O Outro Lado da Moeda

Por Gilberto Menezes Côrtes

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O OUTRO LADO DA MOEDA

Copom e o mercado erram juntos

Publicado em 03/11/2023 às 17:33

Alterado em 03/11/2023 às 17:33

Meus 51 anos de experiência em cobertura de economia, centrada no mercado financeiro, me deram uma visão capaz de distinguir os meandros que influem nas cotações diárias e no chamado “humor” do mercado financeiro. Metas da economia são mutáveis porque não há modelo macroeconômico capaz de prever, com um mínimo de exatidão, as “externalidades” que podem fugir às previsões (uma seca, ou uma inundação afetam os preços agrícolas, assim como um guerra afeta o petróleo). Nos tempos modernos, os modelos de metas de inflação e de metas fiscais, estão bem mais precisos. Mas nem por isso são infalíveis.

E a cobertura da imprensa especializada erra feio ao não considerar os impactos especulativos em preços e indicadores tidos como chave da economia – como a cotação do dólar, do índice Bovespa (e da S&P e Nasdaq, nos Estados Unidos) e os preços do barril de petróleo – e correlacionar os movimentos com os vencimentos dos respetivos contratos nos mercados futuros. Como os volumes dos negócios nos contratos futuros são de 10 a 20 vezes superiores aos das transações diárias à vista, há enorme apreensão nos mercados às vésperas das reuniões dos principais bancos centrais do mundo.

O futuro ao mercado pertence

Os juros do Federal Reserve determinam os custos de rolagem dos contratos futuros de ações, moedas, títulos de renda fixa, commodities e criptomoedas, quase todos referenciados em dólar. O Banco Central Europeu (BCE), faz o mesmo, afetando os contratos com o euro. No Japão, China, Reino Unido e Brasil os juros determinados pelos respectivos bancos centrais afetam muito o mercado financeiro. Mas, sobretudo a economia real. O endividamento das famílias, sua disposição a consumir/ou investir, assim como o das empresas.

As dimensões das operações dos mercados futuros levam os Bancos Centrais a operar a política monetária (com fixação periódica de níveis de juros) e operações diárias de compra e venda de títulos públicos e privados no “open market” para regular a liquidez na direção pretendida pelos próximos 18 meses. A introdução de metas de inflação de 18 a 14 meses adiante ajuda à calibragem das expectativas.

Não conheço Banco Central que cometa a imprudência de dizer (como os arautos nas torres e minaretes da Idade Média – que “tudo está calmo). Invasões bárbaras vieram pouco depois. Se o Fed não reiterar, a cada reunião, que “estará pronto a elevar os juros se a conjuntura assim exigir”, abre as portas para uma especulação desenfreada nos mercados financeiros que pode custar muito caso à economia real. As cicatrizes da “crise financeira mundial de 2008” ainda não tinham sido cicatrizadas quando a pandemia da Covid matou milhões no mundo e expôs as fissuras da globalização.

Copom errou na análise

No caso brasileiro, o sistema de metas de inflação, introduzido em março de 1999, após o traumático fim da âncora cambial, dois meses antes, em 19 de janeiro, levou à criação do Comitê de Política Monetária (Copom) do Banco Central. Inicialmente, o Copom se reunia mensalmente até 2015. De janeiro de 2016 em diante as reuniões foram espaçadas para 45 dias, coincidindo com as reuniões do Fed. E os calendários dos vencimentos dos contratos futuros se ajustaram a isso. Alguns foram atrelados aos das reuniões do Fed e do Copom.

O Copom define suas ações balizando fatores externos (tendência de juros, que pode acelerar ou esfriar a economia mundial, influindo nos preços de ativos e commodities, ou seja, a formação de expectativas inflacionárias, que exacerbam em crises como a invasão da Ucrânia pela Rússia, em fevereiro de 2022, e o conflito entre o Hamas e Israel, que pode se espalhar nas fronteiras de Israel com a Palestina e países vizinhos e outros de fé muçulmana) e domésticos (inflação, câmbio, mercado de trabalho e área fiscal do governo).

Pois, no começo da noite de 1º de novembro, após o Fed, seguindo o que fizera o BCE uma semana antes, manter inalterado o nível dos juros em 5,25%-5,50% ao ano, mas reiterando ameaças de subida “se necessário”, o Copom, manteve a previsão de queda de 0,50 ponto percentual na reunião de 20 de setembro, na taxa Selic para 12,25% a.a. e adiantou novas quedas de igual magnitude nas “próximas reuniões”. Ou seja, a Selic desceria a 11,75% a.a. em dezembro e a 11,25% em 31 de janeiro. Houve animação geral e alta nas bolsas nos EUA, Europa e por aqui.

Havia no mercado financeiro, quem duvidasse que o Copom manteria a queda de 0,50% em dezembro. Isso porque houve exploração demasiada de uma declaração inoportuna e inadvertida do presidente Lula em café da manhã com os jornalistas na 6ª feira passada, 27 de outubro. Lula disse que o governo não se comprometia a reduzir investimentos para alcançar a meta de zerar o déficit público primário (receita menos despesa, sem considerar o custo da dívida pública) como percentual do PIB. “pode ser 0,25% a 0,50%” disse Lula. Se soubesse que estava alimentando especulações, teria se contido.

