaliação sobre a realidade construída e desenhada pós 2018, que apresente explicações contundentes sobre o fenômeno observado nas eleições de outubro. Alguma dimensão temporal será necessária.

De fato, o processo de construção da realidade foi fortemente abalado, de maneira quase disruptiva pela mensagem das urnas, e um novo e complexo cenário entrou em construção, com destaque para a dificuldade na decodificação e tradução da linguagem e do significado dos sinais emitidos pelos vencedores, e ao aparecimento de atores até então não analisados de forma mais rigorosa.

Essa dificuldade é tão maior quanto maior a proximidade do agente observador com os fatos e quanto maior a obrigação de fornecer elementos auxiliares à sociedade para a compreensão do aqui e do agora (hoje).

Falo especificamente do trabalho dos profissionais do jornalismo e seus agregados (nós, colunistas), com especial destaque para a dificuldade que os órgãos de comunicação tradicionais e sérios passam a ter a partir da construção de um modelo de comunicação focado em mídias sociais local de interação direta, entre o Presidente da República e o eleitor, alicerçado em informações e contrainformações que alimentam a sensação de uma espécie de referendo diário, fenômeno este que pode ajudar a explicar a enorme aprovação encontrada pelas pesquisas recentes tendo por objeto a avaliação do plano de ação do futuro governo de JMB.

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Uma grande dúvida

De alguma forma, nos últimos vinte anos, a compreensão da realidade e o entendimento dos fatos em curso estavam regidos por um código pré-estabelecido.

A grande imprensa tinha acesso às principais fontes do poder executivo, e serviam de filtro entre esses personagens e o público, ora reverberando o conteúdo e interpretando, ora alertando para os significados e intenções ocultas, e os profissionais de comunicação com valores e princípios éticos semelhantes encontravam-se em dois lados: grande imprensa e poder executivo.

A existência de certa liturgia e a predominância da certeza de que o espaço de domínio da relação estabelecida entre os dois lados era de uma relação entre pares, essa “cortesia” foi responsável pela sobrevivência do modelo, mesmo que momentos críticos e turbulências tenham sido observadas de forma quase rotineira.

Nesse novo ambiente, os meios de comunicação passam a ter uma dificuldade adicional em seu trabalho, ao depender da resposta do público, basicamente em tempo real, em uma agenda diária em que as posições são invertidas.

Ao invés de pautar (definir a relevância dos fatos e criar a notícia), a imprensa tradicional passou a ser pautada e ter seus leads formados ou definidas por mensagens de 147 caracteres, fenômeno idêntico ao encontrado nos Estados Unidos depois da eleição de Donald Trump.

Personagens novos ascenderam ao palco da cena política, que, até então, pouco ao quase nenhuma importância foi dada às suas características, demandas, linguagem e significado de suas mensagens. Refiro-me especialmente aos movimentos pentecostal e neopentecostal em suas diversas variantes.

Até agora, não há registro da existência de análises criteriosas sobre a dinâmica que deve pautar a relação entre essas instituições e o poder político constituído. Avaliações do crescimento da chamada bancada da Bíblia podem ser encontradas, mas a imprensa, ainda, não foi capaz de identificar o poder que estava escondido na ação de tais atores, do mesmo modo que não fomos capazes de entender e avaliar o tamanho e o significado do pedido de segurança e da demanda por Ordem e Progresso construído pelo eleitor aos longos dos últimos anos.

A volta da relevância no poder e do prestígio dos militares e do protagonismo que está sendo construído, mais do que uma mensagem de resgate da função moderadora que a instituição sempre incorporou em momentos críticos da história, o que estamos observando é a consolidação de uma opção que encarna a falência das relações tradicionais de forma a promover a negação da política e da credibilidade dos políticos tradicionais.

No início desse texto, alertei para a necessidade de parcimônia na análise da realidade e de construção de ferramentas alternativas, sempre que mudanças profundas e paradigmáticas ocorrem.

Com base nesse elemento, sugiro ao leitor paciência e muita reflexão sobre a realidade em construção e dos desdobramentos em curso.

O mundo mudou, e ainda não temos bases conceituais apropriadas para entender aonde estamos e para onde podemos ir.

Um Feliz Natal a todos e que o ano de 2019 venha com mais compreensão e menos embate.