
O OUTRO LADO DA MOEDA
A exuberância irracional dos mercados
Publicado em 11/03/2025 às 16:04
Alterado em 11/03/2025 às 16:04
Já tinha escrito a coluna de ontem, por volta das 13 horas e fiquei surpreso pela reviravolta dos mercados de ações, commodities e moedas na parte da tarde, quando os crescentes temores de uma recessão nos Estados Unidos com os titubeantes tarifaços de Donald Trump (sempre disse que, além de inflacionários, quebravam, mais uma vez, como em 2020, as cadeias globais de produção) provocaram um choque de realidade nos mercados. O que me espantou foi a alta do dólar. Se vem uma recessão, os juros vão acabar caindo e o dólar tende a desvalorizar para tornar os produtos americanos mais competitivos. Mas a frustração com a liquidação das ações das “big nine” de tecnologia (altamente alavancadas na bolsa eletrônica Nasdaq) gerou um efeito dominó pela reversão dos contratos futuros que apostavam na alta.
Só o dólar em alta destoava no processo. Hoje, mais calmo, o mercado corrigiu o exagero do pânico. O euro que tinha caído ontem à tarde, estava subindo 0,71% às 11:30 (horário de Brasília), a libra esterlina se recuperava, com valorização de 0,39%. O iene devolvia parte da alta de ontem, com alta de 0,27% do dólar, que caí 0,20% frente ao franco suíço. O dólar subia 0,27% contra o dólar canadense e 0,114% contra a lira turca, mas tinha desvalorização de 0,01% contra o peso mexicano. Reviravolta também diante do yuane chinês, que após queda ontem subia hoje, com baixa de 0,44% no dólar. [um sinal de enfraquecimento geral do dólar e busca por moedas supostamente mais fortes, como teme Trump]. Neste cenário, depois de cair mais de 1% ontem, o real tinha alta de 0,32% frente ao dólar e +0,82% em uma semana.
Assim como o ex-presidente do Federal Reserve Bank, Alan Greenspan, já advertia (desde 1996) para a “exuberância irracional dos mercados” [os valores das ações e ativos nos mercados futuros, devido à alta alavancagem, eram várias vezes superiores aos PIBs e ao resultados anuais de algumas empresas, e isso levava à crença de que o “castelo de cartas” ia desabar; levou tempo, mas o estouro veio em agosto-setembro de 2008 com o estouro da bolha imobiliária do sub-prime que levou à quebra do Lemann Brothers e à crise financeira mundial. As cotações das commodities também reagiram, mas o barril do petróleo do tipo Brent continuou sendo negociado abaixo de US$ 70 no contrato para entrega em maio e na faixa inferior a US$ 69 nos contratos com vencimento de junho em diante (US$ 67,22 para dezembro de 2026).
Líderes empresariais se reúnem com Trump
No Brasil, os encontros de presidentes da República com líderes empresariais não costumam gerar fatos ou guinadas importantes na economia. Geralmente, cria-se um grupo de trabalho ou câmara setorial para pedir mudanças de rumos (baixa de juros ou de impostos) e (certamente) aumento de incentivos por este ou aquele segmento.
Mas hoje, o presidente Donald Trump deve ouvir poucas e boas na reunião convocada para esta tarde, na Casa Branca, com alguns dos principais líderes empresariais do país, que estão com os cabelos em pé com os estragos feitos pela política de Trump nas cadeias produtivas das multinacionais. As multinacionais americanas, europeias, japonesas e coreanas, que apostaram firma na globalização e transferiram boa parte da produção para a China estão colhendo o que plantaram. O CEO da Ford foi o primeiro a advertir Trump a ir devagar com o andor porque a interligação das cadeias produtivas globais deixa a produção paralisada com a aplicação de barreiras tarifárias.
As contradições do cenário econômico
Em análise publicada na última sexta feira sobre o cenário econômico – antes do abalo sísmico de ontem - o Bradesco chega a três hipóteses centrais: 1- apesar da elevada incerteza global, os impactos para emergentes podem ser neutros em relação aos níveis atuais de preços dos ativos; 2- o governo não abandonará o arcabouço fiscal, possivelmente atingindo o limite inferior da meta neste e no próximo ano, mas condizente com algum prêmio de risco nos preços de ativos; e 3 a política monetária produzirá desaceleração da atividade, permitindo a redução da inflação ao longo do tempo [o diretor de Política Monetária do BC, Nilton Davi ,era diretor Tesoureiro do Bradesco].
O Bradesco prevê que a desaceleração da economia nos últimos três meses do ano passado (após crescer a um ritmo médio de 1% nos três primeiros trimestres, o PIB avançou 0,2% no 4º), sem uma contraposição de gastos públicos ou estímulos relevantes e com a transmissão dos juros para a economia, deve levar o PIB a crescer só 1,9% este ano.
