O Outro Lado da Moeda

Por Gilberto Menezes Côrtes

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O OUTRO LADO DA MOEDA

Copom sobe juros; Congresso barra tributação

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Publicado em 19/06/2025 às 13:43

Alterado em 19/06/2025 às 13:43

Edifício-Sede do Banco Central do Brasil, em Brasília Foto: Marcello Casal Jr/Agência Brasil

Mais que a surpresa da decisão do Comitê de Política Monetária do Banco Central (Copom) de elevar mais uma vez a taxa básica de juros (Selic) de 14,75% para 15%, o maior nível em 19 anos, o que espanta é que o mesmo Congresso que não reclama do aumento de 42,86% nos ganhos dos rentistas em 12 meses (Selic estava em 10,50% ao ano em junho de 2024), tente barrar o esforço do Tesouro para atenuar o aumento dos custos da dívida pública com pequenas taxações de Imposto de Renda nas aplicações dos rentistas.

Há um ano, as aplicações vinculadas à taxa Selic rendiam 0,79% ao mês. A escalada da Selic para 15% garante uma remuneração mensal bruta de 1,1172%. Esse aumento de 48,35% para os rentistas ou de 4,50% na taxa Selic causa um rombo na dívida pública gerida pelo Tesouro Nacional. Segundo o Banco Central, tendo em vista que a dívida líquida do setor público era de R$ 7,4 trilhões em abril. Cada ponto de alta aumenta em R$ 55 bilhões, ao fim de 12 meses, os custos da rolagem dos juros pagos aos rentistas.

Em relação a junho do ano passado, o aumento de 4,5 pontos percentuais nos juros da Selic criou uma despesa extra (a dívida era menor) de R$ 200 bilhões para o Tesouro. Nada mais justo, portanto, que o Tesouro Nacional, administrado pelo Ministério da Fazenda, queira buscar parte deste ganho extra dos rentistas com a maior tributação nas aplicações de curto prazo, que estão auferindo os ganhos dos juros elevados e, sobretudo, taxar com 5% de Imposto de Renda (a partir de 2026) as aplicações até aqui isentas, como Letras de Crédito Agropecuário (LCAs) e Letras de Crédito Imobiliário (LCIs).

Mesmo com a tributação de 5% do IR (vale dizer, as aplicações passariam a render líquidos 95% da variação dos juros), os investidores ainda estariam ganhando. O aumento de juros, sem contrapartida de maior taxação sobre os investidores, causa um desequilíbrio descomunal nas finanças públicas e um brutal agravamento na concentração de renda.

No entanto, o Congresso, sobretudo as correntes que fazem oposição cerrada ao governo Lula, parece alheio a tudo isso e mantém sua opção preferencial pelos ricos. Tenta barrar as taxações do Imposto sobre Operações Financeiras (IOF) para corrigir os ganhos extras dos rentistas e os desequilíbrios dentro do próprio mercado de capitais, de aplicações duplamente bafejadas pelos juros elevados e a isenção de impostos. E insiste que o governo tem de cortar os programas sociais.

Um peso e duas medidas

Sempre implico, caro leitor, com a expressão, dois pesos e duas medidas. Pelas normas do Inmetro, se a embalagem diz que tal produto pesa um quilo ou 200 gramas, a pesagem tem de refletir o que está escrito. Do contrário é um peso (escrito) com duas medidas – o que está marcado na balança e que está enganando o consumidor. O Congresso viola frontalmente as regras do Código de Defesa do Consumidor quando não equilibra os dois lados da balança. De um lado, deixa crescer os ganhos dos mais ricos com o aumento dos juros que só beneficia os bancos e os rentistas e pede cortes dos gastos sociais no outro lado da balança.

Vamos a um exemplo prático: o aumento de 0,25% na Selic, para 15% ao ano, segundo as contas do Banco Central, aumentaria em R$ 13,75 bilhões os custos da dívida em 12 meses. Pois é ainda maior do que o governo tentaria buscar com o aumento do IOF este ano. E ainda assim, o Congresso, incorporando um espírito vampiresco, ávido por sangue, quer cortar (fazendo coro às alegres gargalhadas dos satisfeitos rentistas) mais R$ 15 bilhões nos programas sociais.

A aberração é tal, que o austero e insuspeito jornal britânico “Financial Times”, de linha conservadora, demostrou sua estupefação com a proposta do governo Trump (encampada ferozmente pelos deputados republicanos) de cortar os programas sociais para compensar as isenções de impostos para a classe média alta e os ricos. Esse movimento de “Robin Hood às avessas, alarmou os editorialistas do jornalão inglês. Imagine o que diria do Congresso brasileiro...

Copom comprou seguro contra dólar

Os principais bancos brasileiros, como o Itaú e o Bradesco, que esperavam a manutenção da Selic em 14,75% foram surpreendidos pela decisão do Copom, que projeta inflação de 4,9% em dezembro deste ano (ainda acima do teto da meta (3,00+1,50% de tolerância+4,50%) e 3,6% em dezembro de 2026.

Na minha opinião, tendo em vista a decisão do Federal Reserve, de manter os juros americanos na faixa de 4,25% a 4,50% ao ano e anunciar duas baixas para este ano, quando fecharia em 3,9%, diante das incertezas causadas pela guerra Israel e Irã e os impactos do tarifaço, o Copom adotou um rigor monetário para tentar trazer a inflação próximo ao teto da meta via derrubada da taxa de câmbio.

Com o juro real de 9,19% (Selic de 15% menos inflação de 5,32% em maio) e tendendo a 9,63% em dezembro (com a Selic mantida em 15% e a previsão do Copom de que o IPCA feche o ano em 4,9%, o Banco Central não apenas cria um aperto monetário que pode derrubar a inflação (e o PIB) mas cria um diferencial recorde de juros entre Brasil e Estados Unidos (10,50% a 11,10%) que tende a atrair investidores estrangeiros aos títulos do Tesouro brasileiro, o que derrubaria as cotações do dólar.

Em outras palavras, salvo um agravamento catastrófico na guerra Israel e Irã, o Banco Central está comprando em dólares um seguro extra para controlar a inflação. Se vai dar certo, só o tempo dirá.

A visão do Itaú

O Itaú, que chegou a prever, em fevereiro, a Selic em 15,75% este ano, e tinha apostado que ficaria estável em 14,75%, considera que o Banco Central “reiterou sua preocupação com as perspectivas de inflação, agravada por expectativas ainda desancoradas. O Copom afirmou que os juros precisarão permanecer em nível contracionista por período bastante prolongado e que podem retomar o ciclo de alta, caso necessário. Se isso ocorrerá ou não, os dados dirão”. Assim, por ora, espera que “o Copom mantenha a Selic em 15,00% até o início de 2026, quando deve iniciar um ciclo de afrouxamento de 200 pontos-base. Uma valorização da taxa de câmio pode antecipar esse movimento, enquanto uma economia mais forte do que o esperado pode levar o Copom a adiar o início do ciclo de cortes”.

Um dado que chamou a atenção foi o sucinto comunicado após a reunião (apenas oito parágrafos, contra cinco do Fed), por isso, o Itaú diz que “o racional da decisão (de ontem) com a divulgação da ata da reunião na terça-feira, 24 de junho, e do Relatório Trimestral de Inflação na quinta-feira, 26 de junho”.

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