O OUTRO LADO DA MOEDA
Copom se contorce para explicar erros
Publicado em 21/06/2023 às 08:16
Alterado em 21/06/2023 às 08:16
Após dois dias de reuniões, o Comitê de Política Monetária do Banco Central decide nesta 4ª feira o futuro da política monetária. Para ser coerente com seu modo de comunicação com o mercado (que evita surpresas bruscas), mesmo com as fortes quedas recentes na inflação, que pode ser ampliada com a queda do dólar depois da melhor avaliação de risco do Brasil pela agência Standard and Poor’s, o Copom não deve alterar a taxa Selic, que está fixada em 13,75% ao ano, desde 3 de agosto de 2022.
Mas espera-se que o Comitê sinalize uma guinada na rigidez da política monetária, diante da evolução sobretudo do quadro fiscal, com o avanço da votação do Arcabouço Fiscal no Senado (e possível nova votação na Câmara) e das boas possibilidades da Reforma Tributária. Como o Copom adotou uma postura excessivamente cautelosa e pessimista em relação a todas as medidas de política econômica do governo Lula, é curioso ver qual será o contorcionismo do Comitê para explicar sua súbita mudança de postura.
Estou com o ministro da Fazenda, Fernando Haddad: o Copom deveria ter iniciado o processo de redução das taxas de juros na reunião de março. O mercado (e o Banco Central) fizeram uma aposta errada de descontrole da inflação no começo do governo Lula. Tudo porque o pacote eleitoreiro de redução temporária (até 31 de dezembro) de impostos federais e estaduais (ICMS) sobre combustíveis, em especial a gasolina, energia elétrica e comunicações, teria forte repique inflacionário na volta dos impostos em janeiro.
Mas o governo Lula evitou isso. Adiou o início da reoneração para março e em percentuais bem abaixo dos vigentes até junho de 2022. E ainda decidiu fazer de forma escalonada a retomada dos impostos. Assim, o IPCA de março, de 0,71%, foi bem menor que os 0,84% de fevereiro (com forte impacto do reajuste das mensalidades escolares) e a taxa em 12 meses, que fechou em 5,79% em dezembro, baixou a 5,6% em fevereiro e desceu a 4,7% em março.
Independência não rima com teimosia
Se o Banco Central não tivesse adotado ao pé da letra sua independência perante o Executivo, garantida pela Lei 179, de fevereiro de 2021, em vez de seu presidente, Roberto Campos Neto, e diretores se arvorarem em guardiões da moeda e virado as costas, olimpicamente, para o novo governo, não estaria agora passando recibo de seus vários erros que custaram muito ao país.
Guardada a independência da autoridade monetária, a política de bom entendimento sugeria que o presidente do Banco Central procurasse conhecer qual seria a estratégia do primeiro ano do governo Lula em relação à recomposição tributária atropelada pela intenção eleitoreira do ex-ministro da Economia, Paulo Guedes para tentar reeleger Jair Bolsonaro.
Mas na defensiva – o Banco Central operou às escuras, prevendo o pior cenário (que não ocorreu) e submeteu o país (famílias e empresas) a um enorme sacrifício com taxas de juros bem acima do necessário. A dosagem do remédio foi bem acima da intensidade da doença.
Campos Neto lembra Paul Volcker
Esse descompasso entre o presidente do Banco Central (que fez campanha aberta para Bolsonaro) e o governo Lula (que criticou abertamente o distanciamento de Campos Neto, que se punha como corpo estranho à política econômica, embora com grande função estratégica) me lembra o desastre que foi para os Estados Unidos e os países em desenvolvimento (endividados para fazer projetos que permitissem vencer o choque do petróleo de 1973 e o 2º choque, de 1979) a elevação dos juros a ferro e fogo pelo presidente do Federal Reserve Bank dos Estados Unidos, Paul Volcker.
Os juros do Fed, que atravessaram historicamente o pós-guerra na faixa de 4,50% a 6,50%, subiram rapidamente para 19%/21% ao ano na virada dos anos 70 para o começo dos anos 80. Volcker dizia que os gastos do Tesouro americano estavam desenfreados para bancar a guerra do Vietnã e entreveros posteriores, e que era preciso puxar o freio dos juros. Isso esgarçou cronogramas de desembolso financeiro e a carência de amortização dos empréstimos aos projetos que visavam ajustar a balança comercial. O efeito foi arrasador sobre os balanços de pagamentos (balança comercial + fluxos financeiros, incluindo juros e as remessas de lucros e dividendos).
O México foi o 1º país a declarar moratória, em agosto de 1983. Em setembro, o Brasil estava sem crédito para comprar petróleo e precisava do aval do FMI. Como haveria eleição direta para governadores em outubro e os deputados e senadores eleitos iriam formar (com futuros prefeitos) o Colégio Eleitoral para a escolha indireta do sucessor do general Figueiredo, tudo foi negociado na surdina, com acordo do governo Figueiredo com os donos dos grandes jornais.
O anúncio da ida do Brasil ao FMI só foi feito após o resultado das urnas (em novembro – na ocasião ainda não se usavam urnas eletrônicas). E a renegociação da dívida ocorreu em 20 de dezembro, no Hotel Plaza, em Nova Iorque (eu cobri para o JB, onde era Editor de Economia). O 1º arranjo de renegociação não deu certo. Era ainda pesado para os países devedores.
Só quando o secretário do Tesouro dos EUA, Nicolas Brady, reconheceu a culpa americana (Volcker) pelas quebras dos países devedores, que geraram pesados prejuízos para os bancos do país (implicando menos pagamento de impostos ao próprio Tesouro e às prefeituras, como a de Nova Iorque, o centro financeiro do mundo), o imbróglio se desfez. O plano pelo qual o Tesouro americano assumiu parte dos custos dos juros (com desconto aos devedores, na troca por papéis do Tesouro do Tio Sam), foi nomeado Plano Brady.
