O OUTRO LADO DA MOEDA
Copom só discute juros em agosto
Publicado em 22/06/2023 às 12:58
Alterado em 22/06/2023 às 12:58
Foi com um misto de indignação e irritação que o setor produtivo reagiu à decisão do Comitê de Política Monetária do Banco Central (Copom) de manter a taxa Selic em 13,75% ao ano (o que não chegou a ser surpresa). O que irritou foi que, apesar das quedas nas taxas de inflação e no câmbio, o Copom sequer deu indicação de quando daria início à redução da Selic, que funciona como piso dos juros para toda a economia.
Creio que o comunicado do Copom deve ser mais explicitado na divulgação da ata na próxima 3ª feira, como uma quase prestação de contas do colegiado que já estará renovado na reunião de 1 e 2 de agosto, quando a aprovação dos nomes de Gabriel Galípolo (ex-secretário executivo do Ministério da Fazenda) para a diretoria de Política Monetária, e de Aílton Santos, funcionário de carreira do BC, para a Fiscalização mudará o pensamento único. Certamente nestes 45 dias a baixa dos juros estará em pauta.
O mercado espera a divulgação, 5ª feira, 29 de junho, do Relatório Trimestral de Inflação, elaborado pela diretoria de Política Econômica do Banco Central, para explicar por que errou tanto nas projeções de inflação que levaram ao excesso de cautela do Copom, que desdenhou do compromisso do governo Lula com a responsabilidade fiscal. Chega a ser um acinte a posição do BC.
Um mérito inexistente
O comunicado após a reunião procurou atribuir (sem ter mérito) a desaceleração da inflação à rigidez da política monetária. Foi tática semelhante à do 2º semestre do ano passado, quando a inflação desabou porque Paulo Guedes, ministro da Economia, passou a tesoura dos impostos federais e estaduais dos itens de maior peso na inflação (combustíveis, a começar pela gasolina, energia elétrica residencial e comunicações) para tentar reeleger Bolsonaro. A inflação desabou de 12,13% em abril para 5,79% em dezembro.
Este ano, a inflação segue caindo porque os preços agrícolas despencaram com a supersafra, os preços dos combustíveis cederam no mundo e a Petrobras adotou uma nova política de preços (sem o atrelamento automático aos preços internacionais e ao câmbio do PPI) - e o câmbio está despencando pelos juros altos e o ingresso de dólares pela exportação da supersafra.
Por sinal, tanto o agronegócio quanto a indústria extrativa e a exportação, que são mais imunes à política monetária, são os fatores que seguraram o crescimento do PIB e do emprego acima das previsões do Banco Central. Com certa desfaçatez, o Copom festeja um crescimento “malgré lui même”, como se diria em Paris, mas que ocorre com enorme sacrifício das famílias que vêm o crescimento sem fim de suas dívidas crescerem, assim como as empresas, nos setores do comércio, de serviços e da indústria.
Indústria critica o Banco Central
A Confederação Nacional da Indústria, presidida por Robson Andrade, reagiu com energia à decisão do Banco Central de manter os juros estáveis e sem indicar quando poderiam ser reduzidos. Para a CNI, “os juros estão acima do necessário para combater a inflação e impõem riscos à economia”. A entidade lembra que “há mais de um ano que a Selic está em patamar alto o suficiente para contrair a atividade econômica e, assim, controlar a inflação”.
Esse quadro ficou ainda mais evidente nos últimos meses. Em maio, o Índice Nacional de Preços ao Consumidor Amplo (IPCA) desacelerou fortemente e ficou em 3,9% no acumulado dos últimos 12 meses. A CNI calcula que, entre a reunião de 2 e 3 de maio e a reunião da 4ª feira (21 de junho) a taxa de juros real – que desconsidera os efeitos da inflação esperada – subiu de 8,1% ao ano para 9,2% ao ano. Com isso, a taxa de juros real está 5,2 pontos percentuais acima da taxa de juros real neutra, aquela que não estimula nem desestimula a atividade econômica. A CNI assinala que “a Selic em nível elevado foi um dos principais fatores de desaceleração da atividade econômica no final de 2022 e continua comprometendo muito a atividade em 2023”.
Robson Andrade lembra que as expectativas de inflação têm sido sucessivamente revisadas para baixo, conforme indica o Relatório Focus, do Banco Central. Para 2023, a inflação esperada caiu para 5,1%; enquanto para 2024, caiu para 4,0%. Além disso, a apreciação da taxa de câmbio nos últimos meses representa mais um elemento favorável ao cenário de controle da inflação. Por isso a CNI espera que “com a continuidade do movimento de desaceleração da inflação, o Copom inicie já na próxima reunião o tão necessário processo de redução da Selic”.
