O Outro Lado da Moeda

Por Gilberto Menezes Côrtes

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O OUTRO LADO DA MOEDA

Imagine um país que deve 100% do PIB

Publicado em 26/02/2025 às 12:46

Alterado em 26/02/2025 às 12:46

No Brasil, que fechou 2024 com a dívida bruta do governo geral (federal+INSS+BC+estados e municípios) de 76,1% do Produto Interno Bruto (PIB), os economistas não se cansam de advertir para o risco do crescimento da dívida, diante do salto dos juros, motivo pelo qual insistem no corte dos gastos (sobretudo sociais para as camadas mais pobres, quando há renúncias fiscais e subsídios bilionários que concentram ainda mais a renda nos mais ricos).

Já o governo se preocupa com o engessamento das despesas discricionárias (herança da Constituição detalhista de 1988 que deu mais verbas - receita líquida de impostos - para a Educação (18%) e para a Saúde (15%). Entretanto, como o país reduziu a taxa de natalidade drasticamente, enquanto aumenta a fatia dos mais velhos, em vez de uma revisão geral no Orçamento Geral da União, para que se ajuste aos dados recentes do Censo e de suas projeções, mira-se apenas na reforma do INSS.

O retrato de 1988 pedia mais atenção ao ensino fundamental (hoje tem uma evasão tremenda e uma concentração de gastos no ensino superior – nem sempre linkado à demanda do mercado de trabalho) e à saúde dos mais jovens (hoje há mais carência de geriatras do que de pediatras), mas as verbas para Educação e Saúde continuam rígidas. O resultado é que as emendas parlamentares concentradas nas duas pastas lideram os escândalos das verbas aprovadas no Orçamento Secreto sem identificação de autoria/propositura e muito menos a destinação dos recursos, sob o crivo do ministro Flávio Dino, do Supremo Tribunal Federal.

No fim, quando os ministérios travam a liberação das verbas, pedindo justificativas técnicas, pressiona-se a troca de ministros, caso de Nísia Trindade, da Saúde. Camilo Santana também é pressionado na Educação. Mas a realidade é que no último trimestre de anos não eleitorais há uma correria para empenho de verbas (uma ampliação ou construção de hospital, uma nova escola ou novos ônibus escolares, mesmo que o município tenha outras carências (saneamento básico, causa de problemas na saúde).

Mas a realidade é que, com base nas estatísticas do ano passado (a desvalorização do real reduziu a dívida bruta), o Brasil está em posição relativamente confortável. A pior relação é a do Japão (deve 252% do PIB), seguido pela Argentina (154%), Itália (137%), Estados Unidos (122%), França (110%), Canadá (107%), Espanha (107%), China (83%) e Índia (82%). É verdade que os países integrantes da zona do Euro (a Alemanha deve 64% do PIB) têm uma moeda forte como lastro. E, de certa forma, explica-se a preocupação do presidente americano Donald Trump para tentar manter a hegemonia do dólar nas trocas comerciais e criticar as articulações entre os países do Brics, agora ampliado com Arábia Saudita, Egito, Emirados Árabes Unidos, Etiópia e Irã, que se juntaram a Brasil, Rússia, Índia, China e África do Sul.

LCA analisa caso dos EUA

Ao fazer sua atualização de cenário a LCA Consultores preferiu se concentrar ontem na situação fiscal dos Estados Unidos, apontada como “outro foco de elevada incerteza”: “Ao conferir resiliência à inflação, o aumento de tarifas pode limitar o espaço para que o FED (o banco central dos EUA) continue a cortar sua taxa básica de juros. De fato, na ata do FOMC, divulgada na semana passada, os diretores do FED alertaram para os “riscos altistas para a inflação”, citando “os possíveis efeitos de mudanças na política comercial e de imigração”. A manutenção de juros restritivos por um período prolongado poderá minar a saúde financeira de empresas e famílias nos EUA; e tende a ser particularmente negativa para a evolução das contas fiscais. Com a dívida pública dos EUA superando os 100% do PIB, taxas elevadas de juros pressionam substancialmente os gastos com o pagamento de juros sobre a dívida, ampliando o déficit orçamentário. A situação fiscal dos EUA é, assim, outro foco de elevada incerteza”, diz a consultoria.