Como na 2ª feira, 30 de novembro, era véspera do vencimento dos contratos futuros de câmbio (sempre no último dia útil de cada vez), a fala de Lula foi explorada pelos especuladores do mercado e “comprada, sem nenhum filtro” por jornalistas e analistas políticos na TV, que deram um peso exagerado a uma possível fissura entre o presidente e o ministro da Fazenda, Fernando Haddad, que se comprometera a “zerar o déficit primário em 2024”.

Deu-se muita importância às ameaças do Copom aos fatores externos e às advertências costumeiras sobre a necessidade de equilíbrio fiscal. No caso das ameaças externas, o Copom errou muito no curto prazo. Os dados do emprego (um dos fatores que são levados em conta pelo Fed e que o levaram a manter as taxas estáveis) vieram bem fracos, indicando que a dosagem da política monetária já está sendo forte. O petróleo também teve nova queda, de 1,30% para o contrato de entrega em janeiro e para todos os vencimentos de 2024.

Passado o vencimento dos contratos futuros do dólar na B3, após roçar os R$ 5 na 6ª feira, 27, as cotações caíram hoje a R$ 4,88%, com baixa de 1,44% no dia e de quase 2,5% em uma semana. O resultado das eleições da Argentina, com o esvaziamento da candidatura do radical Javier Milei, que promete dolarizar a economia e acabar com o Banco Central deve reduzir pressões.

Se o Copom tinha tanta confiança para baixar a Selic em 0,50% e anunciar duas baixas próximas da mesma magnitude, por que não foi mais ousado agora e não baixou mais a Selic para forçar uma queda mais expressiva dos juros bancários para estimular os negócios do comércio nas vendas de fim de ano e aliviar as dívidas das famílias e das empresas? Esperar mais 45 dias pelo que poderia ter sido feito já, custará caro para toda a sociedade.

Para elevar juros em até 1,50 ponto percentual nas reuniões entre o fim de 2021 e começo de 2022, o Copom não se fez de rogado. Por que o excesso de cautela agora?

Equívocos do fiscalismo

Quem entende um mínimo de contabilidade e acompanha a vida das empresas como investidor em bolsa sabe que investimentos não entram nas contas de despesas. Bons investimentos (em novas tecnologias, modelos de produção, novas frentes de negócios e capacitação de pessoal) são a chave da melhoria da produtividade, para ganho de eficiência, maior competitividade e lucros no mercado. Famílias e governos não devem gastar além do que ganham.

Mas um orçamento bem administrado e uma aposta no seu futuro é que levam uma família a comprar uma casa ou apartamento próprio e a trocar de carro. No caso dos governos, se investimentos em infraestrutura e em melhoria da qualidade de vida da população melhoram a produtividade física e do capital humano, não há por que, em nome de um fiscalismo de padaria, frear os investimentos que vão aumentar a competitividade, a eficiência e o bem-estar da sociedade. Uma sociedade satisfeita produz mais e melhor.

O excesso de fiscalismo, exigência do Fundo Monetário Internacional (desde a crise da dívida externa, de 1982 – cuja culpa, foi depois reconhecida como parte da escalada dos juros nos EUA, que roçaram os 20% ao ano, quando o Brasil se endividou considerando o histórico de 6% a 7% ao ano), levou o Brasil a sacrificar investimentos e atravessar duas décadas com baixo crescimento.

O país superou a crise da dívida externa com duas frentes de investimento que ajudaram a transformar um déficit abissal na balança comercial de US$ 30 bilhões, nos anos 90, para um superávit estrondoso estimado pelo Bradesco em US$ 90 bilhões este ano. Tanto os investimentos da Petrobras na Bacia de Campos, descoberta em 1974, quando os investimentos feitos por empresários do agronegócio de vários cantos do Brasil atraídos ao Centro-Oeste pelas pesquisas de novas sementes da Embrapa adaptadas ao cerrado, tiveram início em 1974, no governo do general Geisel.

Os investimentos na Bacia de Campos tornaram o país autossuficiente em petróleo em 2006 – as descobertas no pré-sal da Bacia de Santos, no fim de 2006, ampliaram os saldos e deram espaço à revitalização da Bacia de Campos. Os investimentos no cerrado de Goiás, Minas Gerais, Mato Grosso (MT) e Mato Grosso do Sul, se espalharam pelo sul do Pará, e sul do Maranhão, de Tocantins, do Piauí e do Oeste da Bahia, (a área do MaToPiBa é hoje o 5º produtor de grãos do país, desbancando o Rio Grande do Sul), fizeram do Brasil um dos “celeiros do mundo”. MT tirou a liderança do Paraná. O lado ruim foi o avanço predatório sobre os biomas do Cerrado e Amazônia.

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