O Outro Lado da Moeda

Por Gilberto Menezes Côrtes

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O OUTRO LADO DA MOEDA

Juro, elefante e déficit público

Publicado em 08/11/2023 às 16:52

Alterado em 08/11/2023 às 16:52

Na infância, era comum na escola a brincadeira da percepção sobre a parte e o todo. E um elefante era usado como exemplo. Se o aluno ou aluna, de olhos vendados, apalpasse uma das pernas poderia concluir que era uma árvore. Ao tatear pelo corpo, poderia dizer que era uma pedra enorme. E por aí ia. A discriminação do déficit público dá lugar a interpretação semelhante.

O governo usa o conceito de déficit público primário (receita menos despesas, excluídos os juros da dívida pública). Em setembro, o déficit primário consolidado do setor público foi de R$ 18,071 bilhões, uma redução de R$ 4,759 bilhões frente aos R$ 22,830 bilhões de agosto. Em relação ao superávit de R$ 10,756 bilhões de setembro de 2022 as contas pioraram em R$ 28,827 bilhões. Nos 12 meses até setembro, o setor público consolidado registrou déficit de R$ 101,9 bilhões, equivalente a 0,97% do PIB, aumento de 0,27 p.p. frente ao resultado até agosto). O resultado primário seria a tromba do elefante.

O resultado nominal do setor público consolidado (o elefante inteiro), que inclui o resultado primário e os juros nominais apropriados, foi deficitário em R$9 9,8 bilhões em setembro. No acumulado em 12 meses, o déficit nominal alcançou R$ 801,6 bilhões (7,62% do PIB), 0,32 p.p. do PIB superior ao déficit acumulado até agosto.

E o que faz a diferença, entre os 7,62% de déficit nominal em relação ao PIB e o déficit primário acumulado de 0,97% em 12 meses é o corpo do elefante, os juros da dívida, que somaram em 12 meses R$ 699,730 bilhões (6,65% do PIB).

Em setembro de 2023 os juros somaram R$ 81,714 bilhões (pequena queda frente os R$ 83,731 bilhões de agosto) e alta de R$ 10,370 bilhões frente aos R$ 71,364 bilhões de setembro de 2022. A razão maior do aumento dos gastos foi a manutenção dos altos juros da Selic, agravada pelo prejuízo de R$ 15,9 bilhões do Banco Central teve nas operações de swap cambial em setembro de 2023, ainda que menor que os R$ 24,7 bilhões em setembro de 2022).

Qual o déficit mais importante?

Já há economistas que consideram bem mais importante o exame do déficit nominal – ou seja, de todo o elefante – do que o uso do déficit primário para medir a solubilidade das contas públicas. É que o peso dos juros da taxa Selic (que baliza mais da metade da dívida pública), serve de piso aos juros do sistema financeiro (que opera, em média, a níveis três vezes maior).

O presidente do Banco Central, Roberto Campos Neto, em palestra na véspera mencionou Dívida Bruta do Governo Geral como medida do déficit (ela estava em R$ 7,826 trilhões e, setembro (74,4% do PIB), enquanto a Dívida Pública Líquida do Setor Público era de R$ 6,310 trilhões (60,0% do PIB), porque o Banco Central mantinha em carteira de R$ 1.450 trilhão em papéis do tesouro para fazer operações de compra e venda de títulos e regular a liquidez e o nível dos juros no mercado aberto.

Em outras palavras, o nível dos juros vai influenciar no consumo das famílias e nos investimentos das empresas (ambos se retraem quando os juros estão altos e tendem a crescer em períodos de baixa dos juros. Assim, o nível dos juros da Selic, que pesa muito no déficit nominal, é um dos fatores fundamentais na formação do denominador (o Produto Interno Bruto, vulgo PIB, como gostava de dizer o saudoso Joelmir Betting).

Se os juros caem mais rápido, tende a haver aceleração do consumo e dos investimentos e aumento do PIB (que este ano foi sustentado pelo impacto da supersafra de grãos). E vale dizer que o segmento de menor peso na formação do PIB é justamente a agropecuária (cerca de 8%), sendo o peso maior, dos serviços (68%), que tem no comércio um dos seus segmentos mais fortes (14%).

Juros afetam comércio

E o IBGE divulgou hoje os dados dos volumes de vendas do comércio em setembro. Os bens menos dependentes dos juros do crediário foram bem. Puxados pelas compras de alimentos em supermercados e hipermercados, o volume de vendas do varejo cresceu 0,6% em setembro e acumulou alta de 1,8% no ano.

Mas as vendas de móveis e eletrodomésticos, que dependem de crédito, tiveram o primeiro avanço em setembro (2,1%), após quedas de 2% em agosto e 1% em setembro, confirmando que as baixas da Selic em 2 de agosto e 20 de setembro, ajudaram a atrair o consumidor. Mas as vendas de veículos e peças, encolheram 0,9% em setembro (o consumidor espera a continuidade da queda dos juros para adquirir bens de valor mais elevado e dependente de crédito). Pior resultado foi a queda de 2% no volume de vendas de materiais de construção.

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