Não é só aqui que o Congresso ainda não aprovou o OGU de 2025. Lá “o Congresso precisa aprovar até o dia 14 de março o orçamento de gastos para 2025, sob pena de paralisação de diversas atividades governamentais. O espaço orçamentário para que Trump cumpra sua promessa de cortar impostos é bastante reduzido, senão inexistente, pois as transferências obrigatórias somam hoje perto de 100% do total das receitas federais. Por fim, também tem havido preocupação em relação à aproximação de Trump com Putin para encaminhar uma solução para o conflito na Ucrânia, isolando nas negociações a própria Ucrânia e a União Europeia. Isso torna o quadro geopolítico mundial ainda mais conturbado – o que, em conjunto com riscos climáticos, compõe um pano-de-fundo complexo para um cenário global que tem ficado ainda mais desafiador e incerto”, de certa forma, o tema da palestra de Haddad, ontem, em evento do BTG-Pactual.

BC alerta para riscos

O Relatório do Comitê de Estabilidade Financeira (Comef), divulgado hoje pelo Banco Central, alerta para o risco do crescimento do crédito para as famílias (12,3% em 2024, contra 8,4% em 2023) e as pequenas e médias empresas diante da escalada dos juros básicos (taxa Selic), que se amplifica no mínimo em três vezes nos juros bancários de mercado. Nas grandes empresas o salto de 4,7% para 9,1% na taxa de expansão é explicado, em boa parte, pela desvalorização cambial, em parte revertida este ano.

“O crédito amplo apresentou forte crescimento apesar do ambiente marcado por elevação da taxa básica de juros e pelo alto endividamento de famílias e de empresas. O ritmo de crescimento do crédito bancário seguiu acelerando na carteira às MPMEs, que já apresenta materialização de risco e endividamento elevados”.

Quanto às famílias, além da aceleração do crédito nas modalidades de maior risco, houve leve piora na qualidade das concessões do crédito não consignado. As famílias estão com comprometimento de renda e endividamento elevados e em ascensão para todas as faixas de renda. O mercado de capitais [graças às emissões de debêntures e LCIs e LCAs, isentas de tributação] segue crescendo em ritmo superior ao do crédito bancário, e não apresenta sinais de inflexão. Na visão do Comitê, esse cenário requer cautela e diligência adicionais no mercado de crédito. Ou seja, há risco de inadimplência adiante.

Quanto ao “cenário global prospectivo”, o Comef entende que “ainda apresenta riscos que podem levar à materialização de cenários de reprecificação de ativos financeiros globais. Existem incertezas acerca do ritmo da atividade, da extensão do período de juros elevados e dos níveis de equilíbrio das taxas de juros no longo prazo, da sustentabilidade fiscal, do reposicionamento das políticas comerciais e dos eventos geopolíticos. Há também preocupações quanto à divergência entre estas incertezas e a precificação dos ativos de risco ou imobiliários. Em geral, as economias emergentes mostraram resiliência diante do cenário externo adverso”.

O bom pode ser ruim para o mercado

A sociedade comemora quando aumenta o emprego e a renda circula. Mas, na ótica do mercado financeiro, isso pode ser sinal de perigo. O mercado estimava que o mês de janeiro, depois do fechamento de 535 mil vagas em dezembro, teria aumento líquido (entre admissões e demissões) de 50 mil empregos. Mas o Caged do Ministério do Trabalho registrou um saldo de 137.303 empregos formais, liderados pela Indústria, que gerou 70,4 mil vagas. Só o comércio ficou negativo (-52,4 mil), refletindo os juros altos que inibem o consumo. O Sul do país liderou o crescimento (à frente o Rio Grande do Sul, com 26,7 mil postos).

Mas a desconfiança do mercado com os números baixos de aprovação do presidente Lula, que perderia em vários estados do Sul e do Sudeste para Bolsonaro em 2026, afetou a cotação do dólar no mercado de câmbio quando os bons números do Caged foram divulgados às 10:30. Depois de abrir a R$ 5,7413, as cotações subiram até a máxima de R$ 5,8137, com pequena reversão para R$ 5,7870 às 11:40, com alta de 0,83%, com o mercado nervosos com a queda de braços entre comprados e vendidos no mercado futuro de câmbio da B3, com o fechamento dos negócios dia 28, sexta-feira.

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