Já a inflação deve se manter acima do teto da meta nos próximos meses. A depreciação cambial e o aumento dos preços dos alimentos não encontram um vetor contrário capaz de reduzir a inflação rapidamente. O banco espera, ao longo do ano, dissipação de parte dos choques de alimentos, com a colheita das boas safras de grãos, mas os preços de proteínas seguirão elevados, dado o ciclo pecuário. A expectativa é que a inflação (IPCA) encerre este ano com alta de 5,6% e de 3,8% em 2026.
O Banco Central mantém o plano de elevar a taxa de juros em mais 1 ponto percentual na próxima reunião de política monetária. Nosso cenário contempla mais duas altas de 0,5 p.p., levando a Selic para 15,25%. Nesse momento, ficará mais evidente o impacto do aperto monetário sobre a atividade econômica. A Selic deve encerrar o ano em 14,75%, chegando a 12,25% em 2026. Por fim, reavaliou sua estimativa central para a taxa de câmbio para R$/US$ 5,90.
Ano político começou depois do Carnaval
Desde garoto percebi que como meu aniversário era em 31 de janeiro, e a posse dos deputados e senadores em 1º de fevereiro, o ano na tomada de decisões dos poderes Executivo e Legislativo só engrenava de fevereiro em diante. Ou seja, depois do Carnaval. Os governos militares marcaram a transição para 15 de março. Mas com o poder discricionário podia ser até em 29 de fevereiro. O que decidissem, o Congresso (expurgado pelas cassações) acataria. A posse presidencial criou um vácuo de poder em janeiro e continua em fevereiro (quando as mesas diretoras da Câmara e do Senado, eleitas em 1º de fevereiro, sequer fecharam as diversas comissões).
Por isso, foi simbólico ontem na primeira semana útil após o Carnaval a efetivação de uma minirreforma ministerial na área política, com Gleisi Hoffmann, ex-presidente do PT, assumindo a vaga de Alexandre Padilha nas Relações Institucionais (diálogo com o Congresso e as lideranças dos partidos) e este assumindo o Ministério da Saúde. Como é a pasta com mais verbas no Orçamento da União, a Saúde se presta a negociações políticas com partidos, deputados, senadores, governadores e prefeitos, múnus que a ex-ministra Nisia Trindade não sabia exercer (as queixas sobre misoginia tinham a ver com o próprio predomínio masculino nos cargos de negociação com o MS).
Pragmaticamente, o Itaú elencou ontem a agenda política a ser retomada em março e aponta a “reforma do imposto de renda e o orçamento” como os destaques do mês. Citando o i) Envio da Reforma da Renda pelo Executivo; ii) Envio do novo ValeGás; iii) Envio da Medida Provisória sobre Crédito Consignado; iv) Orçamento 2025; v) Relatório bimestral; vi) Medidas para conter alta dos alimentos.
A continuidade da Reforma Ministerial e como ela vai ser concluída deve ditar o ritmo das votações nos próximos meses. Após homologação da liberação de emendas parlamentares pelo STF, tema que estava travando a pauta do Legislativo, o Congresso vai dar andamento à discussão do Orçamento de 2025 a partir do dia 11 de março. A tendência é que se chegue a um texto comum na semana seguinte, sendo aprovado sem dificuldades. O foco estará no tratamento dado às despesas públicas executadas por fora do orçamento, como Pé-de-Meia e Vale-Gás, e no possível anúncio de novas medidas de receita, dada a frustração na aprovação de medidas contidas na PLOA, como o aumento de IR sobre JCP e das alíquotas da CSLL. Também deverá constar nas regras do arcabouço o crédito extraordinário de R$ 4,2 bilhões aberto para o Plano Safra.
Mas o principal evento para o Itaú será o envio da proposta de Reforma do imposto de Renda. Como será o formato e quais compensações o governo colocará no projeto para deixar neutra a isenção do imposto de renda para quem ganha até R$ 5 mil? O projeto deve ampliar a isenção dos atuais R$ 2.824 mensais para R$ 5.000, com faseamento até R$ 6.900 para evitar distorções. Estimamos que o custo bruto da isenção chegue a cerca de R$ 40 bilhões (0,35% do PIB). [no fim do ano passado a estimativa era de R$ 35 bilhões, mas a Fazenda estima em menos de R$ 30 bilhões, e ainda aposta na tributação efetiva mínima para rendas superiores a R$ 600 mil anuais, incluindo dividendos. Ainda há discussão se rendimentos atualmente isentos entrariam na base de cálculo]. O Itaú alerta para “o risco de a proposta ser diluída durante a tramitação no Congresso com abertura de exceções e regras diferenciadas, além da incerteza sobre alterações no comportamento dos contribuintes”.
Outro ponto de destaque no mês é a publicação do relatório bimestral de receitas e despesas. Entretanto, existe a possibilidade de o relatório não ser publicado em março, uma vez que a LDO facultou sua elaboração caso o Orçamento não tenha sido aprovado até a data prevista de publicação (22 de março).
Para o Itaú, “há duas alternativas: i) publicar um relatório extemporâneo, em abril; ii) publicar o próximo relatório apenas em maio. Estimamos que um contingenciamento de R$ 35 bilhões nesse primeiro relatório bimestral seria necessário para o cumprimento da meta de resultado primário de 2025”.