No mesmo dia da reunião do Copom, uma carta assinada por 47 dos 200 membros do Conselho de Desenvolvimento Sustentável da Presidência da República), o “Conselhão”, liderada pelo presidente da Fiesp, Josué Gomes da Silva, e pela presidente do Magazine Luiza, Luiza Trajano, pedindo a redução urgente dos juros, foi também solenemente ignorada pelo Copom.
Já a Câmara Brasileira da Indústria da Construção (CBIC) destacou que a decisão afeta o desempenho da atividade produtiva no país e impacta diretamente o setor da construção. “Lamentamos que a taxa seja mantida, mais uma vez, nesse patamar exorbitante. Isso está claramente afetando o desempenho da atividade produtiva no país, justamente ela que gera renda e emprego. Particularmente, a indústria da construção está sendo muito impactada por esse juro elevado”.
Esperança com Galípolo
Sem preenchimento da vaga da diretoria de Política Monetária, após o fim do mandato de Bruno Serra em 28 de março, desde 24 de março, o cargo foi acumulado por Diogo Guillen, diretor de Política Econômica. Paulo Souza, da Fiscalização, funcionário do BC, permaneceu no cargo, ajudando a fazer a unanimidade em cada reunião. Dois diretores (Fernanda Guardado e Maurício Moura) encerram o mandato em 31 de dezembro deste ano e aí haverá renovação de 50% da diretoria com novas visões, já em 2024.
Com a posse de Galípolo (que deve ser sabatinado em 4 de julho, junto com Ailton Santos) vai crescer a pressão pela baixa dos juros, sobretudo se não houver turbulência no retorno do projeto do Arcabouço Fiscal à Câmara, após aprovação com emendas no Senado. O ministro da Fazenda, Fernando Haddad, já manifestou sua visão (comungada por Galípolo) de que a Selic deveria ter começado a cair na reunião de março. Ainda houve a de maio e a de ontem. Assim, a Selic vai completar temporada de 12 meses em 13,75%.
O custo da manutenção destes juros reais que não param de subir, enquanto as taxas acumuladas em 12 meses do IPCA seguem em queda (parecendo a ilusão de ótica das escadas do genial artista holandês Escher, que dão a perspectiva de que a água está subindo os degraus) tem sido descomunal para o Tesouro Nacional. Como cada 1 ponto percentual na dívida acumula R$ 40,5 bilhões em 12 meses no serviço da dívida, em 18 meses houve aumento de mais de R$ 150 bilhões nos encargos da dívida pública. Mais do que o gasto adicional autorizado para programas sociais no 1º ano do governo Lula.
Entretanto, enquanto esse gasto extra para programas sociais (vale dizer para assistir as camadas mais carentes da população brasileira exigiu demoradas e complexas negociações no Congresso), as decisões do Copom que esgarçaram as finanças públicas, são decididas entre quatro paredes no Banco Central. E contribuíram para concentrar ainda mais a renda com o pagamento de juros reais a rentistas, fundos de investimentos e banqueiros.
Até as dívidas dos precatórios – sentenças judiciais já homologadas contra a União em tribunais superiores (objeto de calotes do governo Bolsonaro em dezembro de 2021, para gerar espaço gastos eleitoreiros no ano passado), já cresceram 41% ou R$ 41 bilhões, elevando a conta dos juros devidos pela União a R$ 200 bilhões em 18 meses.
Fed pensa também no emprego
O Federal Reserve, o Banco Central dos Estados Unidos, preferiu dar uma parada na escala dos juros na semana passada, mas como professor ou inspetor de escola que preza pela disciplina precisa infundir medo e respeito, o presidente do Fed, Jerome Powell, em comunicado nesta 4ª feira, admitiu que dirigentes do Fed consideram previsível novos aumentos até o fim do ano.
É uma visão de previsibilidade. Mas o Fed, disse Powell, não zela apenas pela moeda e o controle da inflação, lá seu mandato duplo compreende “promover o máximo de empregos e preços estáveis para o povo americano”. E acrescentou, “a estabilidade de preços é responsabilidade do Federal Reserve e, sem ela, a economia não funciona para ninguém. Em particular, sem estabilidade de preços, não alcançaremos um período sustentado de fortes condições do mercado de trabalho que beneficiem a todos”. Comunicados econômicos não precisam ser impenetráveis. Que diferença para o “coponês”.