O Outro Lado da Moeda

Por Gilberto Menezes Côrtes

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O OUTRO LADO DA MOEDA

O Copom entre duas metas

Publicado em 30/10/2023 às 14:59

Alterado em 30/10/2023 às 14:59

O Comitê de Política Monetária do Banco Central (Copom), que se reúne amanhã para a 1ª de duas reuniões para decidir, na 4ª feira, 1º de novembro, o nível da taxa Selic (o mercado aposta numa queda de 0,50 ponto percentual para 12,25%e sua trajetória (o ano fecharia em 11,75%), trabalha com a meta de inflação como bússola num horizonte de até 18 meses adiante.

Para 2023 a meta é de 3,25%, com tolerância de 1,50% para o teto da meta, de 4,75%. Pois a Pesquisa Focus, encerrada pelo BC na 6ª feira e divulgada hoje (30.10), apontou nova baixa para o IPCA deste ano, 4,65% para 4,63% (4,61% nas projeções dos últimos cinco dias úteis). Há um mês, o mercado esperava alta de 4,86%. Para 2024, houve ligeira alta de 3,87% para 3,90% (3,92% nas respostas dos últimos cinco dias). O teto é de 3,00+1,50=4,50%.

O aumento das projeções para 2024, ainda dentro do teto da meta, deriva da revisão para cima das previsões de alta dos preços administrados (de 4,20% para 4,47%, sendo de 4,48% as apostas dos últimos cinco dias). Embora as projeções ainda estejam dentro da meta, o que chamou a atenção foi a previsão de alta da taxa Selic ao fim de 2024, de 9,00% para 9,25% a.a., indicando ainda desconfiança na redução do déficit fiscal primário em 2024.

Perfeição é meta defendida pelo goleiro

Como dizia Gilberto Gil, em “Prezado amigo Afonsinho”, “a perfeição é uma meta defendida pelo goleiro”. Guardião da inflação, o colegiado do Banco Central no Copom opera de olho direto nas ameaças que vêm da marcha da inflação e dos seus fatores de influência (como choques externos e internos, como quebras de safra por estiagem ou excesso de chuvas) e a marcha das contas públicas. A chamada execução fiscal.

O ano de 2023 foi benéfico no front dos alimentos. Após quatro anos de escalada de preços no governo Bolsonaro – quando o Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento (MAPA) não se preocupou em garantir o abastecimento doméstico (abertas as portas à exportação, o país teve de importar soja em grão em setembro de 2020 para fazer óleo de soja, cuja escassez fez os preços subirem mais de 100%, e arroz, afetado pela estiagem no Rio Grande do Sul, maior estado produtor (o que se repete este ano).

O pano de fundo da economia – que dá maior ou menor tranquilidade à execução da política monetária (vale dizer, do nível das taxas de juro), visando o alcance da meta de inflação – é a solidez da política fiscal. É praxe, ao fim de cada comunicado nas reuniões do Copom, com o resumo dos balanços de riscos internos e externos, a ênfase sobre as condicionantes da política fiscal.

Quando os gastos do governo são expansionistas, o Copom tem de redobrar a vigilância da política monetária (ou seja, manter os juros altos por mais tempo que o necessário) para esfriar a pressões inflacionárias. No governo Bolsonaro a trágica incidência da pandemia da Covid – pessimamente gerida pelo Ministério da Saúde, que seguiu o negacionismo do presidente – acabou exigindo uma lassidão monetária e nos gastos fiscais que desarrumou o orçamento. Após a recuperação de 2021 (seguindo a onda de recuperação da economia mundial), ano eleitoral de 2022 se desenhava complexo.

Mas a invasão da Ucrânia pela Rússia, em fevereiro, gerou uma explosão dos preços dos combustíveis, fertilizantes e alimentos. A disparada da inflação reforçou extraordinariamente a arrecadação do 1º semestre de 2022 e o superávit fiscal de 2022. Premido pelo calendário eleitoral e pela liderança de Lula nas pesquisas, o governo Bolsonaro, que já tinha dado, no fim de 2021, calote no pagamento dos precatórios da União para 2023 e até 2025, fez um pacote de benesses para tentar recuperar a popularidade.