Quem paga pela arrogância do BC?
De certa forma a independência, ou pior, a arrogância do Banco Central, está custando muito caro ao Tesouro Nacional e às famílias e às empresas (grandes, médias e micros), em ordem crescente. Se o Tesouro não tivesse calibrado tão alto a Selic (feita para enfrentar uma inflação de dois dígitos -estava em 12,13% em abril) – Guedes deixou o Banco Central de lado e pegou o bisturi do corte dos impostos para derrubar a inflação e gerou uma série de problemas, que Lula teve de administrar para recompor a carga fiscal sem provocar repique da inflação.
Houvesse entendimento do Banco Central com o Ministério da Fazenda, a dosagem dos juros poderia já ter sido abrandada há tempos. As reuniões do Comitê de Política Monetária do Banco Central ocorrem com intervalo de 45 dias. A menos que o comunicado indique viés de baixa (ou de alta) só numa próxima reunião o Copom pode anunciar o movimento (para cima ou para baixo dos juros). Havendo um “viés de baixa”, o Copom poderia reduzir os juros, extraordinariamente, sem esperar pelos 45 dias de intervalo.
Não é pequeno este custo. O Banco Central informou no último boletim de maio sobre as contas fiscais que cada um ponto percentual para cima na taxa Selic custa R$ 40,5 bilhões aos títulos do Tesouro Nacional atrelados à Selic, ao fim de 12 meses. Em dezembro de 2021, a Selic estava em 9,25% ao ano. Em junho de 2022 a Selic subiu a 12,75%. Foi a 13,25% em julho e estacionou em 13,75% desde 3 de agosto de 2022. No intervalo onerou, no mínimo, em R$ 100 bilhões os juros da dívida. Com a taxa estacionada em 13,75% desde 3 de agosto, os gastos cresceram mais R$ 100 bilhões. Dinheiro que poderia ir para programas sociais foi engordar o bolso dos banqueiros e ricos rentistas.
Mas até o calote nos precatórios, manobrado por Bolsonaro no fim de 2021, e aprovado pelo Congresso, para abrir espaço para gastos em programas eleitoreiros, foi onerado pela Selic nas alturas. É que os débitos fiscais do cidadão e das empresas para com o Fisco e vice-versa são atualizados mensalmente pela taxa Selic (a devolução do IR entra nesse cálculo).
Com o calote dos precatórios no fim de 2021, as obrigações por causas já ganhas dos contribuintes contra a União tiveram os encargos aumentados em 41%, somando R$ 141,8 bilhões em maio, um aumento de 139% frente a 2018.
LCA aponta erros do BC
Em análise conjuntural bem menos cáustica que a minha, com o título “Austeridade monetária do FED não parece ameaçar o interregno benigno que vem criando condições para o Copom começar a reduzir a Selic em agosto”, a LCA Consultores aponta pontos onde a visão do BC não bateu com a realidade:
“Em sua reunião de política monetária da semana passada, o FED confirmou as expectativas de mercado ao interromper uma sequência de dez elevações consecutivas em sua taxa básica de juros. A decisão de manter a taxa de juros veio acompanhada de indicações claras de que a grande maioria dos diretores do FED acredita que o ciclo de aperto monetário ainda está longe de ser encerrado".
Mas a LCA observa que “a cautela manifestada pelo FED não chegou a provocar ajustes significativos nos mercados mundiais – que continuam a atravessar um interregno benigno, graças aos sinais de desinflação global”, citando que a “normalização das cadeias globais de suprimento e a desaceleração (ainda que moderada) da demanda mundial têm resultado em rápida descompressão da inflação ao produtor nas principais economias”.
Para a LCA, “essa descompressão global de custos logo começará a moderar também a inflação ao consumidor, dispensando aperto adicional relevante das condições monetárias nas economias centrais”. Assim a consultoria considera “que o processo de desinflação mundial poderá se consolidar sem um custo muito elevado em termos de sacrifício do crescimento econômico global”.
“Esse interregno benigno no ambiente global, em conjunto com a diluição de incertezas internas, sobretudo na seara fiscal, vem suscitando uma melhora substancial de expectativas no ambiente doméstico”.
“A melhora de expectativas levou a agência de classificação de risco S&P a colocar o rating soberano brasileiro em perspectiva positiva”, contribuiu para “intensificar a valorização do câmbio”.
“A valorização cambial se soma à deflação que há quase um ano vem sendo observada no atacado doméstico, instigando uma melhora de expectativas inflacionárias – para 2023 e para os anos seguintes”.
“A atividade continua a mostrar resiliência – mas, como temos argumentado, o crescimento tem sido sustentado por setores pouco sensíveis à política monetária, como a agropecuária e a indústria extrativa”, ambas meio que imunes às medidas de contração da demanda gerada pelos juros altos".
“Nessas circunstâncias”, diz a LCA, “as condições para que o Banco Central comece a reduzir a taxa básica Selic estão se consolidando – o que poderá ser reconhecido pelo Copom no comunicado da reunião desta 4ª-feira (dia 21)”.
O cenário base da LCA “pressupõe que a Selic começará a ser reduzida na reunião do Copom de 02 de agosto; ou, no mais tardar, na reunião de 20 de setembro”.
Se o mercado previu, da Focus desta semana, que a Selic feche em 12,25% (menos que os 12,50% que vigoraram por dois meses), o processo de baixa tem de ser iniciado com pelo menos 0,25 p.p. em 2 de agosto. Eu cortaria 0,50%.