Reduziu drasticamente impostos federais e estaduais da gasolina, combustíveis, energia elétrica residencial e comunicações, até 31 de dezembro de 2022. E ainda aumentou em 50% (de R$ 400 para R$ 600) o pagamento mensal do Auxílio Emergencial até dezembro, criando ainda mesadas de R$ 1 mil a caminhoneiros autônomos e taxistas.

Para não ter déficit fiscal, exigiu pagamento recorde e antecipado de dividendos da Petrobras e bancos estatais. A cortina de fumaça populista, deixou de lado programas sociais em saúde, educação e habitação. O superávit fiscal primário de R$ 125,994 bilhões foi feito com bilhões de restos a pagar e atraso de programas. Derrotado por Lula, a discussão do Orçamento de Transição de 2023, recompunha o que deixou de ser feito (e arrecadado) em 2022 e criava novos programas este ano. Daí, a base bolsonarista ter aprovado o OGU 2023 com previsão de déficit fiscal primário (receita menos despesas, sem contar o juro da dívida) de R$ 228,1 bilhões (2,2% do PIB).

Meta sem goleiro?

No jogo de futebol, como os times trocam de campo, o goleiro defende uma meta em cada tempo. Aparentemente vencida a meta do 1º tempo (o IPCA de 2023 dentro do teto da meta, o que não foi acerto do alto juro do BC, e mais causado pela baixa dos alimentos – que o Copom estimou menor – e pela recomposição inferior do nível dos tributos reduzidos em 2022 sobre combustíveis e energia, além da nova política de preços da Petrobras, em lugar do famigerado PPI, desde maio) o Copom agora está de olho na meta fiscal, defendida pelo Ministério da Fazenda.

Com a aposta de crescimento do PIB acima de 3% (o MF prevê 3,2%), e novas formas de arrecadação, incluindo cobrança judiciais no Carf, o ministro Fernando Haddad apresentou o arcabouço fiscal com previsão de déficit primário bem menor (R$ 145 bilhões) e promessas de reduzir a R$ 125 bilhões e em 2023 zerar o déficit em 2024. Mais isso dependeria não só da contenção de gastos (tarefa difícil em ano de eleições para as prefeituras e pavimentação da eleição de 2026), mas, sobretudo, de maior arrecadação.

Isso dependeria de maior crescimento do PIB que os 1,50% previstos pelo mercado (menos da metade deste ano) e cumprimento das apostas de arrecadação extras, como taxação de fundos exclusivos e “offshores”, aprovadas semana passada pelo Congresso. E há a incógnita de a reforma tributária ser ainda aprovada este ano, para valer em parte já em 2024.

Mercado, como Lula não crê em déficit zero

Realista, o Itaú estima que, com a antecipação do pagamento de R$ 96 bilhões em precatórios adiados por Bolsonaro em 2021, a projeção do déficit aumentou de 0,8% do PIB (R$ 90 bilhões) para 1,2% (R$ 135 bilhões). O mercado, na Pesquisa Focus, desta semana (antes mesmo de absorver as falas do presidente Lula, no café da manhã de 6ª feira com os jornalistas) elevou de 0,75% para 0,78% a previsão do déficit para 2024. E nas respostas dos últimos cinco dias úteis (já em um reflexo à fala inicial de Lula de que seria “difícil e talvez não necessário zerar o déficit” ou reduzí-lo a 0,5% do PIB”) elevou a previsão a 0,88%.

A questão é que com a Selic mais alta, em 9,25%, os gastos com juros (que garantem mais rendimento às camadas mais ricas da sociedade) tendem a mais do que dobrar os gastos do governo destinado aos mais pobres. Como Lula se elegeu prometendo governar para reduzir as desigualdades (o que implica prioridade aos mais pobres), a resistência a Lula vai crescer no mercado.

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